Notícias

23/09/2025

Demanda por imóveis na faixa de 'classe média' do MCMV afasta incorporadoras – Valor Econômico

Empresas preferem diminuir imóveis e vender para rendas mais baixas; menos de 10% do orçamento da faixa 4 do Minha Casa, Minha Vida foi usado, mas entidade espera recuperação

Por Ana Luiza Tieghi

A faixa 4 do programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV), lançada em maio, registrou até agosto um consumo de R$ 2,8 bilhões, 9,3% dos R$ 30 bilhões destinados para o orçamento do novo grupo no ano.

Em relatório publicado na semana passada, a equipe de analistas do Santander destaca que isso indica um “início suave” da faixa, mas que está de acordo com o consumo de financiamento imobiliário da faixa de renda do novo grupo, de acordo com fontes do mercado ouvidas pelos analistas.

A faixa 4 é destinada para famílias com renda de R$ 8,6 mil a R$ 12 mil mensais, que podem comprar imóveis de até R$ 500 mil. Na faixa 3, o limite é de R$ 350 mil. Ela foi lançada com a proposta de atingir um consumidor de classe média, que não era beneficiado pelo programa social, mas tem dificuldade para se encaixar no financiamento tradicional dos bancos, com o aumento da taxa de juros.

O consumo menor de recurso combina com uma menor disponibilidade de imóveis que se enquadram na nova faixa.

A incorporadora Holos, que atua na zona leste de São Paulo e deve lançar 3 mil unidades neste ano, ainda não lançou nenhum produto para a faixa 4, conta o CEO Gabriel Cançado.

Há um motivo de tempo: o ciclo do projeto imobiliário é longo e a empresa não tinha imóveis adequados, em seu pipeline, para serem lançados quando a nova faixa começou a funcionar. No entanto, Cançado afirma que também existe uma insegurança sobre a disponibilidade futura de recursos para a faixa. Os R$ 30 bilhões deste ano foram possíveis graças a um aporte de R$ 15 bilhões do Fundo Social do Pré-Sal para o MCMV, que liberou recursos do FGTS para a nova faixa.

Por não ser todo bancado com recursos do FGTS, a taxa de juros da faixa 4, em 10% ao ano, é um pouco maior do que no restante do programa, que vai de 4% a 8,16%, embora esteja abaixo da taxa praticada pelos bancos no financiamento fora do MCMV.

“Vamos comprar terreno e fazer produto para o faixa 4, mas aí [e se] acaba o funding no ano que vem e não tem suplementação? Não tem como fazer ‘downgrade’ (rebaixamento) de venda”, diz Cançado.

Ainda de acordo com ele, já é difícil conseguir encaixar um imóvel no teto da faixa 3, de R$ 350 mil, na parcela que o cliente típico da incorporadora consegue pagar. Se o valor for mais alto, a dificuldade só aumenta.

Também seria preciso, por exemplo, aumentar o prazo de financiamento dos 30% de entrada do imóvel, geralmente feito direto com a incorporadora, para encaixar o valor maior em uma parcela que a renda desse consumidor comporta. “Hoje, tem como recuperar [esse valor], mas tem que entrar na justiça contra o cliente”, diz.

Para o CEO da Holos, mesmo que o preço por metro quadrado seja relativamente baixo, o que conta no MCMV é a parcela que o cliente vai pagar. E a maior parte dos clientes tem renda de R$ 4 mil a R$ 6 mil, longe do faixa 4.

Outro ponto é que o cliente de renda mais baixa tem mais necessidade de comprar o imóvel, porque o aluguel pesa mais no seu orçamento doméstico. “Para o cliente de [renda] de R$ 10 mil a R$ 12 mil, não é tão óbvia a necessidade de comprar o apartamento”, afirma Cançado.

Na Vinx, outra incorporadora que atua no MCMV em São Paulo, a percepção é de que há pouca demanda pela nova faixa. “Imaginamos que conseguiríamos vender com mais facilidade”, afirma o sócio-fundador Rafael Sevieri. A empresa pretende lançar quase 3 mil unidades neste ano, ante mil em 2024.

Sem investir em novos produtos para a faixa 4 - a empresa decidiu se manter focada nos grupos 2 e 3 do MCMV, a Vinx tem aproveitado para vender imóveis do seu estoque por meio da nova faixa. “Está ajudando no estoque de produtos que entregamos no ano passado”, conta Ronaldo Santoro, diretor comercial da incorporadora.

São unidades com 47 a 49 metros quadrados, com vaga de garagem e suíte, lançadas com o objetivo de serem vendidas fora do MCMV, mas que se encaixam nos R$ 500 mil de teto de valor.

Já os apartamentos lançados atualmente pela Vinx se limitam à faixa 3. Apesar de terem área de lazer grande, que é um dos destaques para venda dos produtos, Sevieri conta que o tamanho dos imóveis caiu para 33 a 39 metros quadrados.

Para manter a unidade no limite de R$ 350 mil, o setor da construção faz o mesmo que o setor de supermercados, afirma. “Vai diminuindo a metragem”.

Para acelerar as contratações do faixa 4 e incentivar mais incorporadoras a produzirem unidades, os analistas do Santander sugerem que o governo federal implemente mudanças no grupo, como no limite do preço da unidade, da renda familiar ou da taxa de juros.

Luiz França, presidente da Associação Brasileira das Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) avalia que a produção atual no faixa 4 “não é ruim”. “A expectativa é que vá começar a crescer, não existe virada de chave da noite para o dia”, afirma.

No geral das quatro faixas, o MCMV consumiu, até junho, 66% do orçamento de recursos do FGTS destinados para o programa neste ano, que é de R$ 133,5 bilhões. O valor empregado até agora, de R$ 88,3 bilhões, é um crescimento de 8,5% sobre o mesmo período de 2024, destacam os analistas.

Este trecho é parte de conteúdo que pode ser compartilhado utilizando o link https://valor.globo.com/empresas/noticia/2025/09/23/demanda-por-imoveis-na-faixa-de-classe-media-do-mcmv-afasta-incorporadoras.ghtml ou as ferramentas oferecidas na página.

FONTE: VALOR ECONôMICO