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23/08/2019

Aposta do BC, crédito garantido por imóvel ganha espaço no Brasil

O mercado brasileiro de home equity soma R$ 9,5 bilhões, segundo a Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip)

Com uma combinação de taxas de juros em queda, incentivos do Banco Central (BC) e lições deixadas pela crise econômica, o crédito garantido por um ativo imobiliário, chamado de "home equity", entrou no radar de fintechs e dos bancos no Brasil. Grandes instituições financeiras têm reforçado a oferta do produto aos clientes, com redução de taxas, enquanto as startups ampliam o volume de recursos para a modalidade.

O mercado brasileiro de home equity soma R$ 9,5 bilhões, segundo a Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip). Em 2017, o estoque era de R$ 12 bilhões, mas encolheu junto com o mercado brasileiro de crédito como um todo. Neste ano, porém, a produção mensal voltou a crescer.

Ainda está bem distante do potencial, levando-se em conta o que se vê em outros países. O presidente do BC, Roberto Campos Neto, já afirmou que o crédito com garantia de imóveis tem capacidade de alcançar R$ 500 bilhões. Apenas como comparação, o estoque de financiamentos imobiliários - para aquisição e construção - era de R$ 655 bilhões no fim de junho.

"Hoje, existem R$ 13 trilhões 'sentados' em ativos fixos, em casas, e desse total só R$ 600 [bilhões] são financiados. Então, temos um índice de alavancagem muito baixo", disse o presidente do BC nesta semana. Segundo ele, 95% das casas são pagas e, "no entanto, as pessoas não conseguem usar esse ativo nem para baratear o crédito nem para extrair valor pessoal".

Um impulso para esse mercado é a queda da taxa Selic para 6% ao ano - e a perspectiva de que os juros permaneçam baixos por bastante tempo -, já que estimula a tomada de linhas de crédito com prazos mais longos. No modelo praticado hoje pelo mercado, os empréstimos com garantia em ativo imobiliário chegam a ter uma duração de 15 anos.

"Já tínhamos o produto, mas relançamos no fim do ano passado", afirma Cristiane Magalhães, diretora do Itaú Unibanco responsável pelas áreas de crédito imobiliário e consórcios. O banco começou a divulgar mais ostensivamente o produto para dois grupos: clientes que precisam reorganizar dívidas e pessoas que precisam de dinheiro para investir num negócio próprio, normalmente para quem o home equity tem mais apelo.

O Santander, por sua vez, oferece a linha há oito anos, mas agora também resolveu dar mais visibilidade. O crédito com garantia imobiliária ganhou mais destaque no site e passou a ser oferecido pela rede de agências, afirma o superintendente-executivo de negócios imobiliários do banco, Paulo Duailibi. "É um produto do qual a gente gosta bastante. Tem garantia muito boa", diz.

Com a garantia imobiliária, o home equity costuma oferecer um dos menores juros do mercado, sem considerar as linhas de crédito subsidiado. Um empréstimo pessoal num banco custava 3,64% ao mês, em média, em julho, segundo a Anefac - mais de três vezes acima do cobrado no home equity.

Em maio, a taxa mínima cobrada pelo Santander foi reduzida de 1,20% para 1,05% ao mês mais TR. Desde então, segundo Duailibi, o volume de operações aumentou 70% - o banco diz ter uma carteira de R$ 1,7 bilhão na modalidade. Em julho, o Itaú deu um novo passo e reduziu de 1,17% para 1,08% ao mês mais TR a taxa mínima.

A modalidade, que agora desperta maior atenção dos bancos, tem sido impulsionada por fintechs. Especializada em crédito com garantia, a Creditas soma R$ 250 milhões concedidos nas operações lastreadas em imóveis. Um aporte de US$ 231 milhões recebido pela fintech em julho, numa rodada encabeçada pelo grupo japonês Softbank, também é uma amostra do novo momento para o home equity no Brasil. A Creditas foi avaliada em US$ 750 milhões na operação. Além do crédito com garantia imobiliária, a fintech faz operações com garantia de veículos.

O fundador da empresa, Sergio Furio, costuma dizer que o crédito no Brasil tem taxas de juros muito altas porque está concentrado em operações de curto prazo e sem garantia. Por isso, o home equity teria o potencial de mudar o perfil do mercado.

É nisso que o BC vem se debruçando. No mês passado, o regulador diminuiu os requisitos de capital exigidos dos bancos ao operar a modalidade. O Banco Central também estuda melhorias que possam reduzir custos atrelados a esses contratos e até mesmo como ampliar o uso de imóveis e terrenos para permitir um maior número de transações.

Hoje, no Brasil, só é permitido tomar um empréstimo por imóvel, já que não é possível fazer a alienação fiduciária do ativo para mais de uma operação. Porém, em países como os Estados Unidos - em que o modelo vigente é o da hipoteca - o valor do imóvel é um "guarda-chuva" sob o qual podem ser feitos vários financiamentos.

"O imóvel pode ser usado para gerar valor para outros fins, e hoje isso quase não acontece no Brasil", afirma Claudio Hermolin, presidente da Brasil Brokers. A rede de imobiliária firmou parceria com o Banco Inter para explorar a modalidade.

Os aprendizados deixados pela crise econômica também ajudam a despertar maior pelo crédito com garantia em imóveis. A linha é considerada mais saudável e, por ter lastro, menos arriscada que outras modalidades. Além disso, com taxas relativamente baixas e prazos maiores, é mais fácil a prestação caber no bolso. Não por acaso, tem sido oferecido pelas instituições financeiras a clientes que precisam renegociar dívidas.

"Antes, havia um receio dos bancos de que o produto rivalizasse com linhas mais caras. Agora, é inexorável", afirma Bruno Gama, presidente da CrediHome, plataforma digital que oferece financiamento imobiliário e crédito com garantia de imóveis. Desde a metade do ano passado, a fintech concluiu R$ 150 milhões em operações nas duas modalidades.

Por enquanto, o produto se torna viável entre clientes de renda mais elevada. A Creditas, por exemplo, faz empréstimos entre R$ 30 mil e R$ 2 milhões, com prazo de 5 a 15 anos, aceitando como garantia até 60% do valor do imóvel. As taxas começam em 0,99% ao mês mais IPCA. "Claramente não é um produto para a baixa renda, é para quem tem renda e bens", diz Fábio Zveibil, vice-presidente de desenvolvimento de negócios da Creditas. Em média, o tomador pega R$ 180 mil emprestados e dá em garantia um imóvel de R$ 500 mil. No mínimo, o imóvel deve ter valor de R$ 150 mil.

A fintech, que está presente em 400 cidades, analisa a capacidade de pagamento do tomador, processos pendentes que possam atrapalhar a retomada e as condições e liquidez do imóvel.

Apesar do interesse crescente, há quem veja limites para a o crédito com garantia imobiliária no Brasil. "Somos latinos, temos apego à casa. Não vai ser uma linha popular nunca", afirma um executivo de banco.

FONTE: VALOR ECONôMICO