Incorporadoras que constroem tanto no alto padrão quanto no segmento econômico estão vendo no programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV) uma aposta mais segura neste ano. A Nortis, que atua na alta renda e tem a marca Vibra para o econômico, é um exemplo. O diretor financeiro, Bruno Ghiggino, conta que esse segmento representou cerca de dois terços do volume vendido e metade dos lançamentos do ano passado. Para 2024, a expectativa é que parcela maior dos novos empreendimentos sejam Vibra. “Tem a ver com o momento, o econômico está super estimulado, vive excelente fase.”
Patrimar e Benx, incorporadoras que também atuam na alta renda e no econômico, seguem essa tendência. A mineira Patrimar trabalha no MCMV com a marca Novolar e tem como um dos objetivos para 2024 ampliar a participação desse negócio em seus lançamentos, conta o CEO Alex Veiga. “O programa é resiliente e a demanda é quase inesgotável no Brasil”, diz.
A Benx possui a VivaBenx para atuar no MCMV, mas desde 2020 tinha dificuldades para viabilizar os projetos. As mudanças feitas no programa em 2023, com aumento do preço máximo de venda e prolongamento do prazo do financiamento, mudaram esse cenário, afirma o CEO Luciano Amaral. A empresa não lançou no programa em 2023, mas tem quatro lançamentos preparados para este ano. “Enxergamos que nossa plataforma volta a ficar atrativa”.
A faixa superior do programa, para famílias com renda de R$ 4,4 mil e R$ 8 mil, é a mais visada pelas três empresas. A única interessada em atuar na faixa 1, para rendas de até R$ 2.640, é a Patrimar, que já o fez no passado. “Não temos medo, temos expertise e fornecedor, estamos olhando”, diz Veiga.
Fundada em Minas Gerais, constrói em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro, e em suas regiões metropolitanas, e no último ano voltou a operar no interior de São Paulo, com um projeto em São José dos Campos. A região deve receber empreendimentos do MCMV, segundo Veiga. “Já adquirimos terreno em Jundiaí, São José, Piracicaba e Campinas”, afirma o CEO. A capital paulista, onde atuam Nortis e Benx, não atrai o negócio. “É o maior mercado, mas procuramos regiões com menos concorrência.”
A concorrência em São Paulo, que já era forte, só cresce. “Com mais estímulos do programa, temos visto nos últimos 10 meses muitas empresas que não atuam no segmento querendo entrar, e o preço dos terrenos subir”, afirma Ghiggino, da Nortis.
Ele explica que os novos concorrentes estão aceitando comprar terrenos com pagamento em dinheiro, ao invés de permutas, método mais tradicional - e rentável - para as incorporadoras, no qual a área cedida é paga com apartamentos do empreendimento ou em outros projetos do mesmo grupo. “Para a gente, é um alerta”, afirma o diretor. A Nortis tenta minimizar os pagamentos em dinheiro sempre que possível, como parte de sua estratégia de operação.
A concorrência é forte também em outros padrões, o que tem prejudicado o crescimento do preço de venda, segundo Amaral. “Tivemos recorde de lançamentos nos últimos 3 anos, qualquer bairro que você vai em São Paulo tem pelo menos 10 empreendimentos em lançamento ou construção”, diz.
O CEO da Benx pontua que as gestoras de investimento se tornaram “players” importantes desse mercado, fornecendo liquidez para que incorporadoras possam comprar terrenos em dinheiro em troca de participação no projeto. A própria Benx tem fundos como sócios em seus empreendimentos.
A empresa projetava terminar 2023 com lançamentos avaliados em R$ 2,2 bilhões em valor geral de venda (VGV), e vendas de cerca de R$ 1,5 bilhão. Para 2024, o planejamento é menor, de R$ 1,9 bilhão a R$ 2,1 bilhões em lançamentos.
A Patrimar, que constrói no econômico principalmente no Rio e na baixada fluminense, e concentra o alto padrão na Barra da Tijuca e na região de Belvedere (Belo Horizonte) e Nova Lima, previa cerca de R$ 2 bilhões em VGV lançado em 2023, volume recorde para a empresa, com expectativa de manter o patamar neste ano.
Já a Nortis elevou os lançamentos em 30% em 2023, sobre o ano anterior, para R$ 1,1 bilhão em VGV potencial. As vendas somaram R$ 800 milhões, alta de 10% sobre 2022. Os valores também foram recordes para a empresa.
No alto padrão, foram dois lançamentos em 2023, no Brooklin e em Pinheiros, com metro quadrado vendido a R$ 21 mil e R$ 27 mil. A Nortis pode atuar também com tickets mais “acessíveis” no alto padrão, afirma Ghiggino, o que significa ter unidades menores. Os lançamentos de 2023 tinham entre 220 e 360 metros quadrados.
A Benx adiou para 2024 lançamento na avenida Cidade Jardim que incluiria hotel. Com a revisão do Plano Diretor de São Paulo, Amaral diz que se tornou viável abrir mão da hospedagem, com unidades compactas, e pagar mais outorga (contrapartida dada à prefeitura para construir acima dos limites do plano) para só fazer apartamentos de 600 m2.
A companhia também fez o pré-lançamento de uma nova torre do seu maior projeto, o Parque Global, que já tem cinco torres lançadas - as duas primeiras serão entregues neste trimestre.
Nortis e Patrimar tentaram abrir capital em 2020, mas recuaram. Ambas não descartam nova tentativa em 2024, com ressalvas. Para a empresa mineira, o negócio está pronto para um IPO, mas isso só vai ocorrer se o preço for “justo”. O diretor financeiro da Patrimar, Felipe Enck Gonçalves, destaca que, mesmo desistindo da abertura em 2020, a empresa cumpriu o plano de crescimento que prometeu.
Ghiggino diz que a Nortis está “atenta a boas oportunidades”, mas que uma oferta não seria necessária ao negócio. Também não foi discutida a possibilidade de abrir capital somente da Vibra. “Para nós é uma empresa só, e talvez seja um dos grandes diferenciais da nossa estratégia”, diz.
Segundo ele, o segmento econômico não deve manter a atual “pujança” para sempre, e aí ter área de alta renda bem desenvolvida vai pesar a favor, assim como fez a diferença em 2021 e 2022, quando o programa federal para habitação teve menos recursos e atenção.