Luciana Seabra
Quem trocou um fundo multimercado combalido por uma confortável letra de crédito no fim do ano passado, o que não foi raro, está, provavelmente, arrependido agora. Os multimercados do tipo macro renderam, em média, 16,84% de janeiro a julho. Perderam apenas para os cambiais, de patrimônio pouco representativo. Líquido de imposto, para quem já estava ou entrou no fundo em janeiro, o retorno médio da aplicação seria de pelo menos 13,47%, ou seja, 188% do Certificado de Depósito Interfinanceiro (CDI) do período. Não havia no mercado Letra de Crédito Imobiliário (LCI) ou Letra de Crédito do Agronegócio (LCA) tão rentável.
Os multimercados multiestratégia são o terceiro tipo mais rentável no ano, com 12,33%. Esses fundos e as carteiras macro somam R$ 457,64 bilhões em patrimônio, segundo dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). A categoria toda soma R$ 542,25 bilhões em ativos, o equivalente a 19% da indústria de fundos.
A estratégia predominante foi em moedas. Veio do dólar - o mesmo ativo que levou gestores renomados a perder para o CDI em 2014 - grande parte dos ganhos neste ano. A moeda americana andou 27,78% de janeiro a julho.
"Continuamos acreditando na tese de que uma parte importante do ajuste do Brasil vai acontecer via moeda, mas era mais óbvio falar isso quando o dólar estava em R$ 2,50 do que quando está em R$ 3,50", diz Luiz Parreiras, estrategista do fundo Verde, que rende 21,03% no ano até julho. No ano passado, a famosa carteira entregou 8,8%, menos que o CDI. "Ainda temos posição [em dólar], mas menor", completa. Outra estratégia importante para o portfólio, que ganhava com a alta da inflação, também já foi mais confortável, quando todos os preços administrados estavam represados.
Não só de dólar e juro brasileiro, entretanto, vive o Verde neste ano. Cerca de 20% do patrimônio do fundo está aplicado fora do país. Ações europeias e japonesas contribuíram para os ganhos. A percepção de um exagero na queda do juro alemão com vencimento em dez anos para perto de zero também gerou uma posição rentável, e até o petróleo ajudou. Quando o preço do barril bateu US$ 48 no começo do ano, a equipe do Verde comprou o ativo, para vendê-lo quando o preço atingiu US$ 60. E decidiu vendê-lo em maio, quando a alta pareceu exagerada, adicionando retorno.
Os gestores têm sido cada vez mais empurrados a serem multimercados de fato, ou seja, a explorar diferentes ativos, aproximando-se dos "hedge funds" globais. Repousar em títulos pós-fixados não serve mais, nem simplesmente comprar dólar. E é essa a esperança para o desempenho desses fundos nos próximos meses, dado que a moeda americana já andou muito.
"Com a concorrência das LCIs e LCAs, os fundos tiveram que se adaptar a um novo padrão de volatilidade", diz Rogério Pessoa, responsável pela área de gestão de patrimônio do BTG Pactual. O novo contexto diferencia os gestores que sabem ganhar dinheiro dos demais, completa. Para Pessoa, um investidor moderado deve ter hoje de 25% a 30% do portfólio em multimercados, mesclando produtos mais e menos arriscados.
Companheira da Verde Asset na lista de multimercados preferidos dos alocadores de fortunas, a SPX também faz bonito em 2015. De janeiro a julho, o Nimitz entrega 18,38% e o Raptor, nada menos que 31,03%. No ano passado, as duas carteiras tinham ficado bem abaixo do CDI.
A carta mais recente da gestora cita a posição comprada em dólar contra o real e uma cesta de moedas. Nos juros, a SPX preparou-se em junho para ganhar com um ajuste para baixo na parte intermediária da curva que reflete as expectativas para a taxa. O fundamento para a estratégia é o entendimento de que o Banco Central não teria motivo para um esforço adicional substancial nos juros, dado o cenário recessivo e de convergência da inflação.
