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24/05/2024

STJ julgará ação bilionária sobre cobertura de seguro habitacional (Valor Econômico)

Ministro da Fazenda reúne-se com integrantes da Corte para discutir processo que pode custar R$ 16,8 bilhões para a União

Por Beatriz Olivon 

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, voltou a frequentar os corredores do Superior Tribunal de Justiça (STJ), mas desta vez não é por conta de disputas tributárias. O tema da reunião desta semana com os ministros Humberto Martins e Isabel Gallotti está ligado ao setor habitacional: uma ação que deve ser julgada no dia 5 de junho e pode custar R$ 16,8 bilhões para a União. 

A Corte Especial do STJ vai decidir se as seguradoras devem indenizar beneficiários do Sistema Financeiro de Habitação (SFH) por causa de vícios de construção descobertos depois do fim dos financiamentos. Seguradoras privadas também poderão ser afetadas.

No caso da União, o impacto viria do Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS), administrado pela Caixa Econômica Federal (CEF) e que garante as apólices. Hoje existem 68.742 ações judiciais ativas cadastradas pelas seguradoras como de interesse nesse caso, segundo informou a Caixa ao Valor. 

A previsão é que a Advocacia-Geral da União (AGU) e a Fazenda tenham reuniões com outros ministros antes do julgamento. Em audiência na Câmara dos Deputados na quarta-feira, Haddad comentou que tem dedicado “muito tempo” nos tribunais para explicar o impacto econômico das decisões judiciais. “É importante quem decide saber o que vai acontecer com as decisões. Faço parceria com a Simone Tebet (ministra do Planejamento) e Jorge Messias (AGU) para explicar os impactos”, disse. 

Para Flávio Roman, adjunto do advogado-geral da União, o seguro tratado no Tema 1039 é do financiamento habitacional e não destinado a cobrir vícios de construção. Mesmo assim, a AGU aceita que a jurisprudência já tenha consolidado a possibilidade de que o seguro tenha essa cobertura de vícios de construção, mas valendo apenas até um ano depois do término do financiamento habitacional. A ideia de um “seguro vitalício” é combatida pela AGU. 

“Precisamos de um prazo. A pessoa descobre uma rachadura na casa dela 30 anos depois da construção e vai pleitear com o fundo”, afirmou. “Seria uma conta impagável.” O precedente que será criado com o julgamento é amplo e também servirá para seguradoras privadas.

Segundo Cristiane Curto, procuradora Nacional da União de Políticas Públicas da AGU, pelo Sistema Financeiro de Habitação, o contrato de seguro está atrelado ao de financiamento. “O objeto desse contrato de seguro é garantir o adimplemento do financiamento.”

O seguro residencial, explicou, tem, juridicamente, uma outra classificação. “As pessoas vão judicializando e querendo transformar o habitacional em seguro residencial”, disse. De acordo com a procuradora, nas apólices públicas, é necessário ter uma previsão orçamentária, o que se torna impossível se tiverem que ser cobertos todos os vícios, sem um prazo definido. 

“Se for admitido que a cobertura securitária deve abarcar vícios que podem aparecer a qualquer momento, realmente estaria muito fora do espectro do direito público, fora de todas as premissas da Constituição que salvaguardam o orçamento público”, afirmou.

Independentemente da tese que for consolidada haverá impactos no FCVS, segundo explicação do Conselho Curador do Fundo (CCFCVS). “Se for decidido que o prazo de prescrição de um ano começa a contar a partir da liquidação do contrato, ações judiciais cujos financiamentos foram finalizados há mais de um ano serão encerradas, mas se a decisão for que o prazo de prescrição começa a contar a partir do conhecimento do dano, pode haver um aumento significativo de processos.” 

De acordo com o Conselho, cerca de 7,5 milhões de contratos habitacionais foram averbados na apólice pública ao longo dos anos. A depender do entendimento, todos esses contratos poderiam ter uma cláusula implícita que os assegure indenização por danos, mesmo após muitos anos de vigência e da sua extinção do contrato de financiamento.

“É um risco para a política pública da habitação”, disse Glauce Carvalhal, diretora jurídica da Confederação Nacional das Seguradoras (Cnseg). A entidade participa como parte interessada (amicus curiae) na ação porque existem ações residuais com o mesmo pedido para as seguradoras privadas e porque, até 1988, as seguradoras privadas prestavam serviço para o FCVS - o que não significa que suportarão o risco, segundo Carvalhal. 

A Superintendência de Seguros Privados (Susep) também é parte interessada e indicou que não há provisionamento por parte das seguradoras, de acordo com a diretora. “A maior parte das ações são de apólices públicas, de imóveis populares.”

Uma estimativa da Cnseg mostra impacto ainda maior que o estimado pela União. Em 2021 existiam 50 mil ações em tramitação nas esferas estadual e federal. Os valores das condenações variavam entre R$ 40 mil por autor, na Justiça estadual, e R$ 4 mil na federal. Se considerado o prazo de um ano após o término do financiamento, os impactos seriam de R$ 2 bilhões e R$ 212 milhões, respectivamente. Mas se a cobertura for reconhecida para contratos ativos ou não, o impacto chega a R$ 296 bilhões na esfera estadual e R$ 30 bilhões na federal. 

Segundo Vinícius Henrique de Almeida Costa, presidente da Associação Brasileira dos Mutuários da Habitação (ABMH), o pedido de mutuários nessa situação é para estender a responsabilidade da seguradora para depois do fim do financiamento. Costa considera a questão sensível porque o seguro do financiamento habitacional é obrigatório por lei e beneficia o imóvel, mas também o comprador do imóvel. 

“Para os mutuários, o melhor seria ter a responsabilidade, mas juridicamente falando, é complicado”, afirmou. Costa lembrou que, no Direito, o acessório (no caso, o seguro) deve seguir o principal (o financiamento). Então, o fim do financiamento pode encerrar também o seguro.

Procurada, a CEF disse, em nota, que o tema “deve ser analisado de forma individual, tendo em vista que os contratos vinculados às referidas ações judiciais possuem diferentes características”, mas ponderou que, em relação ao FCVS Garantia, são 68.742 ações judiciais ativas cadastradas, para as quais se encontra provisionado o montante de R$ 16,8 bilhões para cumprimento de eventuais obrigações que sejam reconhecidas pelo Poder Judiciário.

FONTE: VALOR ECONôMICO