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14/07/2016

Crise muda perfil de quem toma crédito com casa de garantia

Com a crise econômica, as pessoas físicas se retraíram e adiaram planos, com medo de perder o emprego e colocar em risco o único bem da família.

O perfil de quem procura empréstimos com garantia do imóvel, o chamado “home equity”, mudou nos últimos anos, afirma Luiz Albornoz, sócio da Novi Soluções Financeiras, especializada nesse tipo de crédito. 

No passado, as pessoas físicas eram maioria, respondendo por 70% da demanda. Em geral eram famílias e assalariados que procuravam os empréstimos pois precisavam de dinheiro extra para pagar uma reforma ou custear o casamento ou o estudo dos filhos no exterior.

Empresas ou pequenos empresários respondiam por uma parcela menor da procura, cerca de 30%. “Hoje a situação se inverteu”, explica Albornoz.

Com a crise econômica, as pessoas físicas se retraíram e adiaram planos, com medo de perder o emprego e colocar em risco o único bem da família.

Ao mesmo tempo, pequenos empresários aumentaram a procura para conseguir recursos para seus negócios, uma vez que os bancos cortaram as linhas de crédito para empresas menores.

“Agora são os pequenos empresários a maioria dos tomadores de home equity”, diz Albornoz. As fontes de crédito, bancos de menor porte em geral, também estão mais seletivas e o volume de recursos, mais escasso.

Ele e o sócio, Alan Gomes, criaram a Novi em 2014, depois de uma experiência na XP Investimentos, onde montaram a área de home equity.

Como a corretora se desinteressou pelo projeto, eles partiram para voo solo, num negócio que acreditam ter bastante espaço para crescer no Brasil.

Eles não se conformam, por exemplo, que a modalidade de crédito não seja sequer citada nos levantamentos de juros de empréstimos.

“E o home equity é a opção mais barata e de maior prazo que temos no mercado”, diz Albornoz. Talvez por isso também o home equity não aparece na lista de opções que os grandes bancos oferecem a seus clientes, apesar de constarem em sua carteira de produtos.

“A preferência dos grandes bancos é pelas linhas tradicionais, mais curtas e mais caras”, diz Albornoz.

Para ele, a opção por linhas mais caras e de maior custo é um reflexo da falta de educação financeira do brasileiro, que tem um endividamento alto, além do desejado, mesmo nas classes mais altas.

E, antes de fechar os empréstimos, de valores elevados e longo prazo, a Novi acaba tendo de analisar a situação de cada um para ver se ele saberá usar bem o dinheiro.

“É comum recebermos clientes com renda de R$ 27 mil e dívidas mensais de R$ 25 mil”, diz Gomes.

Por isso, a empresa investiu em educação financeira, criando uma área de planejamento individual para o tomador do crédito primeiro avaliar se tem condições de arcar com o débito e se ele faz sentido.
“Muitos nem sabem que há planilhas que ajudam a acompanhar o orçamento doméstico disponíveis na internet, ou não sabem quanto ganham liquidamente, depois de impostos”, exemplifica Gomes. 

“É comum as pessoas terem mais de cinco cartões de crédito e não saberem qual o juro final de nenhum deles caso rolassem a fatura”, diz. 

Outro caso que mostra o descontrole financeiro das pessoas é o de uma mulher separada que recebia R$ 10 mil de pensão do marido, mas tinha gastos de R$ 16 mil e uma dívida de R$ 300 mil. “Mas o marido não podia saber da dívida”, lembra Gomes.

Eles contam outro caso, de uma executiva que foi demitida e recebeu uma indenização de R$ 90 mil. “Ela ficou deprimida e foi viajar e gastou R$ 16 mil no cartão de crédito logo no primeiro mês, coisa que nunca se deveria fazer numa situação dessas”, diz Albornoz.

Para piorar, ela passou a rolar a dívida no cartão, pagando apenas o valor mínimo da fatura, pois temia “ficar sem dinheiro para uma emergência”.