O arsenal da SPX também não se resume a juro brasileiro e dólar. A gestora comprou ações do setor financeiro americano e ficou vendida em commodities. Em junho, deu início a uma posição comprada em Coreia, por considerar os preços em bolsa descontados em relação a outros emergentes. A compra de papéis de bancos chilenos e a venda, apostando na queda, de instituições financeiras mexicanas também fizeram parte da estratégia. No Brasil, os setores de infraestrutura e elétrico ficaram na ponta comprada e o consumo, na vendida. A SPX investe ainda em commodities, vendida em cobre e minério de ferro, diante do descompasso entre oferta e demanda.
Retornos tão fartos ainda não foram capazes, entretanto, de reverter o fluxo para multimercados. No ano até julho, essas carteiras perdem R$ 24,57 bilhões. Os resgates superam as entradas em todos os tipos de multimercados, inclusive em julho. A devolução de recursos do Verde, empreendida pela gestora de Luis Stuhlberger para tornar a administração de recursos mais confortável, não justifica tamanha saída, já que soma cerca de R$ 3,7 bilhões no ano. Os resgates em julho foram pulverizados, segundo a Anbima.
Como estão fechados para aplicações, os fundos da Verde e da SPX não pesam tanto na consciência de quem não aproveitou a oportunidade. Há, entretanto, carteiras acessíveis até a aplicadores pequenos que participaram da alta. É o caso do Gávea Macro, disponível em plataformas de varejo com aplicação mínima a partir de R$ 1 mil. O retorno, até julho, é de 16,63%. Outra carteira da casa, que fica 100% exposta ao dólar, mas se difere dos fundos cambiais por ter também gestão ativa, o Gávea Macro Dólar, bateu 41,95%. Assim, a gestora também se redimiu de retornos abaixo do CDI em 2014.
Nem é preciso dizer que a escalada da dólar foi essencial para o desempenho da gestora do ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga. A estratégia, entretanto, também não se limitou a sentar em dólares. No primeiro trimestre, a proposta foi investir em dólar contra uma cesta de moedas do resto do mundo. Depois de a tese ter andado, a convicção foi mantida, mas a tática sofisticou-se. A Gávea montou posições que o sócio e economista Bernardo Carvalho chama de "idiossincráticas", termo também usado por Parreiras, da Verde, para referir-se às histórias específicas que têm feito parte dos multimercados brasileiros. Nesse caso, a proposta, ainda em curso, foi montar posições relativas, como comprar moedas de alguns países da Ásia e vender de outros.
Outro multimercado aberto para aplicações, com mínimo de R$ 5 mil, que se destacou foi o DArtagnan, gerido pela Garde Asset Management, do ex-presidente da Anbima Marcelo Giufrida. A carteira acumulou 14,23% no ano, ante 7,17% do CDI, mais do que em 2014 inteiro, quando já tinha batido o referencial.
Os multimercados têm sido beneficiados por uma convergência dos mercados para os fundamentos, segundo Giufrida. No caso do Brasil, diz, o Banco Central deixou a moeda mais livre, ganhou mais autonomia no ajuste dos juros e, além disso, houve uma recomposição de tarifas. "As estratégias começaram a funcionar de maneira mais rápida e sem ruídos", afirma. A retirada das interferências gerou movimentos de preços de ativos que foram aproveitados pelos gestores de multimercados.
Outro filão de ganhos desponta no horizonte: o juro doméstico. Títulos prefixados e indexados à inflação deverão ter ganho de capital quando o ciclo de alta do juro, já interrompido pelo Banco Central, tornar-se um movimento de cortes na taxa, como ocorreu em 2012. Como ainda não se sabe quando isso vai ocorrer, o mercado ainda não se posicionou.
Giufrida acha que a expectativa de corte nos juros para o ano que vem está exagerada, diante da pressão que o dólar e a inflação corrente exercem na taxa para cima. O fundo Verde, segundo Parreiras, até carrega títulos indexados à inflação de prazo curto, mas menos pela convicção de um ciclo próximo de corte - já que surpresas na inflação são vistas como possíveis - e mais por aprovar o nível atual da taxa. A Gávea, por sua vez, não tem visto oportunidade no juro, diante de duas forças contrárias: a possibilidade de uma recessão mais forte no país, por um lado, indica corte, e a exigência de um prêmio de risco maior, dadas a questão fiscal interna e a alta de juro americana, por outro, apontam para um juro elevado.