Por Ana Luiza Tiegh
A parcela de incorporadoras que considera o acesso ao crédito “difícil” quase dobrou em um ano, segundo sondagem do setor da construção, realizada pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre). Em maio de 2024, 22% das empresas consultadas apontavam a dificuldade, parcela que subiu para 43% no mesmo mês deste ano. Para os pesquisadores, não é uma questão de falta de recursos, mas de alocação.
O dado integra relatório sobre acesso ao crédito no setor da construção, que aponta o impacto no segmento da taxa de juros alta e da decisão dos bancos de direcionar o recurso mais “barato” das fontes do crédito imobiliário para compradores das unidades, e não para financiar a construção. De janeiro a abril, segundo a Abecip (Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança), o volume de crédito com recursos da poupança destinado às obras caiu 49%, enquanto aquele destinado aos compradores dos imóveis subiu 20%.
Pela primeira vez, os pesquisadores do FGV Ibre perguntaram se as empresas tentaram obter crédito nos últimos meses e qual seria a finalidade desse recurso. Entre as incorporadoras, 35% tentaram e conseguiram, 19% tentaram, mas não tiveram sucesso, e 46% “nem tentaram” obter o financiamento, que seria usado, primeiramente, para financiar a produção — 60% das incorporadoras e das construtoras de edificações residenciais apontaram a finalidade. Entre as construtoras, 52% “nem tentaram” obter crédito nos últimos meses.
Quando perguntadas sobre o motivo, a taxa de juros elevada foi apontada por 47% das empresas de construção que participaram da pesquisa, o que inclui companhias de obras para infraestrutura. A burocracia aparece como segundo fator mais citado, com 30% das respostas.
O recorte apenas das incorporadoras mostra que 44% não buscaram financiamento por causa dos juros. “Acaba inviabilizando o negócio”, afirma Ana Maria Castelo, coordenadora de projetos da construção do FGV Ibre.
Bancos seguem como maiores financiadores
Embora o mercado de capitais esteja aumentando sua participação nos instrumentos de crédito para o setor, os bancos seguem como os maiores financiadores. Quase 82% das construtoras residenciais têm bancos privados e públicos como origem de financiamento. Para as incorporadoras, os bancos respondem por 59% do crédito. O mercado de capitais foi acessado por apenas 8% das construtoras e 3% das incorporadoras.
“Os bancos ainda são onde eles mais vão buscar crédito, quando buscam”, diz Castelo. A pesquisa não considera o volume emprestado, mas a quantidade de empresas que conseguiu o crédito.
Origem dos recursos
Os recursos tradicionalmente mais usados para financiar a produção habitacional — o dinheiro da caderneta de poupança e das contas do FGTS – seguem liderando a originação do crédito, mas estão perdendo força. De 2019 para 2024, o primeiro recuou de 46% para 34% do total de recursos do ativo imobiliário, enquanto o FGTS caiu de 38% para 33%.
Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs), Letras de Crédito Imobiliário (LCIs) e Letras Imobiliárias Garantidas (LIGs) vêm crescendo. Somados, eram 16% em 2019 e 33% em 2024.
O artigo, escrito por Castelo, Cláudia Magalhães Eloy e Iuri Viana, aponta que o estoque de LCI e de LIG, somados ao da poupança, atinge R$ 1,13 trilhão, enquanto a carteira de crédito habitacional atual é de R$ 551 bilhões, ou 48% desse total. Para os pesquisadores, essa diferença entre funding e a carteira que vai de fato para crédito habitacional “sugere a existência de ineficiências no uso dos recursos captados pelos bancos”.
Não haveria escassez de funding, mas falta de direcionamento ao setor habitacional. “Nem tudo o que foi emitido é direcionado para crédito imobiliário, e poderia ser”, afirma Castelo. “O mercado já tem fontes de financiamento, já representa 20% do PIB.”
Na poupança, os bancos precisam aplicar, no mínimo, 65% dos recursos para o financiamento da habitação. Se isso fosse expandido para LIGs e LCIs, a carteira de crédito habitacional subiria para R$ 839,3 bilhões, aponta a pesquisa — sem contar o FGTS.
O mercado imobiliário defende, há meses, uma melhora na atratividade da LCI. O projeto que almeja taxar os hoje isentos de Imposto de Renda LCI, CRI e LIG em 5% também poderia afetar a atratividade desses investimentos. A conclusão da pesquisa é que, para a saúde do crédito imobiliário, “não precisa nem tornar [esses papéis] mais atrativos”, diz Castelo.