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29/06/2020

Efeito home office: espaço começa a valer mais que localização no mercado imobiliário

Testado na pandemia, o trabalho remoto estimula profissionais a buscarem mais conforto e tranquilidade fora dos grandes centros sem se aposentar

A dinâmica das cidades e das casas vai mudar com a pandemia do novo coronavírus, e os primeiros sinais começam a surgir nas metrópoles em quarentena. Segundo o IBGE, a tecnologia permitiu que, com o distanciamento social, 8,9 milhões de pessoas no país permanecessem trabalhando em casa. Há um ano, havia 1,2 milhão nessa condição.

O desejo de morar perto do trabalho começa a dar lugar ao sonho de viver numa casa maior, com quintal, que pode até ser em outra cidade, sem precisar dar adeus ao emprego.

Isso já se reflete no mercado imobiliário: a venda de casas em condomínios quadruplicou em alguns empreendimentos, e os preços deste tipo de imóveis subiram 20% desde o início da Covid-19 no Brasil. Lá fora, o movimento é parecido, e há quem tema êxodo dos grandes centros como Nova York.

— Agora tenho um escritório que nada deve ao da empresa, com espaço e privacidade— diz o executivo Rogério Pereira da Silva ao mostrar a casa para onde se mudou com a mulher e o filho, em Alphaville, na Grande São Paulo.

Desigualdade crescente

Essa tendência ganha força e muda conceitos de bairros nobres. Embora especialistas e empresários do setor imobiliário afirmem que não será o esvaziamento completo das cidades, as mudanças atuais afetam os negócios.

— O espaço está sendo mais considerado que a localização. Bairros ou cidades que não eram tão valorizados estão ganhando força — diz Angélica Quintela, gerente de marketing do Imovelweb, site de negócios imobiliários.

O corretor Antonio Carlos Lima, da Região Imóveis, em Itaipava, vendeu cinco casas no último mês, todas a partir de R$ 1,5 milhão. A sua média de vendas era de uma por mês, antes da quarentena começar em meados de março:

— Acabei de criar um perfil em rede social e já tenho 11 mil seguidores. Há uma procura enorme.

A advogada Rosângela Delgado começa a fazer obras para tornar a sua então casa de campo mais adaptada para o  trabalho. Instalará painéis de energia solar: o aquecimento da piscina é elétrico e a conta de luz subiu dez vezes com a família de quatro pessoas morando no local que só era frequentado nos fins de semana:

— Queremos passar metade do mês em Itaipava e metade no Rio. Vimos que home office é possível. A casa, toda aberta, vai ganhar tratamento acústico para manter o silêncio no trabalho.

Diego Dias, presidente da Ekko, incorporadora de casas na região da Granja Viana, na Grande São Paulo, antecipou para o fim deste ano um empreendimento previsto para o fim de 2021.

Escritórios e banheiras, as novas tendências

No desenho dos imóveis pós-pandemia, o arquiteto Ronald Goulart vê três tendências: reformas para incluir escritório, para tornar a casa mais agradável (como a instalação de banheiras) e para ampliar a cozinha. Já no mercado corporativo, o movimento é de diminuição do tamanho de escritórios das empresas.

— Estou reformando um conjunto de escritórios que funciona em quatro andares e vai passar para três com o avanço do home office.

Com as pessoas mais tempo em casa, a banheira passou a ser um item de lazer, “além de servir para lavar as compras” na pandemia, brinca Goulart. A cuba da pia também deve aumentar, para caber mais louça:

— As pessoas descobriram o que não funciona nas casas. O quarto de empregada sumiu de vez, virou escritório.

O avanço repentino do trabalho remoto fez a incorporadora Bait mudar um projeto para Copacabana, na Zona Sul do Rio. Vai incluir escritório e melhorar o fluxo de sinal de internet, além de adotar reconhecimento facial na entrada da garagem e central de entregas, para evitar ao máximo o contato com estranhos:

— Pandemias sempre provocaram transformações urbanísticas grandes. Acho que isso vai acontecer dessa vez. Com as pessoas ficando mais em casa, revimos os projetos para fazer uma casa mais compartimentada, mais organizada, que permita certa privacidade para trabalhar, com espaço para home office, ou aumentamos o quarto para caber uma escrivaninha —conta Henrique Blecher, CEO da Bait, que comprou o último terreno livre da Avenida Atlântica, de frente para o mar.

João Batista Andrade, da Imobiliária JB Andrade, que atua na Barra e Recreio, na Zona Oeste, ainda não viu esse movimento de mudança para áreas mais distantes do centro por causa do trabalho remoto, mas nota aumento da procura. Ele relaciona isso aos preços no menor patamar histórico, juros em baixa e incertezas no mercado financeiro.

—Fato curioso é que, nesses 90 dias, a cobertura, que é o imóvel de mais difícil venda, está vendendo acima da média. Acredito que alguns negócios foram por causa da pandemia. As pessoas querem ter um espaço aberto.

Sonho de ‘casa no campo’ vira real com ‘home office’

O trabalho remoto permitiu que Alex Pimenta, empresário de 39 anos, conseguisse realizar um sonho: comprar um terreno em um condomínio de chácaras, para onde planeja se mudar em breve com a mulher e os filhos, a 30 minutos de carro de Goiânia, onde mora:

— A quarentena me fez sair do automático. Aluguei uma chácara, testei, e vi que é possível morar lá. Não preciso esperar as crianças crescerem ou me aposentar.

A casa fica pronta em 2021, e ele já procura nos arredores escola para os filhos Samuel, 8 anos, e Isis, 3. Se antes já queria uma casa grande, com o teste firmou a convicção de que espaço é fundamental.

— Minha filha adorou ver galinhas, animais. Quero ter um galinheiro, que não estava nos meus planos.

José Roberto Nunes, presidente da Planalto Invest, vendeu 190 lotes desse condomínio de chácaras perto de Goiânia durante a pandemia, média de 63 negócios por mês. Antes, vendia 15 . O valor do lote, que em janeiro era de R$ 140 mil, chegou a R$ 170 mil.

— Estamos vendo terrenos próximos a São Paulo, Belo Horizonte, Cuiabá e Brasília — diz ele, que investiu R$ 100 milhões no empreendimento.

A tecnologia é um fator essencial na decisão de mudar para o interior. Cidades médias e pequenas já têm infraestrutura para o trabalho via internet. Rodrigo Mello, dono da imobiliária Morabilidade, na Região Serrana do Rio, diz que a procura aumentou 300% na quarentena, principalmente por contratos de aluguel mais longos, como um teste para futura moradia:

— Um obstáculo para quem tem filho é a oferta de escolas e hospitais. Empresas de educação devem ficar atentas a esse possível novo morador com poder aquisitivo alto.

No interior de São Paulo, a infraestrutrura e os serviços de Itupeva convenceram o empresário Frederico Ribeiro a comprar um lote no condomínio Praia da Grama, que tem atraído quem pode pagar R$ 2 milhões por um lote com praia artificial, campo de golfe, floresta e pomar, a 45 minutos de carro da capital:

— O condomínio é perto de uma escola excelente.

Oscar Segall, sócio da KSM, empreendedora do projeto, diz que a procura cresceu com a pandemia:

— Antes, cerca de 10% compravam para primeira moradia. Hoje são 30%.

FONTE: O GLOBO