O resultado foi que a dívida disparou. “É uma coisa comum, ninguém sabe quanto paga de juros no cartão, e as empresas cobram então taxas de 15%, 20% ao mês”, diz.

Cartões sem mensalidade, justamente os mais populares, costumam ser também os que cobram os juros mais altos e algumas redes ganham mais com os juros dos seus cartões do que com as vendas.

O que todos esses casos mostram é que, na maioria das vezes, o maior problema dos endividados não é a dívida em si, mas a falta de educação financeira e de controle do próprio orçamento, diz Albornoz.

“São pessoas que precisam de educação financeira básica, saber quanto ganham, quanto gastam e o que podem cortar para economizar”, diz o executivo. “O segundo passo então é pensar na reestruturação das dívidas”, diz.

Apesar das vantagens em termos de custo e prazo, os sócios da Novi observam que muita gente tem medo de usar o home equity, mesmo pagando juros muito mais altos em linhas tradicionais.
A principal preocupação é colocar em risco o imóvel, que fica como garantia da operação. O medo, porém, nem sempre tem justificativa, pois o juro menor e o prazo maior permitem mais flexibilidade para o pagamento do débito.

Além disso, muitas vezes, a família acaba perdendo o imóvel por conta das dívidas mesmo sem fazer a operação. “Chega um ponto em que a única saída para quitar as dívidas é vender a casa para pagar”, diz Albornoz.

“Às vezes, o cliente demora tanto para se decidir em fechar o empréstimo que não dá mais certo e não há mais saída senão vender”, acrescenta.

Nesse ponto, o devedor acaba aceitando um desconto maior para conseguir fechar logo o negócio e vende o imóvel por um preço abaixo do de mercado. “O que ele perde ao fazer o negócio às pressas muitas vezes daria para pagar os juros do empréstimo”, acrescenta.

No Brasil, só é permitido refinanciar até 60% do imóvel, que pode estar alienado, explica Gomes. Além disso, não é possível alienar o mesmo imóvel mais uma vez, o que impede que ocorram no Brasil casos como os do subprime dos Estados Unidos, que levaram à bolha imobiliária que explodiu em 2008.

Os juros do home equity são bem menores, 19% ao ano mais inflação, o que equivale a cerca de 26% a 27% ao ano hoje, considerando as projeções de IPCA entre 7% e 8% para os próximos 12 meses.

Outra opção de crédito, o refinanciamento de veículos, a chamada troca com troco, custa 3% ao mês, ou 42,5% ao ano, com prazos até três anos, compara Gomes. Já os prazos do home equity podem chegar a 30 anos.

“Mas a média fica entre 10 e 15 anos”, diz. Os valores também são maiores e, no caso da Novi, está em torno de R$ 300 mil por operação, para R$ 30 mil em um refinanciamento de automóvel.
Albornoz vê um grande potencial de crescimento para o home equity no Brasil, especialmente por conta da crise e das dificuldades enfrentadas pelos brasileiros muito endividados.

Ele lembra que o nível de crédito tomado no Brasil cresceu bastante nos últimos anos e atinge hoje 63% do PIB.

Mas o perfil da desse endividamento é muito ruim. “A maior parte dessas dívidas de pessoas físicas é de cheque especial e cartão de crédito, linhas de prazo muito curto e custo muito alto, não são dívidas boas”, explica Albornoz.

“O home equity pode ajudar a melhorar esse perfil de endividamento, reduzindo o custo e alongando os prazos, mas isso tem de ser feito com educação financeira e maior planejamento das pessoas para não voltarem a se endividar com essas linhas”, diz.

Como exemplo do perfil do crédito no Brasil, ele lembra que, dos 63% do PIB de crédito no país, apenas 9% referem-se a crédito imobiliário, ou seja, para a compra de um bem de valor.

“E, dentro desse total de empréstimos imobiliários, 99% são para compra, o home equity deve ficar com 1%, ou R$ 5 bilhões talvez”, diz Gomes, lembrando que não há muitas estatísticas sobre a modalidade de crédito. 

FONTE: EXAME