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24/11/2025

Do luxo ao popular, ‘condomínio-bairro’ vira tendência em São Paulo – O Globo

Empreendimentos ocupam grandes áreas com prédios de uso comercial e residencial que formam minicidades na metrópole

Entre os vários residenciais em construção em Pirituba, na Zona Norte de São Paulo, um deles chama especial atenção pelo tamanho: o Cidade Sete Sóis, empreendimento da MRV que ocupa um terreno de quase 1,7 milhão de metros quadrados, maior que o Parque Ibirapuera. Na outra ponta da cidade, o Parque Global, às margens da Marginal Pinheiros, conta com uma área de 218 mil metros quadrados para torres de apartamentos de luxo e futuros empreendimentos comerciais, como um shopping e até um hospital.

Em comum, esses empreendimentos têm ruas de livre circulação, parques e áreas de lazer, centros comerciais. É uma mistura de moradia com comércio e serviços que troca o conceito de condomínios residenciais fechados pelo de “bairros planejados”, mas com a segurança privada que atrai famílias. Esse tipo de megacondomínio vem se reproduzindo em diferentes áreas da Região Metropolitana de São Paulo e mira tanto no público de alta renda quanto nas classes mais populares.

A tendência tem, naturalmente, vantagens financeiras por trás. Para o mercado imobiliário, o modelo permite uma produção constante de edificações, o que acaba barateando os custos das obras. Críticos, afirmam, no entanto, que esse tipo de empreendimento produz bairros pouco diversos e desconectados da cidade, numa espécie de urbanização artificial.

Esse tipo de projeto surge muitas vezes como consequência de um feito cada vez mais difícil para as empresas do ramo: a aquisição de grandes terrenos, escassos na capital paulista. Foi o caso do Reserva Raposo, na Zona Oeste, quase na divisa com Osasco. A RZK Empreendimentos adquiriu a área de 450 mil metros quadrados em 2013.

No ano seguinte, após a aprovação do novo Plano Diretor da cidade, começou o processo de licenciamento ambiental e urbanístico, que é a parte mais complexa desse tipo de construção, segundo os incorporadores ouvidos pelo GLOBO.

As leis municipais fixam que, em empreendimentos com área superior a 20 mil metros quadrados, é obrigatória a destinação de uma área pública. Quando a área é de 40 mil metros ou mais, torna-se obrigatório também o parcelamento do terreno, de forma a criar um loteamento.

No Reserva Raposo, tudo é superlativo. Hoje, são 15 condomínios já entregues, de duas torres cada, e mais 20 em construção, todos voltados à habitação de interesse social (HIS), para famílias cujo salário mensal não ultrapassa seis salários mínimos (R$ 9.108). Quando tudo for concluído, por volta de 2033, a expectativa é que de 80 a 90 mil pessoas vivam ali - uma população maior que a da grande maioria das cidades brasileiras.

Nas ruas, que são públicas, a segurança é de competência da administração do “bairro” privado, com monitoramento por câmeras e vigilantes 24 horas por dia. Há pontos de ônibus nas vias que ligam os condomínios, onde passam linhas municipais e intermunicipais.

Um terminal rodoviário será construído ali. O comércio já instalado vai de supermercados a lojas de eletrônicos, geralmente comandados por empreendedores que também moram ali. Estão previstos ainda equipamentos de saúde, creches, escolas e espaços esportivos.

- O projeto nasce de uma intenção de transformação social. Normalmente, você pega uma gleba, parcela, individualiza as matrículas, cria as áreas públicas e institucionais, mas tomamos a decisão de concebê-lo integralmente - explica Verena Balas, diretora da RZK Empreendimentos, contando que foram necessários estudos de impacto ambiental detalhados para licenciar o projeto.

Parque aberto ao público

O Jardim das Perdizes, na Barra Funda, Zona Oeste, foi lançado pela Tecnisa em 2013 e se autodenomina um bairro planejado. São 250 mil metros quadrados, com 11 prédios residenciais de alto padrão (jogadores de futebol famosos estão entre os moradores), duas torres comerciais e um parque de 46 mil metros quadrados aberto ao público.

O plano é chegar a 20 edifícios no total, com a expectativa de atrair 8 mil moradores - hoje, há cerca de 4 mil. As vias que ligam os prédios são de livre circulação pública, com segurança feita pelo próprio empreendimento.

