Notícias

15/03/2016

Desiludido, brasileiro restaura e compra imóveis em Portugal

"Você está lá ou está cá?". A pergunta é comum entre brasileiros que escolheram Portugal para comprar uma segunda residência e que, agora, têm dois círculos sociais: um aqui e outro lá.

Maria da Paz Trefaut 

"Você está lá ou está cá?". A pergunta é comum entre brasileiros que escolheram Portugal para comprar uma segunda residência e que, agora, têm dois círculos sociais: um aqui e outro lá.

Quando se encontram, um dos assuntos é sempre quem comprou e onde. As personalidades públicas - atores, médicos, empresários - são as mais citadas.

Lisboa, onde há casos de três gerações da mesma família que compraram apartamentos próximos, é o destino preferido. Por diversos motivos, entre os quais a questão fiscal e a privacidade, a grande maioria prefere se manter no anonimato.

"Acho que as pessoas descobriram Portugal. Nós sempre tivemos muito preconceito contra os portugueses, mas parece que isso está acabando. Somos muito bem recebidos lá", diz Baba Vacaro, designer e roteirista do programa Casa Brasileira, exibido pela GNT, que já gravou cinco episódios em residências e hotéis de lá.

A desilusão com a política, com a economia e a falta de perspectiva no Brasil são motivos apontados pelos compradores. Em contrapartida, Lisboa oferece segurança, um clima ameno e solar na maior parte do ano, tem a mesma língua e uma história que está nas raízes brasileiras. De brincadeira, há quem diga que ainda há a vantagem de estar "bem perto da Europa" - apesar de pertencer à União Europeia, Portugal segue sendo um país periférico.

Mesmo assim, ir para Portugal não é coisa que todo brasileiro sonha. "A maioria não vai achar graça. Lisboa é linda, a qualidade de vida muito boa, mas as coisas acontecem em outro ritmo. É uma vida muito pacata", diz o arquiteto carioca Chicô Gouveia, que já reformou alguns apartamentos lá para brasileiros. "Eu adoro, porque a comida é ótima, você pode andar de relógio e usar celular na rua sem medo. As ruas da Lapa lisboeta evocam Santa Teresa, no Rio, só que ao invés de darem vista para o mar, desembocam no Tejo".

Lisboa é, atualmente, o sétimo melhor destino europeu para investir em imóveis, segundo o relatório Emerging Trends in Real Estate, divulgado em fevereiro e elaborado pelo Urban Land Institute e pela PricewaterhouseCoopers . Na lista, liderada por Berlim, a capital portuguesa subiu duas posições do ano passado para cá.

Um dos fatores que tem ajudado os investidores estrangeiros é o Golden Visa, um instrumento criado pelo governo português, no final de 2012, que dá autorização de residência para quem compra imóveis no valor igual ou superior a € 500 mil ou transfere capital ao país. Desde que foi lançado até o fim de 2015, o programa captou € de 1,69 bilhão. Nesse período, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras registrou 2.635 operações para aquisição de imóveis e 149 de transferência de capitais.

O mercado imobiliário tem crescido, sobretudo, embalado pela procura dos estrangeiros. Em 2014, mais de uma em cada cinco casas vendidas em Portugal foi comprada por estrangeiros. Os principais compradores são ingleses e chineses. Já brasileiros e chineses são os que mais solicitaram o visto dourado. O problema é que depois de um escândalo de corrupção envolvendo a concessão de vistos, há dois anos, a burocracia ficou bem mais lenta.

Ainda assim, as previsões oficiais indicam um crescimento de 25% nas vendas de imóveis em todo o país e os agentes imobiliários já estimam uma subida de 2,5% nos preços dos apartamentos em Lisboa nos próximos 12 meses.

O mercado português anda tão atraente, que levou o paulistano Ronaldo Cunha Bueno, dono de uma imobiliária brasileira, a abrir a Cunha Bueno Portugal em parceria com um primo que mora lá. "O mercado português, que estava no fundo do poço, está numa curva ascendente e experimenta um pequeno boom de dois anos para cá", diz Bueno.

