Chiara Quintão e Felipe Marques
Erivaldo Duarte, de 43 anos, fechou, no ano passado, a compra de seu primeiro imóvel e acreditou que, finalmente, deixaria o aluguel para trás quando se mudasse para o apartamento em Osasco, Região Metropolitana de São Paulo, que deve ser entregue no último trimestre de 2016. Mas, um ano após a compra, o sonho da casa própria ruiu, com a forte deterioração do cenário econômico. Preocupado com a possibilidade de estar desempregado no ano que vem e com o tamanho da prestação mensal que teria de pagar ao banco após a disparada dos juros, Duarte tomou a difícil decisão de procurar a incorporadora Danpris e fazer um distrato. Em bom português, desistiu da compra.
Palavra restrita ao dicionário da construção civil, distrato se tornou uma realidade para muitos brasileiros que compraram imóveis, principalmente, nos primeiros anos após a onda de abertura de capital das incorporadoras, no fim dos anos 2000, quando os critérios das empresas para a aceitação do crédito dos clientes eram menos rigorosos do que a média atual.
Nas estimativas de um analista, em 2012, as rescisões correspondiam a 10% das vendas brutas das incorporadoras, parcela considerada saudável. Atualmente, de acordo com o especialista, a fatia chega a 30% ou 35%. Segundo ele, a média dos distratos por projeto, que também era de 10% em 2012, fica hoje entre 20% e 30%. Já o J.P. Morgan projeta que o total de distratos em relação às vendas da Direcional, Gafisa, MRV, PDG Realty e Rossi Residencial será de 35% neste ano e que a fatia das rescisões no total de entregas da Direcional, Gafisa, PDG e Rossi ficará em 26%
"Hoje, não é possível fazer um investimento futuro. A tendência é a economia piorar", diz Duarte, que trabalha na área administrativa de uma varejista de eletroeletrônicos e móveis. Segundo ele, a empresa reduziu o quadro de funcionários, na Grande São Paulo, de 1.200 para 400 em menos de três meses, e os cortes vão continuar. "Trabalho no ramo há 23 anos e nunca senti um baque tão grande", conta.
Duarte deixa claro que não desistiu de ter um imóvel em seu nome. "É um sonho do qual abri mão agora." Por enquanto, porém, para reduzir despesas, vai se mudar com a mulher e os dois filhos para um imóvel com aluguel mais barato, quando seu contrato de locação vencer, em agosto.
Já faz três anos que o número de vendas de imóveis cancelados vem subindo. Em 2015, porém, com a forte retração da Caixa Econômica Federal no crédito imobiliário e uma maior seletividade das demais instituições financeiras para aceitar novos tomadores, a situação piorou.
"Os distratos vão aumentar. Há um ano, ninguém previa que a taxa básica de juros estaria a 14%", afirma o presidente da Associação Brasileira das Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), Rubens Menin. As incorporadoras chegaram a sinalizar expectativa de queda ou de, pelo menos, estabilidade dos distratos a partir deste semestre, o que se justificava pela entrega dos empreendimentos das safras antigas, previsão que se desfez ante o cenário atual de falta de crédito e confiança.
Não é só a taxa de juros do crédito que tem afastado os compradores. Também ficaram mais comuns casos em que o tomador é quem toma a iniciativa de desistir do negócio, seja pelo medo do desemprego, seja no caso de quem comprou imóvel como forma de investimento, já que o preço parou de subir.
Na euforia pós-abertura de capital, era comum que as incorporadoras fechassem negócios com clientes que, mais tarde, não passariam pelo crivo de crédito dos bancos - que usam modelos estatísticos de concessão de crédito mais complexos - quando o imóvel fosse entregue. Para imóveis em construção, a incorporadora é quem financia o cliente em geral até a entrega das chaves. Só depois é que ele passa a ser financiado pelo banco - mas só se a instituição aprovar o crédito.
"Algumas incorporadoras olhavam só se o cliente não tinha nome sujo no Serasa e pronto. Hoje, os critérios de bancos e incorporadoras estão mais alinhados, mas há ainda entregas de imóveis sendo feitas em que houve esse descasamento", afirma um executivo de banco que pediu para não ser identificado.
Vale a ressalva que a mensuração exata dos distratos é complicada, pois não há padrão na forma como as incorporadoras divulgam as informações. Algumas não reportam o volume de rescisões, outras divulgam os cancelamentos em relação às vendas, e há as que informam a que percentual das entregas os distratos correspondem. É preciso levar em conta também que, mesmo que os cancelamentos se mantenham em números absolutos, há aumento relativo porque as vendas estão em queda.
"Em alguns casos, quem vai comprar o imóvel encontra uma taxa de juros mais alta, mas consegue compensá-la com o desconto no valor do imóvel", diz um executivo de um banco privado que tem crescido em crédito habitacional.
A questão, porém, é que mesmo que instituições financeiras, como Itaú, Bradesco e Santander, continuem com algum crescimento no financiamento habitacional, estão longe de compensar o freio da Caixa, que enfrenta uma escassez de recursos na poupança. Em maio, por exemplo, o banco público concedeu quase R$ 4 bilhões a menos em crédito habitacional com recursos da poupança que no mesmo mês do ano passado. O crescimento dos demais bancos em igual período não chegou a repor nem R$ 1 bilhão dessa perda, segundo dados obtidos pelo Valor.
Por isso mesmo, as incorporadoras adotam medidas também para reduzir distratos futuros. A Rodobens Negócios Imobiliários, por exemplo, está mais rigorosa em relação à cobrança dos clientes. Segundo o diretor financeiro e de relações com investidores, Flávio Vidigal De Cápua, se um cliente de incorporação atrasa 90 dias, a Rodobens já procura distratá-lo, prazo que era mais longo até o 2014.
O principal momento de entrega de projetos da Rodobens fora do programa Minha Casa, Minha Vida será em 2016, quando serão concluídos seis empreendimentos, que somam Valor Geral de Vendas (VGV) de R$ 600 milhões. "Prefiro fazer o distrato agora e buscar a revenda da unidade. Quanto antes eu fizer isso, mais tempo dou para o cliente formar poupança e repassar o menor saldo possível", diz Cápua.