O crédito habitacional tem sido pauta constante entre construtoras e incorporadoras brasileiras. Uma sondagem realizada pelo FGV IBRE com 638 empresas da construção civil em abril de 2025 revelou que, embora o ciclo de vendas ainda esteja aquecido, o cenário de financiamento começa a mudar — e preocupa o setor.
Entre os destaques, a pesquisa mostrou que 37,6% das empresas conseguiram obter crédito nos últimos 12 meses. Por outro lado, 9% tentaram, mas não conseguiram. O dado mais expressivo, no entanto, é que mais da metade (53,4%) sequer buscou financiamento. No segmento residencial, 40% das empresas conseguiram crédito, e apenas 7,5% tentaram sem sucesso.
O financiamento à produção é prioridade para as empresas do setor habitacional. Cerca de 60% das construtoras e incorporadoras que buscaram crédito destinaram os recursos à produção das obras. Já na média do setor, o capital de giro foi o principal destino (47,7%), seguido por investimento em expansão (26,9%).
Juros altos e burocracia como entraves A taxa de juros elevada foi apontada como a principal dificuldade para acessar crédito, segundo 46,8% das empresas. A burocracia bancária aparece em segundo lugar, com 29,6%. Entre as construtoras residenciais e incorporadoras, essa percepção é ainda mais acentuada — 37,1% e 47,5%, respectivamente.
O levantamento também investigou as origens do financiamento. Os recursos próprios foram mencionados por 48,5% das empresas, número que sobe para 73,2% no caso das incorporadoras. Já bancos públicos e privados seguem como os principais agentes financiadores: 18,5% e 36,9% das assinalações, respectivamente. No setor residencial, esse percentual sobe para 81,6%, com destaque para os bancos públicos (40,4%).
Apesar do protagonismo crescente do mercado de capitais, como as securitizações (CRI), sua participação direta no crédito habitacional ainda é considerada limitada. O financiamento à produção depende, majoritariamente, do sistema bancário tradicional e, em especial, do FGTS via Minha Casa Minha Vida (MCMV).
Crédito à produção em queda Segundo dados da ABECIP, entre janeiro e abril de 2025, foram financiadas 145 mil unidades habitacionais com recursos da poupança (SBPE), totalizando R$ 51 bilhões. Desse valor, R$ 45,3 bilhões foram destinados à aquisição de imóveis e apenas R$ 5,7 bilhões à produção — queda de 49% nessa última frente. Enquanto isso, o crédito ao comprador pessoa física cresceu 20%.
Esse descompasso indica que a retração no crédito com recursos do SBPE tem se concentrado nas linhas voltadas às empresas. Como consequência, muitas incorporadoras têm buscado outras fontes, como CRI e FIIs, apesar do custo mais elevado.
Sustentabilidade da poupança é tema em debate A queda na atratividade da poupança frente a outras aplicações financeiras e os sucessivos saques nos últimos anos acendem um alerta. Embora o estoque da poupança SBPE tenha somado R$ 756,9 bilhões em maio de 2025, houve uma redução real de 26% desde o pico em 2020.
A regulação vigente, que limita a rentabilidade da poupança, também contribui para as retiradas, principalmente em cenários de juros altos. Com isso, surgem dúvidas sobre a sustentabilidade da poupança como principal fonte do crédito habitacional de médio prazo.
Outras fontes ganham espaço, mas ainda são insuficientes Instrumentos como CRI, LCI e LIG vêm crescendo: os estoques em dezembro de 2024 foram de R$ 226 bi, R$ 401 bi e R$ 116 bi, respectivamente. Ainda assim, o volume total de funding, que somou R$ 2,3 trilhões (20,3% do PIB), não se reflete integralmente nas carteiras de crédito imobiliário, que equivalem a menos de 11% do PIB.
Há ineficiência na alocação de recursos. Dados do Banco Central apontam que, dos R$ 1,13 trilhão captados via poupança, LCI e LIG, apenas R$ 551 bilhões foram convertidos em crédito habitacional — 48,5% do total. Se aplicado o mínimo regulatório de 65%, esse volume poderia chegar a R$ 839,3 bilhões.
Custo do crédito afasta famílias de menor renda Outro ponto sensível é o custo do crédito. A combinação de funding de mercado e poupança tem elevado as taxas para pessoa física: a média saltou de 11,5% a.a. em dezembro de 2024 para 13% em março de 2025. Em casos puramente baseados em mercado, como o home equity, as taxas giram em torno de 22% a.a., restringindo o acesso às famílias de alta renda.
Conclusão: previsibilidade e acesso ao crédito são cruciais O setor da construção civil precisa de crédito previsível e acessível para manter sua capacidade de produção e atender à demanda. A poupança ainda é uma fonte importante, especialmente para a classe média, mas sua sustentabilidade e eficiência precisam ser revistas. A diversificação das fontes de funding é necessária, mas ela deve vir acompanhada de medidas que garantam a viabilidade e o acesso ao crédito pelas famílias brasileiras.