A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) ainda não jogou a toalha na discussão sobre a forma de reconhecimento de receita das incorporadoras imobiliárias no Brasil, e enviou uma nova manifestação ao Ifric (comitê de interpretação de normas contábeis IFRS) para tentar convencer o órgão internacional a mudar sua interpretação sobre o tema.
Diante da dúvida entre empresas, auditores e reguladores sobre como tratar o assunto por conta da entrada em vigor no ano que vem da nova norma contábil sobre receita, o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) fez uma consulta formal ao Ifric para ter a visão do órgão.
Após uma reunião do comitê em setembro, a decisão preliminar foi no sentido de que o registro da receita deveria ocorrer apenas no momento da entrega das chaves ao comprador - e não ao longo da obra, como é a prática histórica das empresas no país.
Um dos principais argumentos do Ifric para a conclusão foi a forma como a Justiça vem tratando a questão dos distratos, em que os compradores recebem de volta de 80% a 90% do valor pago, independentemente de quanto da construção já foi feita e também do motivo da desistência do comprador (não precisando ser falta de capacidade de pagamento).
Na carta enviada pela CVM, tornada pública esta semana no site do Ifric, a autarquia sustenta que os contratos de compra e venda de imóveis na planta são irrevogáveis para o comprador e para o vendedor. E que os distratos dependem de concordância da incorporadora, que acaba aceitando o cancelamento da compra por ser uma opção economicamente vantajosa - diante do custo e do tempo que um processo judicial consumiriam.
Segundo a CVM, a lei assegura o direito da incorporadora receber pelo serviço prestado até a data em caso de desistência do comprador por um motivo que não seja a instabilidade financeira. Para ela, o que a Justiça vem decidindo a favor dos compradores é sobre uma devolução maior do valor pago nos casos em que a incorporadora concorda em fazer o distrato - e não se a vendedora tem ou não o direito de cobrar caso não exista acordo para esse distrato.
Em uma rápida entrevista durante evento organizado pela Fundação IFRS e pelo Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon) na noite de quarta-feira, em São Paulo, o presidente do Conselho de Normas Internacionais de Contabilidade (Iasb), Hans Hoogervorst, disse ao Valor que, até que uma decisão final seja tomada pelo Ifric, todas as informações e argumentos serão levados em consideração.
Ele afirmou, contudo, que vê com reservas a situação atual dos balanços das empresas de incorporação imobiliárias nos Brasil, com centenas de milhões de reais em estorno de receita por conta de distratos. Para ele, com a "quantidade de apartamentos sendo devolvidos, não parece 'sensato' reconhecer receita dessa forma. Isso só deve ser feito quando a empresa tem alta segurança de que poderá manter o dinheiro", afirmou Hoogervorst.
O Ifric deve receber comentários sobre o tema até o dia 26 de novembro. Mas a última reunião do comitê neste ano está marcada para o dia 20 deste mês. Dessa forma, só deve haver nova deliberação sobre o tema em janeiro do ano que vem.
Caso a mudança ocorra, os balanços do primeiro trimestre de 2018 devem vir adaptados.