Cinco linhas de metrô, uma de trem e nove estações. A longo prazo, o distrito de Pinheiros pode se tornar o maior polo metroferroviário fora do centro de São Paulo. Para além do incremento em mobilidade, contudo, um acréscimo de três linhas ao distrito da zona oeste já tem chamado a atenção para outra consequência: uma nova onda de transformação urbana, especialmente de verticalização.
Esse fenômeno no entorno de metrô já ocorria historicamente, mas foi “turbinado” na última década, com Plano Diretor e Lei de Zoneamento direcionando novos apartamentos para os “eixos de mobilidade”, por meio de incentivos e flexibilização. Basta andar pelo entorno de estações já existentes para notar os tantos prédios entregues e em obras nos últimos anos, como mostrou o Estadão.
Publicamente, ainda não se fala do distrito como um “hub” de mobilidade e de “super estações” (com várias linhas). Na prática, contudo, o distrito deverá ter essa função caso os projetos prosperem. Duas linhas - a 16-Violeta (Pinheiros até Vila Formosa) e a 20-Rosa (Lapa até Santo André) - publicaram Declarações de Utilidade Pública (DUPs) neste ano, de modo a facilitar futuras desapropriações.
Embora essas linhas sejam cogitadas na cidade há anos, Pinheiros tinha presença menor: não estava no traçado da 16-Violeta até meses atrás e, no caso da 20-Rosa, mudou de traçado. A situação já tem mobilizado o mercado imobiliário, assim como movimentos de oposição.
A expectativa é de que ao menos uma parte dessa expansão metroviária seja colocada para leilão no ano que vem, especialmente a Linha 16-Violeta. O desenvolvimento da 20-Rosa e 22-Marrom (Cotia até Sumaré) também tem avançado.
Especialistas avaliam que essa concentração faz sentido, por envolver uma importante centralidade de escritórios, comércios e serviços, ligada à Faria Lima, Rebouças e Teodoro Sampaio. Por outro lado, questionam o motivo de linhas mais periféricas não terem uma expansão igualmente robusta, como até o extremo leste ou cruzando mais bairros da zona norte, por exemplo.
Em relação à transformação urbana, há a avaliação de que o distrito segue em transformação. Assim como pode-se esperar uma nova onda de verticalização caso a chegada do metrô altere o zoneamento de mais áreas, como no entorno das futuras estações Girassol, na Vila Madalena, e Teodoro Sampaio. Esses locais são hoje restritos a prédios medianos.
Uma possível nova classificação no zoneamento desses locais precisa ser feita por meio de projeto de lei, o que não está previsto no momento. Até 2029, contudo, a Prefeitura deve, por lei, propor um novo Plano Diretor.
Por que Pinheiros está virando polo de trilhos? Metrô responde
Oficialmente, o Metrô defende que a presença de várias linhas no distrito é “resultado do traçado natural do sistema de trilhos de São Paulo e tem como função interligar a rede que atende diferentes áreas da cidade”. “A futura configuração tem como objetivo melhorar a conectividade no sistema e reduzir congestionamentos no centro expandido”, completou.
A companhia pública lidera o desenvolvimento das Linhas 20-Rosa e 22-Marrom. Já a 16-Violeta teve estudos recentemente entregues pela Acciona, multinacional espanhola selecionada pelo Governo de São Paulo e que já manifestou a intenção de assumir a obra e operação do trajeto (a exemplo do que faz na Linha 6-Laranja).
Ao Estadão, o Metrô destacou que “não haverá mudanças significativas no traçado ou nas estações” hoje indicadas para essas linhas, mas “apenas ajustes técnicos pontuais podem ocorrer”. Também disse que mantém diálogo permanente com moradores e que escolheu os trajetos previstos por “razões técnicas e operacionais”.
Também respondeu que “não comprovou viabilidade técnica” a proposta da Ame Jardins, de deslocamento da Linha 2O-Rosa para um maior trecho da Avenida Brigadeiro Faria Lima, como chegou a ser cogitado anos atrás (com cinco em vez de duas estações na via). “O traçado definido no anteprojeto de engenharia será mantido, pois atende aos critérios técnicos e ambientais”, justificou. A sugestão estava em um estudo feito pela consultoria do ex-presidente do Metrô, Sergio Avelleda, contratada pela associação.
