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17/10/2017

Ativismo em fundos imobiliários cresce após CVM revisar normas

A assembleia da Brascan representou o mais recente capítulo de um modelo de ativismo consolidado entre os participantes de fundos imobiliários a partir da revisão das regras do segmento pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), no fim de 2015.

A tensão pairava, quase palpável, dentro da sala que abrigou a assembleia geral do fundo imobiliário Brascan, naquela quarta-feira, dia 4 de outubro. Parte dos participantes já sabia, antes mesmo de começar, que aquele encontro consolidaria uma das ações ativistas mais radicais da história do segmento. Convocada pelo administrador da carteira, o BTG Pactual, a pedido de investidores com mais de 5% das cotas, a reunião deliberaria sobre temas potencialmente explosivos, como cortar a própria remuneração do banco e dar poderes deliberativos ao representante dos cotistas.

O encontro durou sete longas horas. No fim, conforme atesta a ata divulgada pelo próprio BTG, com participação de mais de 40% dos cotistas, o grupo elegeu um novo gestor, reduziu a taxa de administração, aprovou a indicação do representante dos donos de cotas do fundo e a criação de um comitê de investimentos.

A assembleia da Brascan representou o mais recente capítulo de um modelo de ativismo consolidado entre os participantes de fundos imobiliários a partir da revisão das regras do segmento pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), no fim de 2015. Com o apoio de investidores profissionais, as estratégias implicam ganhar ingerência maior nos rumos da administração e, nos casos mais agressivos, até mesmo tomar conta do fundo. Pelo menos outras duas ações semelhantes ocorreram recentemente em outras carteiras. Um movimento liderado pelo sócio da gestora Hedge, André Freitas, mira o corte da remuneração do administrador como forma de ampliar os dividendos.

Freitas, que é dono de mais de 5% das cotas do fundo Brasil Shopping, fez um requerimento em agosto junto ao administrador, o Credit Suisse Hedging Griffo (CSHG), para convocação de assembleia de cotistas para deliberar sobre o corte de remuneração do banco de 1,5% para 0,6% ao ano sobre o patrimônio. "Pelos nossos cálculos, a redução da taxa vai gerar sobra de caixa suficiente para uma distribuição por cota de R$ 1,77 a mais por mês", argumenta Freitas, ex-executivo da própria CSHG.

A CSHG contestou a demanda da Hedge, acusando-a junto à CVM de conflito de interesses, sob o argumento de que a gestora é concorrente por manter um fundo de fundos imobiliários. O regulador, porém, entendeu ser legítimo o pleito do investidor e determinou, conforme fato relevante divulgado pela CSHG, a incorporação do tema em encontro a ser marcado.

Em junho de 2016, no Max Retail, uma assembleia convocada por um cotista com mais de 5% de participação aprovou a criação do consultor imobiliário e a contratação de uma firma especializada para prospectar negócios e melhorar a rentabilidade dos aluguéis. "Com união de sete ou oito grandes cotistas do fundo, liderados pelo maior investidor individual, conseguimos aprovar a figura dos consultores e o resultado foi um salto na cotação, além de melhora na eficiência", afirma o engenheiro Cristian Tetzner, um dos participantes da iniciativa e administrador de um dos principais blogs sobre fundos imobiliários do país.

Tetzner cita o exemplo de uma loja do portfólio que estava subutilizada: "a consultoria conseguiu locar o mesmo espaço para mais inquilinos, o que melhorou o perfil de risco e aumentou o retorno".

O administrador do fundo, o BTG Pactual, vê a ação no Max Retail como um exemplo positivo de ativismo para agregar valor. Conforme Allan Hadid, executivo-chefe de operações de asset management do banco, "a contratação de um novoconsultor imobiliário foi uma boa sugestão feita por um grupo de cotistas, uma vez que o contrato com o consultor anterior havia sido rescindido".

Apesar de desfechos diferentes, os três casos têm denominadores comuns: a liderança de um cotista com participação superior a 5% das cotas, visão de profissional do mercado financeiro e um planejamento de longo prazo, que incluiu uma intensa mobilização de cotistas nos bastidores para assegurar o quórum qualificado exigido pela CVM nas alterações de regulamento.

