O desejo de financiar um imóvel pode encontrar barreiras no meio do caminho. Até mesmo depois da assinatura do contrato e do recebimento das chaves, é preciso se organizar financeiramente para que aquele crédito não se torne um endividamento para a pessoa que contratou. Para isso, em tempos de juros altos, é possível optar por fazer portabilidade do financiamento imobiliário, uma modalidade que consiste em levar a dívida de uma instituição financeira para outra, o que pode ajudar a torná-la mais barata.
Como funciona?
A portabilidade permite a transferência de financiamentos - como o imobiliário - contratados em determinada instituição financeira para outra. É um direito do cidadão que tomou o crédito imobiliário, ou seja, do devedor, de trocar o banco com quem ele detém essa dívida.
A vantagem nisso está na negociação de juros menores do que os contratados inicialmente, o que ajuda a baratear a dívida e dar um respiro ao bolso. Essa economia pode ser percebida tanto no total pago, quanto em parcelas menores e até em um prazo de financiamento mais longo, segundo especialistas ouvidos pelo Valor Investe.
Segundo Henrique Soares, planejador financeiro, para quem contratou o financiamento com juros altos, vale fazer a conta sobre as vantagens da portabilidade, tendo em vista que o custo do financiamento contratado pode ser maior do que o custo que o mercado está praticando atualmente. Mesmo uma diferença pequena na taxa, explica ele, pode gerar uma "baita economia".
"Durante a pandemia, por exemplo, com a Selic a 2%, as taxas estavam muito mais baixas do que agora. Ou seja, quem pegou crédito naquela época provavelmente não vai achar condições melhores agora, mas quem financiou em outros momentos, pode, sim, encontrar opções com taxas mais vantajosas", explica ele.
Além disso, com a Selic alta, que eleva os juros dos financiamentos assinados atualmente, a portabilidade pode ser uma alternativa para quem não quer adiar a compra da casa própria. Na avaliação de Rafael Cerqueira, cofundador da aMORA, startup de crédito imobiliário, embora o custo esteja maior agora, os preços dos imóveis estão mais atrativos - lógica semelhante à do mercado financeiro. Assim, transferir a dívida para outra instituição pode permitir aproveitar os preços atuais e juros menores no futuro.
"Em momento de juros altos, o preço dos ativos tende a ficar depreciado (desvalorizado). Acontece a mesma coisa com os imóveis. Tem mais vendedores do que compradores porque os compradores estão saindo do mercado já que está mais difícil obter financiamento. Isso altera a dinâmica de oferta e demanda, e aí, mesmo que você contraia esse financiamento imobiliário em um preço mais alto hoje, no futuro, com a economia melhorando, o cliente tem a opção de fazer essa portabilidade", explica Cerqueira.
Ele destaca uma vantagem dupla: é possível encontrar melhores condições em outros bancos e, ao mesmo tempo, receber uma contraproposta do banco original que, ao perceber a busca por alternativas, tende a oferecer uma proposta mais atrativa.
Na prática, se a proposta for aprovada, o banco novo quita a dívida no banco atual, e o cliente passa a dever para a instituição que fez a portabilidade. Soares ressalta que o banco original não pode recusar a portabilidade, mas pode fazer uma contraproposta e "às vezes vale escutar".
A conta para saber se a portabilidade compensa deve ir além da taxa de juros: o ponto central é comparar o Custo Efetivo Total (CET), que inclui seguros (como o de invalidez para o cliente e dano dos riscos do imóvel), tarifas e todos os encargos envolvidos.
"Se o comprador tem uma taxa de 10, mas na hora que compõe o seguro, que está relacionado ao risco da idade do cliente, esses 10% podem virar 12%, então tem uma certa miopia e um cuidado que precisa ter o cliente quando ele for fazer essa avaliação", explica Flavio Queijo, diretor de crédito consignado e imobiliário do Banco Inter.
A depender do tipo de modalidade de amortização (se Price ou SAC) escolhida na portabilidade, o cliente também pode cair em uma espécie de cegueira sobre as vantagens do negócio, detalha Queijo, já que, mesmo com a contratação sendo o mesmo valor e prazo, uma pode dar a sensação de que está mais barata que a outra e no fim, a conta saiu mais cara.