Em audiência pública no ano passado, Luiz Antonio Cortez Ferreira, gerente de Planejamento e Meio Ambiente do Metrô, chegou a falar em “dificuldade técnica” para mais estações na Faria Lima. Outro ponto que poderia impactar é o custo do metro quadrado na região.
Além disso, o estudo de impacto da Linha 20-Rosa indica que o traçado e estações foram indicados a partir dos seguintes fatores:
Há o entendimento de que a implantação de uma nova linha tem influência direta nos usos dos terrenos de seu entorno, com aumento de comércios, serviços e moradia. O próprio Metrô fala em “valorização” de áreas, destacando principalmente o perímetro de influência direta, usualmente estimado em um raio de 600 metros.
Hoje, no entorno das novas estações previstas para Pinheiros, há casas, comércios baixos e edifícios de pequeno e médio porte. Essas tipologias tendem a facilitar uma futura verticalização.
O estudo de impacto ambiental do Metrô estima que a maior parte do entorno dessas estações passe a ser Zona Eixo de Estruturação e Transformação Urbana (ZEU). Essa nova classificação dá incentivos a prédios altos em quadras em um raio de cerca de 700 metros. Essa classificação tem atraído o mercado e concentra grande parte da produção imobiliário da cidade.
Uma futura mudança no zoneamento deverá, contudo, considerar a revisão da legislação urbanística (de 2024), que impede “eixo de verticalização” em ruas estreitas, com alta declividade e outras características de exceção. Essa mudança na lei resultou em restrições no entorno da estação Vila Madalena, por exemplo.
Além disso, também em Pinheiros, a gestão Ricardo Nunes (MDB) avalia a implantação de um VLT na Avenida Brigadeiro Faria Lima, como o Estadão revelou. Procurada novamente, respondeu apenas que estuda “soluções integradas de urbanismo e mobilidade no âmbito da Operação Urbana Consorciada Faria Lima”.
Antes de uma possível onda de verticalização, contudo, a chegada do metrô deve extinguir casas (algumas de vila), pequenos comércios e outras construções baixas, que passarão por desapropriações. Somente na Linha-Rosa-20, por exemplo, indica-se cerca de 20 mil m² de desapropriações em Pinheiros, deslocando diretamente 209 moradores, de 61 famílias.
Além disso, pela primeira vez, as linhas estão sendo pensadas para a implantação de possíveis “empreendimentos associados”, em parceria privada, como forma de financiamento de parte dos custos. Isto é, a construção de comércios, serviços, escritórios e até moradias construídos sobre as áreas desapropriadas.
Pesquisador em mobilidade e doutorando na Unesp, o geógrafo Oliver Cauã Cauê contextualiza que, historicamente, o chamado “vetor sudoeste” é priorizado em obras de infraestrutura, atendendo mais bairros de classe média do que periféricos. Também destaca que a implantação desse modo de transporte costuma ser vista como uma forma de desafogar o trânsito, como foi tratado na implantação da Linha 3-Vermelha.
Igualmente geógrafo e pesquisador de mobilidade urbana, Lúcio Guimarães considera que Pinheiros tende a se tornar “uma das maiores centralidades” da rede de transporte. Ele percebe, contudo, que a distribuição de parte dos estudos entre Metrô e Acciona pode gerar um planejamento nem sempre voltado ao todo.
Outro ponto que salienta é que não se trata “puramente de uma questão de ir e vir”, mas também de impactos na cidade. E, nesse cenário, entram diferentes tipos de disputas e influências: social, econômica e política. Isto é, envolvem decisões não apenas técnicas. “Quando se coloca uma estação, interfere na dinâmica, nos fluxos, nas atividades econômicas, no tipo de residência.”
Pesquisador de Engenharia de Transportes e professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), Claudio Barbieri da Cunha aponta diferentes aspectos ligados ao novo panorama de Pinheiros. Por um lado, entende que o incremento de linhas e conexões é positivo para a rede (encurtando trajetos até dentro do transporte sobre trilhos), assim como envolve um distrito com grande oferta de empregos, serviços e comércios.
“Será que construir uma linha e limitar a construção de prédios seria o melhor uso de dinheiro público? Metrô custa caro?”, questiona. “Mais linhas de metrô são um incentivo para as pessoas deixarem de andar de carro.”
Por outro, reconhece os motivos para um movimento contrário: afinal, o distrito já vem passando por intensa verticalização. “Será que aquela região tem viário adequado para tantos prédios?”, questiona. “Entendo a questão da população da região estar preocupada, também estaria se morasse lá.”
