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15/12/2016

Pacote do governo vai prever aumento na remuneração de cotistas do FGTS

Em outra frente, o Executivo pretende usar os recursos do Fundo para financiar habitação para a classe média, ampliando o programa Minha Casa Minha Vida.

Pressionado pela crise política e pelo mercado a apresentar medidas de estímulo à economia, o governo decidiu recorrer ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para tentar criar uma agenda positiva. Segundo integrantes da área econômica, serão adotadas três ações de peso envolvendo o FGTS: aumento da remuneração dos cotistas; permissão para que os trabalhadores saquem até R$ 1.500 de suas contas para pagar dívidas; e a eliminação gradual da multa de 10% que as empresas são obrigadas a recolher em caso de demissão sem justa causa. A expectativa é que as medidas sejam anunciadas ainda hoje, após uma reunião entre o presidente Michel Temer e os ministros da Fazenda, Henrique Meirelles, e do Planejamento, Dyogo Oliveira.

Em resposta às críticas de que o dinheiro dos cotistas rende pouco (TR mais 3% ao ano), será editada uma medida provisória (MP), a fim de permitir a distribuição de parte do lucro líquido do FGTS com os donos das contas vinculadas, começando com 20% em 2017 e subindo para 30%, 40% e 50% nos anos seguintes. Além disso, deverá ser autorizado o saque do FGTS — hoje restrito a situações especiais — no valor de R$ 1.500 para pagamento de dívidas.

Para aliviar o encargo dos empregadores, a multa adicional de 10% das demissões sem justa causa seria gradualmente eliminada, com redução de 1 ponto percentual a cada ano. A multa rende ao FGTS entre R$ 3 bilhões e R$ 4 bilhões anualmente. Em outra frente, o Executivo pretende usar os recursos do Fundo para financiar habitação para a classe média, ampliando o programa Minha Casa Minha Vida.

As medidas devem ser anunciadas em dois blocos. Primeiro devem sair as do FGTS e depois, provavelmente na semana que vem, aquelas que envolvem questões trabalhistas.

De acordo com técnicos do governo, a divisão do lucro líquido do FGTS com os cotistas será feita em janeiro de 2018, para quem tiver recursos na conta até 31 de dezembro de 2017. O crédito será proporcional ao saldo existente na época. Neste ano, a previsão é que o Fundo registre um lucro de R$ 15 bilhões.

A destinação de parte dos lucros tem o aval da Caixa Econômica Federal e seria uma forma de compensar a baixa remuneração das contas vinculadas ao FGTS — que têm perdido para a inflação nos últimos anos. A medida tem também o apoio dos representantes das centrais sindicais no Conselho Curador do Fundo e do setor da construção civil, na expectativa de efeitos positivos de uma elevação no rendimento dos trabalhadores para os empréstimos habitacionais. O Fundo é a principal fonte de financiamento da casa própria na baixa renda.

Já a permissão para que os cotistas possam sacar os recursos para pagar dívidas enfrenta resistências de todos os lados. Segundo o consultor da Comissão de Orçamento da Câmara dos Deputados, Leonardo Rolim, o valor do saque poderia ser insuficiente para colocar as contas em dia e ainda provocar uma descapitalização do Fundo. A previsão é sejam retirados do FGTS R$ 30 bilhões.

— Essa medida é equivocada. Vai descapitalizar o FGTS e só servirá para impulsionar o consumo. O país precisa de medidas estruturantes, investimentos em infraestrutura para gerar empregos — afirmou Rolim.

Segundo ele, o momento não é adequado para tal iniciativa, devido ao aumento do desemprego, o que elevou os saques e fez despencar as receitas do Fundo neste ano. Entre janeiro e outubro, a arrecadação líquida despencou 30,87% — o que representou menos R$ 3,776 bilhões, na comparação com igual período de 2015.

O presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), José Carlos Martins, alertou que o orçamento plurianual do FGTS para habitação, saneamento e infraestrutura pode ser prejudicado. O Fundo prevê investir nessas áreas R$ 330,9 bilhões até 2020. O valor, aprovado pelo Conselho Curador, destacou, não considera saques excepcionais.

— O orçamento futuro do FGTS pode ficar comprometido. R$ 30 bilhões não é qualquer troco — afirmou.

Saque para pagar dívidas provoca críticas - Martins lembrou que o governo petista autorizou o uso dos recursos do FGTS como garantia em crédito consignado, justamente para ajudar os trabalhadores a pagar suas dívidas. No entanto, como os juros nessas operações foram limitados a 3,5% ao mês e os bancos só podem pôr a mão no dinheiro no caso de demissões, não há interesse no setor financeiro.

Para o presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (SindusCon-SP), José Romeu Ferraz Neto, a medida, se for implementada no âmbito do pacote de estímulos à economia, prejudicará o próprio trabalhador, que terá diminuída sua poupança em caso de demissão sem justa causa ou aposentadoria.

Segundo ele, também haverá prejuízo para o financiamento de habitação, saneamento e infraestrutura urbana, já que o FGTS é uma das últimas fontes disponíveis para esses fins.

— Os recursos do FGTS podem ajudar a criar empregos financiando a construção de moradias e a expansão da infraestrutura. Não faz sentido transferir esse dinheiro aos bancos — afirmou Ferraz Neto, observando que a medida prejudicará, ainda, a retomada dos financiamentos do Minha Casa Minha Vida voltados às famílias de menor renda.

‘Proposta de Analista de Crediário'- Na opinião de Abelardo Campoy Diaz, representante da Confederação Nacional do Comércio (CNC) no Conselho Curador do FGTS, a permissão para o saque em caso de dívidas abre um precedente perigoso. Ele lembra que há centenas de projetos no Congresso para autorizar a retirada dos recursos do Fundo, para as mais variadas finalidades.

— A lei do FGTS limitou as possibilidades de saque justamente para preservar o caráter previdenciário do Fundo, de amparar o trabalhador quando ele perde o emprego. Uma autorização dessa natureza é o mesmo que concordar com todos os projetos do Congresso — disse Campoy.

Para o representante da CUT no Conselho, Claudio da Silva Gomes, a medida prejudica o trabalhador e o próprio governo. Ele lembrou que o FGTS é o maior investidor no setor de infraestrutura, cuja gestão cabe ao Executivo.

— (Essa proposta) Parece ter sido gestada por um analista de crediário e não por um gestor público — criticou.

Já a Força Sindical concorda com a medida. O governo, porém tem maioria no Conselho Curador, bem como o voto de Minerva em caso de empate.

O consultor econômico da Associação Nacional das Instituições de Crédito (Acrefi), Nicola Tingas, também considera positiva a iniciativa do governo de incentivar o saneamento das dívidas de pessoas físicas e empresas. Ele ressalta que o orçamento das famílias foi comprometido pelo desemprego e pela inflação alta:

— O FGTS pode ser uma alternativa para ajudar a quem está endividado. Mas avalio que isso seja feito de uma forma pela qual o trabalhador não seja prejudicado se for demitido. O ideal seria usar apenas parte do FGTS. 

FONTE: O GLOBO