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07/07/2016

Poupador acelera saques e tira R$ 43 bi da caderneta no ano

Até junho, a poupança, descontando-se o IPCA, teve retorno negativo de 0,44%, o que significa, pelo saldo médio, uma perda real de R$ 3 bilhões.

A corretora de imóveis Roseli da Silva é uma pessoa previdente. Com renda variável condicionada às comissões e habituada aos vaivéns do mercado imobiliário, ela costuma ter um colchão de até três anos dos seus gastos fixos, o equivalente a R$ 35 mil, para os tempos de vacas magras. Deixa tudo na poupança. São casos como este que ainda proporcionam à caderneta uma base resiliente, de R$ 638,2 bilhões, apesar de a sangria recente ter abalado a fonte mais estável de captação para o financiamento à habitação no Brasil.

Na primeira metade de 2016, os resgates líquidos na poupança chegaram a R$ 42,6 bilhões. Proporcionalmente àquilo que foi retirado em 2015, R$ 53,6 bilhões, o ritmo acelerou, com a movimentação de janeiro a junho representando 75% do que saiu em todo o ano passado. Mas o estoque bilionário ainda estacionado na caderneta tem remuneração que perde feio para outras formas conservadoras de investimento na renda fixa e também para a inflação. Até junho, a poupança, descontando-se o IPCA, teve retorno negativo de 0,44%, o que significa, pelo saldo médio, uma perda real de R$ 3 bilhões. Embora em termos nominais não haja prejuízo aparente ao capital, há uma flagrante perda de poder de compra para esse contingente de distraídos, donos de mais de 140 milhões de contas.

E não é um mal restrito ao pequeno poupador. Considerando-se o universo de pessoas com mais de R$ 50 mil aplicados na caderneta, há uma soma de cerca de R$ 330 bilhões que em tese teria acesso a opções mais rentáveis de investimentos, segundo dados do censo semestral da poupança, de dezembro. Segundo cálculo do consultor financeiro Marcelo DAgosto, colunista do Valor, comparando-se a uma rentabilidade potencial de 88% do CDI - que esse público em tese dispõe -, é como se esse poupador estivesse abrindo mão de ganhar R$ 4 bilhões ao ano. A conta já considera a alíquota de IR de 20% e um custo de taxa de administração que o aplicador teria de arcar em fundos no varejo.

Com base em dados da provedora Morningstar, o próprio DAgosto mapeia 55 fundos no varejo, referenciados ao DI - ou seja, ultraconservadores, que andam pari passu com a trajetória do juro básico da economia -, distribuídos por Banco do Brasil, Bradesco, Itaú Unibanco e Caixa, que poderiam ser uma alternativa para o aplicador da poupança.

"Há argumentos que podem assustar esse cliente: o fundo não tem FGC [a cobertura de R$ 250 mil por CPF], não tem garantia de rentabilidade e o retorno já foi negativo com a marcação a mercado lá em 2002", diz o especialista. "Mas supondo que a Selic permaneça alta nos próximos 12 meses e que as regras de remuneração da poupança não mudem, vale a pena migrar." Ele ressalva que a taxa de administração cobrada pelo fundo não pode passar de 1,5% para a troca compensar.

Há um perfil de cliente conservador, afeito à simplicidade da poupança, que resiste à mudança e isso independe de renda, diz o superintendente nacional de Gestão de Ativos de Terceiros da Caixa Econômica Federal, Sergio Henrique Oliveira Bini. "Hoje temos fundos com tíquete mínimo acessível. Mas o investidor olha o risco, a liquidez da poupança e, para alguns, essas variáveis prevalecem sobre o retorno."

No primeiro semestre, a Caixa captou em fundos na rede R$ 7,0 bilhões, para um total de R$ 402 bilhões sob gestão. No fim do primeiro trimestre, a base de poupança da instituição federal era de R$ 238,4 bilhões, com recuo de 1,2% em relação a dezembro. Os depósitos a prazo tinham até então crescido 3,1%, a R$ 174,0 bilhões.

O diretor de um banco de varejo que fez aquisições no passado conta que quando consolidou a instituição adquirida identificou um cliente com R$ 125 milhões na caderneta. Diante das inúmeras ofertas para dar mais eficiência àquele capital, acabou ouvindo do poupador que, se o banco não quisesse o seu dinheiro, que ele poderia migrar para a caderneta de outra instituição.

Os bancos vivem o dilema de equilibrar o funding via caderneta para dar vazão à demanda por crédito para financiar a habitação em geral, ou o agronegócio, no caso específico do Banco do Brasil. Por isso, arbitram, por exemplo, as taxas de remuneração dos seus certificados de depósitos bancários (CDB) distribuídos no varejo para que um instrumento de captação não canibalize o outro, cita DAgosto.

No período de pré-custeio de safra, o BB voltou a fazer campanha na rede com a sua poupança premiada, que entra no pacote de relacionamento e pode render ao cliente itens tão diversos como passagens aéreas ou eletrodomésticos. "Na comparação ano contra ano, junho de 2015/2016, a poupança está, nominalmente, praticamente com o mesmo saldo", afirma o diretor de empréstimos e financiamentos do Banco do Brasil, Edmar Casalatina, referindo-se a uma base de cerca de R$ 150 bilhões. O banco agora vai lançar mão de uma alternativa lúdica no internet banking para atrair o poupador: cofrinhos virtuais que podem ser denominados conforme o objetivo do investimento, como a almejada viagem de férias.

No Bradesco, o apelo para engordar a base de caderneta vem sob o mote "você poupa sem perceber" num produto batizado de "Poupa Troco" que transfere centavos da conta corrente para a caderneta toda vez que o cliente faz despesas no cartão de débito, usa o débito automático ou paga boletos no guichê de caixa do banco.

À medida que a Selic passou a ser elevada pelo BC, a partir de dezembro de 2013, o Bradesco vem observado paulatinamente a migração de recursos da poupança para opções como fundos, CDBs, letras financeiras e COE, conta o diretor de investimentos do banco, Marcos Daré. "Mas houve aportes novos na poupança também", diz.

No varejo, o banco tem pelo menos dois fundos de renda fixa conservadores, com títulos públicos ou privados de alta qualidade, que vêm acomodando o investidor tradicional da caderneta, cita Daré: o Bram Ônix, referenciado ao DI, e o Bram Renda Fixa Brilhante, com taxas de administração de 2% e 2,5% ao ano, respectivamente.

Entre dezembro de 2015 e março de 2016, o banco observou uma redução de 3,94% nos saldos de poupança, a R$ 91,8 bilhões, enquanto os depósitos a prazo tiveram queda de 2,3%, para R$ 77,8 bilhões. No fim do semestre, a Bradesco Asset Management (Bram) tinha R$ 427,9 bilhões sob gestão.

FONTE: VALOR ONLINE