Consultor e pesquisador em planejamento urbano, o arquiteto e urbanista Marcos Kiyoto considera que “a questão imobiliária é muito importante” quando se trata de metrô, e também um tema latente em Pinheiros há anos. Ele sinaliza que, nesse sentido, a transformação envolve duas esferas públicas (Estado e Município), que não costumam fazer um planejamento urbano conjunto, embora tenham certo diálogo.
Outro ponto importante é que envolve mudanças a longo prazo, considerando que novas linhas de metrô podem levar quase uma década de obras, com um ritmo inconstante. Também ressalta que, historicamente, várias linhas em estudo passaram por alterações, grande parte com a retirada ou adiamento de trechos mais periféricos. “Por quê? Em termos de passageiros, também tem muitos em Cidade Tiradentes (no extremo leste).”
No caso do distrito da zona oeste, o urbanista considera que uma concentração faz sentido por envolver uma importante centralidade, mas questiona o motivo de ser tão maior do que em outras áreas da cidade. “Não acho um problema ali ter bastante. A questão é: por que outros lugares não têm? Por que tanto em Pinheiros e não tanto em outros lugares?”, indica. “Há um desequilíbrio na rede.”
O especialista considera, ainda, que há algumas “sobreposições um pouco estranhas” no traçado das linhas. Nesse sentido, salienta que a Linha 16-Violeta será uma experiência inédita do privado liderar o desenho, enquanto, até então, essa decisão era principalmente do Metrô.
Associações se mobilizam contra estações Girassol e Teodoro Sampaio
Essas possíveis transformações são criticadas por uma parte dos moradores. Como em outras ocasiões, fala-se das desapropriações, movimentação de pessoas e outros impactos.
Dessa vez, contudo, com os reflexos do zoneamento, a possível mudança para “eixo de verticalização” se tornou um dos principais pontos de oposição. Isto é, fala-se em grande parte dos prédios altos que poderão ser erguidos no entorno das estações.
Na revisão da Lei de Zoneamento e do Plano Diretor, em 2023, Pinheiros esteve entre os distritos mais mobilizados. O distrito tem passado por intensa transformação e, diferentemente de seus vizinhos Alto de Pinheiros e Jardins, tem bem menos restrições urbanísticas.
No entorno da Girassol, por exemplo, um grupo prepara a criação de um abaixo-assinado. “Não queremos essa estação. Não faz sentido colocar estação no miolo do bairro, um bairro pequeno dentro do distrito de Pinheiros”, diz a produtora cultural e empresária Beatriz Torres, de 58 anos, uma das lideranças do movimento.
Ao Estadão, a moradoa apontou que outros vizinhos estão igualmente preocupados com a possível verticalização trazida pelo metrô. O principal exemplo citado é a estação Vila Madalena, onde casinhas e construções baixas foram abaixo para a construção de prédios altos.
“Vimos ruas inteiras serem completamente descaracterizadas”, diz Beatriz. “A Vila já está bastante saturada”, completa.
Por outro lado, uma possível nova classificação de zoneamento pode agradar a uma parte dos proprietários de imóveis, considerando uma provável valorização. Essa posição geralmente envolve quem aceitaria mais facilmente se mudar de vizinhança.
A situação tem envolvido até mesmo associações de bairros vizinhos. A Ame Jardins se posicionou especialmente contrária à estação na Teodoro Sampaio, com a defesa de deslocamento para a Faria Lima, dizendo que a proposta atual do Metrô “atende poucos usuários e causa impacto negativo na região”. Obteve apoio de outras organizações de bairros vizinhos, como Alto de Pinheiros e Jardim Lusitânia.
Da mesma vizinhança, o Coletivo Jardins também se posicionou contrariamente. Afirmou que a linha pode “intensificar a especulação imobiliária e trazer impactos ambientais e sociais preocupantes”.
Em audiências públicas, no ano passado, foram feitos questionamentos diversos sobre mudanças feitas ou que poderiam ocorrer no projeto. Houve a defesa, por exemplo, da extensão até Congonhas, assim como associações de bairros da região defenderam que o Estado deveria priorizar a periferia, não a “parte mais rica da cidade”.
Parte desses grupos mencionou um trecho do estudo de impacto, de que a mudança no traçado “deixa de atender o trecho de maior concentração de empregos da Avenida Faria Lima, alterando uma das principais funcionalidades previstas para a Linha 20-Rosa”.