O caso do Brascan, por enquanto, pode ser considerado o mais abrangente em termos de mudanças. Como resultado da ação do grupo de investidores liderados pelo sócio da assessoria financeira FG/A, Luis Gustavo Correa, os cotistas reformaram quase tudo no lado operacional. "O BTG acumulava as funções de administrador e gestor, mas conseguimos trocar o gestor por uma empresa do Rio de Janeiro, que está mais alinhada ao interesse dos cotistas", afirma.

Conforme Correa, a remuneração do gestor se manteve em 0,20% do patrimônio ao ano, mas a do administrador caiu para 0,10% ante 0,30%. Com isso, o valor pago ao BTG recuou de 0,50%, equivalente ao acúmulo das duas funções, para 0,10%.

Além do corte de remuneração, houve alteração significativa no papel do representante dos cotistas. "No sentido tradicional, essa figura é só um fiscal, mas no caso do Brascan vai ter poder de deliberação e participar efetivamente da gestão do ativo", diz.

A ação começou a ser planejada há um ano, quando a FG/A começou a buscar procurações para representar cotistas. Depois, explica Correa, os sócios ampliaram a própria posição para mais de 5% das cotas. Como maior investidor individual, explica o consultor, ficou mais fácil costurar o apoio de outros investidores para obter o quórum qualificado. "Quem quer fazer um movimento como o que fizemos tem de ser meio guerrilheiro", diz.

Mas nem todos os que participaram da assembleia no Brascan defendem a ação. Segundo uma pessoa que preferiu não ser identificada, o fundo tem perfil passivo, ou seja, abrange quantidade fixa de ativos, sem compra ou vendas de imóveis. "Contratar uma gestora significa acrescentar um custo desnecessário", pondera. "A ação foi agressiva e os cotistas vão ser prejudicados no longo prazo", afirma a fonte. Na visão de Anita Scal, sócia da área de investimentos imobiliários da Rio Bravo, o ativista, muitas vezes, busca diminuir a remuneração do administrador e do gestor sem considerar os custos reais e a própria geração de valor obtida. "Às vezes o cotista olha só para 'yield' do fundo e quais as obrigações do administrador e quer remunerá-lo da menor maneira possível", pondera Anita. Mas, diz a gestora, as instituições sustentam grandes estruturas de inteligência de mercado, além de profissionais qualificados na busca pelo melhor retorno.

Polêmicas à parte, o que possibilitou atuações como as ocorridas no Max Retail, Brasil Shopping e Brascan foi, em princípio, a mudança das regras pela instrução 571 da CVM, que atualizou a 472, o arcabouço regulatório base do segmento. As alterações trouxeram mais voz e poder de participação aos cotistas. O quórum qualificado, por exemplo, caiu de 50% mais uma cota para 25% mais uma nos fundos acima de cem participantes. Nas carteiras mais concentradas, com menos de cem cotistas, continua a valer o critério original.

A 571 possibilitou a detentores de 3% das cotas incluir assuntos a ser deliberados nas assembleias. A revisão manteve ainda a possibilidade de investidor ou grupo com 5% de participação convocar diretamente uma assembleia.

As normas também buscaram melhorar a governança e padronizar informações. Bruno Margato, gestor de fundos da CSHG, um dos maiores administradores do mercado, avalia como positivas as mudanças feitas pela CVM. "É bem claro o impacto da 571 na participação dos cotistas, as assembleias ganharam muito mais corpo", diz.

Segundo o blogueiro Tetzner, "você vê participação mais ativa e hoje é comum ver 30% a 40% das cotas presentes nas assembleias, cenário que há pouco tempo não ocorria". O investidor explica que antes da instrução 571 quem morava em outra cidade tinha de viajar para tomar parte na assembleia. "Agora quase todos os administradores oferecem a possibilidade de voto por e-mail."

FONTE: VALOR ECONôMICO