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30/09/2015

Compasso de espera

Superar a crise e criar os alicerces para um novo ciclo de expansão tornou-se prioridade no setor.

Ediane Tiago e Domingos Zaparol

O ano de 2015 é um dos piores já registrados pela construção civil brasileira. A expectativa é encerrar o exercício com uma retração de 7% nos negócios e a desativação de 505 mil empregos. Superar a crise e criar os alicerces para um novo ciclo de expansão tornou-se prioridade no setor. Na semana passada, em Salvador, a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) reuniu empresários, executivos, políticos e especialistas com o propósito de encontrar soluções. Em pauta, novas fontes de financiamento, a modernização dos processos de licitação e concessões, parcerias público-privadas e o aumento da competitividade e sustentabilidade do setor. "Temos que nos tornar mais fortes e eficientes", diz José Carlos Martins, presidente da CBIC.

Nos últimos anos, a indústria da construção foi beneficiada por uma conjuntura extremamente favorável. A expansão da renda e do crédito gerou um boom no mercado imobiliário. Políticas públicas garantiram o acesso da população de baixa renda à aquisição de moradias, pelo programa Minha Casa Minha Vida, obras de infraestrutura necessárias para o desenvolvimento do país foram financiadas com recursos subsidiados pelo Tesouro Nacional. A organização da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos ampliou as encomendas ao setor.

Uma retração no nível de atividade já era esperada. A questão é que ela coincidiu com a necessidade de o país fazer um forte ajuste em suas contas e o esgotamento da expansão do consumo privado. "É inédito, nunca antes tivemos uma queda simultânea em todos nossos segmentos de atuação", diz José Romeu Ferraz Neto, presidente do Sindicato da Construção de São Paulo. O mercado habitacional paulista apresentou um recuo de 60% nos lançamentos nos oito primeiros meses do ano.

Em segmentos que dependem de verbas públicas a situação é ainda pior. O total de débitos do governo federal com as empreiteiras rodoviárias soma R$ 2 bilhões e pode chegar a R$ 3 bilhões até o final do ano, informa José Alberto Pereira Ribeiro, presidente da Associação nacional de Empresas de Obras Rodoviárias (Aneor). "Isso desequilibra a estrutura financeira e administrativa das empresas", diz.

José Carlos Martins diz que o governo precisa fazer os ajustes necessários, cortando gastos, mas sem reduzir a capacidade de investimentos do país. Para o economista Eduardo Giannetti da Fonseca o país deve passar por reformas importantes para reduzir o tamanho do Estado, permitindo uma menor carga tributária e, ao mesmo tempo, deve¬se buscar uma maior eficiência ao setor público. "Hoje temos uma carga tributária de 36% do PIB e, mesmo assim, um déficit nominal de 8% do PIB. É insustentável", diz. Mas Giannetti também avalia que o país já superou situações piores que a atual, e com entendimento político, pode enfrentar essa nova turbulência. "O Brasil é maior que a crise".

O ajuste no setor da construção civil exige uma série de inovações. No segmento imobiliário, tornou¬se urgente encontrar novas formas de financiamento. O crédito ¬ para todas as classes de renda ¬ depende dos recursos da poupança e do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Mas com a taxa Selic a 14,25% não sobra espaço para operação de instrumentos de captação financeira. A burocracia é outro entrave para o negócio. De acordo com estudo realizado pela Booz&Co, a pedido da CBIC, o excesso de trâmites para a construção e aquisição da casa própria aumenta em até 12% o valor final do imóvel para o proprietário ¬ o que equivale ao montante de R$ 18 bilhões por ano.

A habitação popular sofre com os cortes orçamentários e atrasos no pagamento do que já foi contratado. Dirigentes do setor reconhecem o esforço do governo para manter as contas em dia. Mas calculam que, até o final de 2015, o rombo no Programa Minha Casa Minha Vida, uma das principais bandeiras do governo Dilma, pode chegar a R$ 1,5 bilhão. "As obras já estão contratadas nas fases 1 e 2 do programa. E não há dinheiro suficiente para cumprir os compromissos", diz Martins.

Enquanto equilibram as contas das obras em andamento, as construtoras esperam o lançamento da fase 3 do programa, para darem andamento a seus planos de negócios. Inês Magalhães, secretária nacional de habitação, garante que o MCMV 3 será anunciado ainda em 2015 e serão três milhões de moradias encomendadas até 2018. "Mas precisamos de uma definição do orçamento da União, para estabelecer o que podemos contratar e executar já em 2016", diz.

A retração na demanda levou as construtoras imobiliárias a rever seus modelos de negócios. O consumo aquecido ofuscava ineficiências. A nova ordem é refinar o planejamento, com pesquisas apuradas de demanda, adoção de novas técnicas construtivas e melhor aproveitamento dos recursos nas edificações, com o objetivo de gerar maior produtividade e menor custo de aquisição e manutenção para o comprador.

A busca pela eficiência também exige esforço para o planejamento e desenvolvimento urbano. "Precisamos de uma nova cultura urbana, com cidades mais humanas e acolhedoras", diz Arthur Motta Parkinson, diretor da Parkinson Desenvolvimento Imobiliário. Essa nova visão exige planejamento estratégico e de longo prazo, sinérgico com os planos de mobilidade urbana e adensamento habitacional em eixos centrais. Para avançar nessa agenda, a CBIC firmou parceria com o Senai para produzir e disseminar cartilhas com as bases de um plano estratégico.

Outro ponto que demanda atenção é o marco regulatório para a indústria de construção. Regras de ocupação de solo ou licenciamento para obras são confusas e trazem risco para o investidor. "São três esferas de poder (municipal, estadual e federal) envolvidas nas análises das obras. E o ministério público ainda pode questionar as decisões tomadas", afirma Marcelo André Bruxel Saes, diretor da Saes Advogados.

No segmento de obras públicas a prioridade é desenvolver novos modelos de contratação, que priorizem o melhor preço, que não é necessariamente o menor custo, como defende a nova diretriz do Banco Mundial. "É preciso buscar o melhor retorno do capital público investido, levando em conta qualidade do bem adquirido, a viabilidade de sua execução no prazo estabelecido, e os benefícios e custos relevantes ao longo do ciclo de vida da obra", diz o diretor da instituição João Veiga Malta. 

 

FONTE: VALOR ECONôMICO