Queijo também destaca que levar a dívida de um banco para outro pode melhorar também o próprio relacionamento com o banco - o chamado "score interno" - já que o financiamento imobiliário, por ser uma dívida de médio e longo prazo, ajuda a manter a principalidade da instituição financeira, que é basicamente aquele banco ser o principal (ou preferido) do cliente.
"Hoje vemos nitidamente que um cliente de financiamento imobiliário, até pelo prazo, é um ótimo cliente. É um dos principais produtos que fideliza o cliente a ficar na carteira de uma instituição financeira. Você vê nitidamente que esse cliente começa a movimentar mais e temos trabalhado muito a principalidade do cliente", comenta o diretor de crédito do Inter.
À medida que o cliente vai criando relacionamento com o banco, vai conseguindo acesso a outros produtos, como cartões de crédito, investimentos, entre outros.
Cenário 1 (comprar agora): Um imóvel de R$ 850 mil, com uma entrada de 30% (média exigida pelos bancos atualmente) exigiria um financiamento de R$ 595 mil. Esse montante, financiado com juros de 12% ao ano, resulta em uma parcela de aproximadamente R$ 7.299. Em dois anos, com a queda dos juros para 10% ao ano, o comprador faz a portabilidade e a parcela pode ser reduzida para cerca de R$ 6.397.
Cenário 2 (esperar 2 anos): O mesmo imóvel, com uma variação real de 2,5% ao ano, em linha com a média histórica, valorizaria para R$ 985 mil. Mesmo com a taxa de juros mais baixa (10% ao ano), a parcela do financiamento seria de R$ 7.410, devido ao valor de compra mais alto.
Como solicitar a portabilidade?
Cerqueira explica que o novo cliente precisa começar um relacionamento com o novo banco e, com isso, comprovar que tem capacidade de pagamento. O processo é padronizado e previsto pelo Banco Central e o cliente precisa apresentar:
O contrato do financiamento atual;
Saldo devedor atualizado;
Certidão de matrícula do imóvel;
Documentos pessoais e de renda.
Segundo o Banco do Brasil, o Documento Descritivo de Crédito (DDC), fornecido pela instituição financeira de origem, possui todas as informações necessárias para realizar a portabilidade, como o número do contrato, saldo devedor atualizado, categoria do financiamento e prazo remanescente da dívida.
Alguns bancos, diz Soares, podem pedir documentos adicionais, como comprovante de residência ou imposto de renda.
O que avaliar na hora de solicitar portabilidade do financiamento?
Para avaliar a portabilidade, especialistas orientam analisar as condições oferecidas pelo banco que receberá a portabilidade e os custos envolvidos na operação, como:
A taxa de juros atual com a nova proposta;
O prazo restante do financiamento;
O sistema de amortização utilizado (Price ou SAC);
Pagamento da tarifa de avaliação do imóvel;
Após a contratação, há o custo de registro do contrato no Cartório de Registro de Imóveis;
Tarifa de administração e manutenção do contrato, cobradas nas parcelas do financiamento.
Com essas informações, é possível simular o impacto no valor das parcelas e no custo total da operação. Além disso, não há limite de vezes nem carência para realizar a portabilidade do financiamento imobiliário; no entanto, como há custos envolvidos, é preciso calcular para não sair perdendo.
Também com esses custos é possível avaliar se o tempo que o comprador ainda tem de financiamento compensa a transferência da dívida. "Vamos supor que falte um ou dois anos somente para o seu crédito acabar, vai ficar mais difícil essa conta fazer sentido. Agora, se tem um longo prazo e pretende ficar com aquele crédito por muito tempo, aí começa a fazer mais sentido", diz Cerqueira.
"O lado positivo é que não há cobrança de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), e a nova taxa não pode ser maior que a anterior, o que protege o consumidor. Ainda assim, mesmo com alguns custos envolvidos, a economia no longo prazo pode compensar, dependendo do caso", diz Soares.
Além disso, um ponto de atenção, segundo o planejador, é que o cliente não é obrigado a aceitar condições novas nem contratar seguros ou outros produtos para manter a taxa, o que configura venda casada, algo ilegal.