A desilusão com a política e com a economia no Brasil são motivos apontados pelos compradores

Conforme o orçamento do cliente, Bueno programa uma viagem a Portugal para acompanhá-lo. Ele já viu brasileiros assinando cheques de até € 1,5 milhão para comprar um imóvel e investindo € 350 mil para restaurar prédios. Quem investe em edifícios nas zonas históricas, o valor da aquisição para obtenção do Golden Visa cai para € 350 mil.

Há uma campanha forte da Prefeitura de Lisboa para incentivar a compra desses edifícios históricos, de três a quatro andares. A Cunha Bueno Portugal já comprou 11 prédios, que têm de seis a oito apartamentos cada. Três estão prontos e o restante em obras. Reformados, podem ser vendidos entre € 5 mil e € 6,5 mil o metro quadrado. Todos estes imóveis foram comprados por investidores brasileiros, essencialmente, com capital próprio. Os já reformados, enquanto aguardam venda, são alugados a turistas.

Cunha Bueno define sua clientela como gente de 45 anos para cima que tem por objetivo investir. "Para morar é uma minoria. Hoje o cara fala: Compro em Ipanema ou Lisboa? Em Miami ou Lisboa? O certo é que Portugal está em alta. Muita gente quer ter um ponto de apoio na Europa", diz.

Entre as zonas históricas mais valorizadas está a Baixa, região central de Lisboa próxima ao Tejo, reconstruída pelo plano urbanístico do Marquês de Pombal, depois do terremoto seguido de tsunami, que arrasou parte da cidade em 1.755. "Essa é a área mais desejada", diz Martim Louro, da imobiliária portuguesa Cobertura JLL, que tem feito apresentações no Brasil para arregimentar clientela. "No ano passado fizemos operações com 24 nacionalidades", diz ele, "e os brasileiros mostram cada vez mais interesse".

Essa onda não tem passado despercebida para o incorporador Nuno Lopes Alves, diretor superintendente da Alphapar, que nasceu em Portugal e vive em São Paulo: "O meu sotaque me trai, mas dos meus 60 anos recém-completados, vivo aqui há 30 e sinto-me mais brasileiro do que português". Um dos fundadores do bairro Alphaville, na cidade paulista de Barueri, Alves está particularmente interessado nas áreas de reabilitação urbana em Portugal.

Sua empresa portuguesa, a Alphaville Participações, comprou dois edifícios: o Palácio dos Condes de Azevedo, no Porto, e o Edifício Leonel, em Lisboa, reformado por Álvaro Siza Vieira, laureado com o prêmio Pritzker de arquitetura. O prédio lisboeta fica junto ao elevador de Santa Justa, obra do engenheiro francês Gustave Eiffel. Ali, o metro quadrado está cotado acima de € 6 mil. Mas Lopes não pretende vender o prédio antes de 2018, à espera de maior valorização. Enquanto isso, aluga os apartamentos a turistas.

Alves revela que há vários fundos europeus disponíveis para esse tipo de investimento imobiliário com taxas de juros subsidiadas. A sua empresa, por exemplo, obteve um empréstimo de € 2,5 milhões, para quitação em 15 anos, com taxa de 3.2% ao ano.

O arquiteto carioca Jaime Morais é outro que aposta na lucratividade dos apartamentos históricos no mercado turístico. Mas sua ligação com Portugal é de outra natureza. Ele foi para Lisboa em 1990, desiludido com o Plano Collor. Abriu um escritório lá e morou na cidade por dez anos. Ao voltar para o Rio, manteve o Dueto Arquitectos em Lisboa, onde se especializou em hotelaria. Autor de mais de 50 projetos de hotéis, assina a Pousada de Lisboa, inaugurada no fim de 2015, num prédio histórico da Praça do Comércio.

O mercado de decoração está aquecido. "Não estávamos preparados para responder a esta demanda", diz Pedro dOrey, gerente e fundador da QuartoSala, na qual os brasileiros representam 35% da clientela. No ano passado, a QuartoSala faturou € 2,5 milhões. A previsão é dobrar as vendas em 2016.

FONTE: VALOR ONLINE