A mensagem passada pelo Fed (Federal Reserve, banco central dos EUA) e por dois outros órgãos do governo americano em 18 dezembro pareceu bastante inócua. Ela "lembrou" as instituições financeiras do "balizamento regulamentar existente sobre as práticas prudenciais de gestão de riscos envolvendo empréstimos ao mercado de imóveis comerciais".
Não nos deixemos enganar, porém. A declaração conjunta do Fed, da Federal Deposit Insurance Corp e do Birô de Administração e Orçamento disparou uma importante advertência aos bancos dos EUA, indicando que as agências fiscalizadoras federais estão em alerta elevado no sentido de detectar padrões de concessão de empréstimos pouco rigorosos e concentrações preocupantes de financiamentos estimulados por um mercado imobiliário em aquecimento em muitas cidades, caso de Boston, Dallas e Seattle.
Se revelar-se eficaz, essa tática poderá também criar uma margem de liberdade adicional para aqueles membros da autoridade monetária americana inclinados a prosseguir gradualmente com o aumento adicional da taxa de juros básica do país, na esteira da primeira elevação em quase uma década da taxa, em 16 de dezembro. Ao conter bolhas potenciais, uma imposição bem sucedida da regulamentação poderá permitir que as autoridades não precisem aumentar os juros rapidamente e que a economia ganhe impulso suficiente para elevar a inflação rumo à sua meta de 2%.
"Eles estão errando no lado de estímulo, e por isso há sempre um risco para a estabilidade financeira", disse Angel Ubide, membro sênior do Instituto Peterson de Economia Internacional, em Washington. Nesse caso, disse ele, faz sentido equilibrar uma política monetária moderada com medidas regulatórias agressivas.
Assombrado pelo colapso do mercado hipotecário "subprime", mas ainda focado em manter seu pé no acelerador da política monetária porque a inflação está abaixo de sua meta há mais de três anos, as autoridades do Fed estão aplicando pressões regulatórias antecipadamente, com maior precisão e de forma mais agressiva, numa tentativa de liquidar bolhas nascentes de ativos.
"O Fed está, claramente, mais sensível do que no passado", disse Mark Mason, diretor executivo do HomeStreet Bank, um banco focado na comunidade e baseado em Seattle. "Eles foram reativos, na vez anterior, e o que precisam é agir preventivamente."
O objetivo é eliminar ameaças à estabilidade financeira antes que elas perturbem a economia mundial sem necessidade de recorrer à ferramenta imprecisa da rápida elevação dos juros. Um aperto abrupto dos juros poderá criar riscos de sufocar a fraca recuperação americana e derrubar a economia de volta à recessão.
Há apenas um problema na tentativa de eliminar a ameaça mediante regulamentação: não existe nenhuma prova real de que isso vá funcionar.
Num exercício realizado em junho, do qual participaram técnicos governamentais de Washington e unidades regionais do Fed, foram apresentados uma série de cenários hipotéticos apontando para uma crise potencial. Os técnicos, então, foram questionados como poderiam reagir melhor usando as denominadas ferramentas macroprudenciais. Em contraposição aos regulamentos específicos de cada empresa, as medidas macroprudenciais previnem excessos que se manifestam em todo o sistema financeiro.
Os participantes demonstraram uma preferência por atacar áreas problemáticas primeiramente com orientação supervisora e "persuasão moral", algo que em muito lembra a atitude do Fed, na semana passada, em relação ao setor imobiliário para fins comerciais. Além disso, eles enumeraram uma série de medidas suplementares que a agências fiscalizadoras poderiam mobilizar, entre elas, maiores exigências de capital e de liquidez.
Antes da crise, sob o ex-presidente Alan Greenspan, o Fed praticou uma abordagem mais distanciada, de não interferência, em termos de regulamentação. Greenspan acreditava que os bancos limitariam o risco por autointeresse. Em 2008, ele admitiu-se "chocado" diante do fracasso dessa abordagem depois que o mercado de financiamento habitacional "subprime" entrou em colapso, provocando a pior recessão desde a Grande Depressão.
Greenspan também não se revelou fã de estourar bolhas mediante aumentos dos juros, preferindo, em vez disso, deixá-las estourar por si próprias e atacar os danos resultantes cortando os juros, uma estratégia que funcionou bem no caso do boom no setor de tecnologia no início dos anos 2000, mas que resultou desastrosa alguns anos mais tarde. No Fed atual, embora haja um esforço para evitar complacência, também não há pressa em usar os juros para atacar uma bolha potencial individual.
"Um grande número de membros do Fed têm consciência de que os juros são apenas uma das ferramentas em seu arsenal, e muitas vezes um instrumento mais eficaz seria de tipo macroprudencial", disse Gennadiy Goldberg, estrategista para os EUA na TD Securities, em Nova York.
Os técnicos divergem, porém, sobre até que ponto o banco central deveria arriscar correr o risco de tolerar uma instabilidade mais disseminada mantendo os juros muito baixos. Após elevá-los em dezembro e sair do patamar zero pela primeira vez em sete anos, a maioria dos membros da comissão está firme na intenção de prosseguir muito lentamente nas elevações adicionais dos juros.
Para os "pacifistas" em temos de política monetária - os que querem manter as taxas baixas visando pressionar o desemprego para níveis ainda mais baixos e estimular a inflação de volta à meta do Fed - isso torna o sucesso dos esforços regulatórios preventivos ainda mais importantes. Se eles conseguirem manter os bolsões de risco sob controle, como no setor imobiliário para fins comerciais, isso lhes dará um argumento mais forte em favor de uma abordagem gradual para o aperto monetário.
"O incentivo existe mesmo se eles não quisessem aquecer a economia", disse Lewis Alexander, economista-chefe da Nomura Securities International Inc, em Nova York. "Porém, para manter isso à medida que avançarmos, é muito proveitoso ter confiança em que a reação em termos de regulamentação e fiscalização é robusta."
Também é possível que o Fed esteja se posicionando para um insucesso. Bolhas são notoriamente difíceis de identificar até explodam, e medidas destinadas a esvaziá-las são frequentemente ineficazes ou chegam tarde demais.