Fernando Torres
Não vai ser em 2016. Mas não passará de 2017 uma profunda reforma da tributação dos investimentos em renda fixa que terá como objetivos, entre outros, o de acabar com aberração da isenção fiscal dada ao investimento em Letras de Crédito Imobiliário e Agrícola (LCI e LCA), o de declarar guerra contra o CDI como indexador e a tentativa de desarmar a bomba trilionária das operações compromissadas que encurtam perigosamente a dívida pública.
O plano do governo ficou claro para o público com a emenda incluída nos últimos dias do ano no parecer do relator Romero Jucá (PMDB-RR) sobre a Medida Provisória 694, que inicialmente tratava de Juros sobre Capital Próprio.
Como a prioridade número 1 do Planalto era ter meta fiscal e orçamento aprovados, a MP não foi votada. Mas para um governo que precisa como nunca de novas receitas para cumprir seu ajuste fiscal no ano que se inicia e nos futuros, nada como contar com medidas que elevam tributos especialmente para o andar de cima e, mais do que isso, parecem fazer sentido.
As mudanças propostas são inúmeras - o que inclusive desaconselhava que as alterações passassem numa sessão esvaziada, sem debate, com as cortinas do Congresso quase se fechando em 2015. E mais, para valer já em 2016 (seguindo o princípio de que alterações no Imposto de Renda aprovadas em um ano só valem no exercício seguinte). Saindo em 2016, portanto, vale em 2017.
O principal objetivo da emenda é o de usar a tributação para forçar o alongamento de prazo e uma mudança de composição da dívida pública.
Ao propor isso, o então ministro da Fazenda Joaquim Levy - agora já fora do governo - quis reeditar uma medida de sucesso patrocinada por ele mesmo em dezembro de 2004, quando era secretário do Tesouro Nacional.
Foi criado naquela época o sistema escalonado existente hoje, com alíquotas de IR que começam em 22,5% para aplicações de até seis meses, ficam em 20% para prazos de seis a 12 meses, caem para 17,5% em intervalos de um a dois anos e recuam ao piso de 15% para investimentos de dois anos ou mais. Antes disso, o IR era linear de 20% para qualquer instrumento de renda fixa.
No modelo proposto agora, em linhas gerais, as alíquotas são mantidas, mas os prazos alongados. O tributo fica em 22,5% para aplicações de até um ano, é reduzido a 20% entre 12 e 24 meses, cai para 17,5% em prazos de 24 a 36 meses e vai ao mínimo de 15% para investimentos mais longos.
O texto, contudo, traz uma inovação quando cria uma escala diferente, que começa em 25% e termina em 17,5%, para instrumentos indexados ao CDI e à Selic, seja por meio de CDBs ou outros títulos privados ou via Letras Financeiras do Tesouro (LFTs) e compromissadas.
Ao tributar mais instrumentos pós-fixados atrelados ao CDI e à Selic, ou seja, papéis sem risco de mercado (cujo preço não oscila para baixo quando a curva de juros sobe), o governo penaliza o agente que hoje não sofre nenhuma sanção quanto opta por não comprar os títulos da dívida pública do governo.
A lógica da emenda é: quem correr mais risco terá tributação menor.
O texto prevê ainda mecanismos para enquadrar na alíquota de IR mais alta os fundos de investimento que possuam muitos títulos indexados ao CDI e/ou Selic na carteira, independentemente do prazo médio do portfólio.
O fato é que quando o Tesouro divulga as estatísticas sobre a dívida pública, consta lá que algo entre 20% e 25% vencem em até um ano. Em outubro, eram R$ 541 bilhões, para uma dívida em mercado de R$ 2,5 trilhões, o que dá 21,6%.
Porém, sabe-se que o governo tem tido dificuldade para vender títulos de longo prazo com taxas de juros aceitáveis (para ele, vendedor). Na ausência de compradores no mercado, os papéis são repassados ao Banco Central, que enxuga a liquidez - do dinheiro que não financiou a dívida diretamente - usando as operações compromissadas, de prazo sempre muito curto. Em outubro, o estoque dessas transações totalizava R$ 1,03 trilhão, algo completamente fora do padrão internacional.
Quando se inclui na conta os títulos públicos que estão no mercado por meio de compromissadas, nota-se que a dívida do governo que vence em até um ano era de R$ 1,57 trilhão, de um total de R$ 3,53 trilhões em custódia. Assim, chega-se uma fatia de 44,4%, índice muito mais preocupante que os 21,6% oficiais.
Voltando à MP 694, outro item que será atacado são as sempre lembradas, mas na hora H esquecidas, LCI e LCA. Em vez de simplesmente acabar com a isenção, o plano é repetir para a LCI o tributo que cai conforme o prazo, mas com alíquotas menores que as aplicadas aos outros instrumentos. Para as LCA, que têm como lastro para emissão empréstimos mais curtos, vigoraria alíquota de 10%.
A isenção total de IR dada às LCI e LCA é tão despropositada que é difícil de entender por que Levy, que assumiu falando das distorções desses instrumentos, não tenha proposto a mudança antes. A regra geral é usar o tributo menor para premiar quem toma mais risco. Mas com LCI e LCA a lógica é invertida.
Uma boa consequência de a MP não ter sido aprovada no apagar das luzes de 2015 é que haverá tempo para se encontrar distorções criadas por ela.
Ao propor acabar com o IR come-cotas que se cobra semestralmente dos fundos de investimento - ainda que paulatinamente, ao longo de oito anos -, o apelo do VGBL, que não tem a incidência desse tributo, passará a ser bastante reduzido. Restará como diferencial apenas a alíquota final de 10% sobre o resgate, mas apenas para aplicações de dez anos, sendo que se houver um imprevisto e o cliente for obrigado a fazer um resgate em até dois anos, ele fica sujeito a IR de 35%.
Essa interface com os produtos de previdência chama a atenção para outra distorção. A formação de poupança para a aposentadoria só é favorecida via produtos formais de previdência - com frequência bastante caros. Por que aplicar em um VGBL por dez anos, pagando taxa de carregamento e administração, justificam cobrar apenas 10% de IR sobre o rendimento, enquanto o investidor que compra NTN-B Principal 2035 e carrega o papel até o vencimento estará sujeito a uma alíquota de 15%?