Ediane Tiago
Para ganhar novo fôlego, o segmento imobiliário terá de se reestruturar. A tarefa inclui ações para ganho de produtividade e competitividade nas firmas, entendimento da real demanda por habitação no Brasil e a expansão das fontes de financiamento ¬ dependentes dos recursos da poupança e do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). "Desde 2011, o setor perde ritmo na geração de empregos e na expansão do crédito", afirmou Celso Petrucci, economista-chefe do Sindicato da Habitação (Secovi-SP) durante o 87º Encontro da Construção Civil, que ocorreu na semana passada em Salvador.
No primeiro semestre do ano passado, lembra Petrucci, o número de lançamentos residenciais caiu, em média, 13% nas 15 principais praças do país. O volume de vendas encolheu 31% na comparação com o mesmo período de 2013. Em 2015, a curva também é decrescente e já acumula redução de outros 13% nos lançamentos e de 1% no volume de vendas. O preço do metro quadrado negociado também tem sofrido ajustes.
Segundo ele, a atual crise econômica afeta o desempenho imobiliário, mas não pode ser considerada o único motivo da desaceleração nas vendas. "O mercado não voltará aos patamares de crescimento de 2010", diz. A reversão da curva aconteceria de qualquer forma - talvez menos acentuada - pela acomodação da oferta e da demanda.
A explosão nas vendas de imóveis teve início em 2004, quando o setor foi regulamentado e as condições de financiamento ficaram mais claras. A maior disponibilidade de crédito aumentou a busca por habitação em todas as faixas de renda e comandou a euforia. Aos ventos favoráveis somaram-se os projetos populares, como o Minha Casa Minha Vida. Demanda em alta e dinheiro para financiar projetos camuflaram erros, que agora podem ser fatais para as incorporadoras. A nova fase demandará criatividade para a formatação de produtos adequados às necessidades e ao orçamento das famílias, além de maior cautela no planejamento.
A boa notícia é que a demanda habitacional continua em alta. "O mercado é forte e exige investimentos de longo prazo", diz Petrucci. De acordo com estudo realizado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), até 2024 o Brasil ganhará 16,8 milhões de novas famílias (10 milhões com faixa de renda entre um e três salários mínimos). Em 2013, o país registrou 68,4 milhões de famílias e um déficit habitacional superior a cinco milhões de domicílios. "Só para manter o déficit, será necessário construir 1,1 milhão de unidades habitacionais por ano até 2024", calcula Petrucci.
Para aproveitar o estoque de demanda, o mercado imobiliário precisa encontrar novas formas de financiar as compras em todas as faixas de renda. "No Brasil, o sistema brasileiro de poupança e empréstimo sustenta os contratos há 50 anos", afirma Nelson Antonio de Souza, vice¬presidente de habitação da Caixa Econômica Federal.
Segundo ele, o saldo da poupança brasileira alcançou R$ 645,1 bilhões em agosto deste ano. Mas a crise está afetando a alimentação dessa fonte de recursos. "Até agosto, a captação líquida caiu R$ 48,5 bilhões", confirma o executivo. Pelas regras do direcionamento básico da poupança, 52% dos recursos podem ser utilizados para financiar habitação e outros 13% estão disponíveis para empréstimos ao mercado imobiliário.
Com patrimônio total de R$ 437 bilhões e R$ 135 bilhões disponíveis para operações de crédito, o FGTS também sofre pressão da crise. Com o aumento do desemprego, além do um número maior de saques, o fundo vê as captações caírem. "A nossa taxa média de juros para empréstimo é de 4,9% ao ano, o que torna o fundo a principal fonte de recurso para a habitação", destaca Alfeu Garbin, gerente nacional do ativo do FGTS.
De acordo com Alfeu Garbin, entre 2010 e agosto deste ano, R$ 264 bilhões foram contratados em operações de crédito com recursos do FGTS. O dinheiro financiou 2,7 milhões de unidades habitacionais no país. Só para habitação popular, estão previstos recursos anuais de R$ 46 bilhões entre 2015 e 2018.
O desafio está em ampliar a participação dos bancos privados nos contratos e também na diversificação das fontes. "O problema é que com a Selic no patamar atual (14,25% ao ano) as soluções financeiras não encontram espaço no mercado", admite Hamilton Rodrigues da Silva, diretor de crédito imobiliário do Banco do Brasil. "Temos muito potencial para crescer. O crédito imobiliário movimenta apenas 9,6% do Produto Interno Bruto (PIB). Mas a macroeconomia tem de melhorar", comenta.
As movimentações das letras de crédito imobiliário (LCIs) somam R$ 181,6 bilhões e as com os certificados de recebíveis imobiliários (CRIs) R$ 58,8 bilhões. O volume ainda é tímido. Outro instrumento que ainda não decolou no Brasil são as letras imobiliárias garantidas (LIGs), equivalentes aos títulos de captação de recursos (ou covered bonds) utilizados pelo mercado europeu. "Nossa missão agora é modelar a estrutura financeira e regular novos produtos. Assim estaremos prontos para a retomada da economia", avalia Silva.
Outra questão preocupante são os cortes nos orçamentos da habitação popular. O Tesouro Nacional é quem financia as casas da população de baixa renda e está com problemas para cobrir os contratos. Segundo Ronaldo Cury, vice-presidente de habitação do Sindicato da Construção Civil do Estado de São Paulo (Sinduscon-SP), o uso de recursos do FGTS pode ser uma solução para garantir a moradia para os mais pobres. "O ganho social é enorme com a urbanização de favelas e com a inclusão dessa população em lares com infraestrutura de saneamento", diz.
Ao todo, 1,7 milhão de unidades habitacionais para famílias com renda mensal de até R$ 1,6 mil (faixa 1) estão contratadas. "A meta do governo e do setor é terminar essas casas. Mas não podemos parar o programa. É preciso lançar a fase 3 do Minha Casa Minha Vida, com uma estrutura financeira que garanta os recursos", defende Cury.