Fernando Tadeu Perez, CEO da Tecnisa, vê no condomínio-bairro uma “tendência sólida e em expansão”:

- Esse tipo de desenvolvimento atende a uma nova demanda social e imobiliária, que valoriza o tempo, o bem-estar e a mobilidade inteligente. É um modelo de urbanismo contemporâneo com potencial de replicação em outras regiões do país.

Maior do gênero

No Parque Global, maior empreendimento do gênero em desenvolvimento na América Latina em termos financeiros (nada menos que R$ 14,2 bilhões em valor geral de vendas), os primeiros edifícios foram entregues neste ano. Nos próximos anos, o plano é lançar um shopping de luxo e uma unidade de oncologia do Hospital Albert Einstein.

André De Marchi, diretor de incorporação do Parque Global, afirma que o empreendimento pretende trazer um conceito de cidade em 15 minutos, “onde você pode morar, trabalhar, ter saúde, educar-se, viver, ter mais tempo para a família”, mas admite que muitas variáveis influenciam no sucesso do projeto:

- O primeiro desafio é encontrar terreno, porque precisa ser uma área bem localizada com crescimento latente. O segundo é licenciamento, sem sombra de dúvidas. E o terceiro é montar um mix de usos. E são projetos de ciclos longos.

O tempo que o licenciamento consumiu dá uma ideia. Adalberto Bueno Netto, fundador do grupo imobiliário de mesmo nome, comprou o terreno em 2003, mas o lançamento do projeto só aconteceu dez anos depois. Em 2014, a Justiça embargou a obra por problemas no licenciamento ambiental, e o Parque Global só foi retomado em 2020.

O risco desse tipo investimento também é maior, já que o retorno financeiro demora mais devido ao tempo que o condomínio demora para começar a operar. No Reserva Raposo, a saída para isso foram os editais dos programas habitacionais Pode Entrar e Casa Paulista, da prefeitura da capital e do governo estadual, respectivamente.

Os primeiros apartamentos eram para venda direta para os compradores, mas hoje o enfoque é total nestes programas, nos quais o poder público custeia a maior parte das moradias e as entrega a famílias cadastradas.

No Cidade Sete Sóis, em Pirituba, as primeiras 650 famílias moradoras serão beneficiárias do Pode Entrar. As unidades devem ser entregues no primeiro semestre de 2026. Até a próxima década, a MRV deve entregar 11 mil apartamentos por ali, com residências que também contam com financiamento pelo Minha Casa Minha Vida.

A renda média das famílias da região é o match perfeito para o tipo de produto que a construtora entrega. Em junho do ano passado a incorporadora concluiu na região o Grand Reserva, outro grande conjunto do gênero, com 7 mil unidades.

- Hoje a renda média das famílias (que compram os apartamentos da MRV) é de R$ 4.000, R$4.500, e quando vemos os mapas de renda da região, é bastante conectado com o nosso público - diz a diretora de desenvolvimento imobiliário da MRV, Camila Fiuza.

O Sete Sóis deve destinar 750 mil metros quadrados, do total de 1,7 milhão, para áreas verdes, incluindo praças e um parque linear, além de ciclovia. Também estão previstos um supermercado e lojas no térreo dos prédios. Os condomínios dentro do bairro planejado terão gestões independentes. Para Camila, o principal atrativo nesse tipo de projeto é a previsibilidade e o uso misto das edificações:

- O cliente consegue enxergar não só o condomínio em que vai morar, mas o espaço que ocupará no bairro novo.

Risco de homogeinização

Essa ideia de padronização é criticada pelo professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, Fábio Mariz Gonçalves. Para ele, o erro é concentrar uma grande quantidade de pessoas muito parecidas em uma só área.

- Você só vive entre iguais. Nos limites do empreendimento, há um determinado padrão de morador, de comércio, de atividades. Essa homogeneização é vista pelo mercado como virtude, mas, do ponto de vista urbanístico, é um grave problema - diz. - Os limites dos bairros de São Paulo não são nítidos e pactuados, e isso é bom. Há num mesmo bairro diferentes padrões. Higienópolis e Santa Cecília, por exemplo, têm comércio sofisticado, boteco, padaria simples, barzinho. Essa diversidade de rendas e usos faz um bairro ser bom de morar.

FONTE: O GLOBO