Por Lu Aiko Otta, Jéssica Sant'Ana e Giordanna Neves
Um dia depois de o governo obter uma vitória “histórica” na votação do projeto que isenta de Imposto de Renda (IR) quem recebe até R$ 5 mil por mês e institui uma taxação mínima de até 10% para as pessoas de alta renda, o governo admitiu que vai ter perdas em outra proposta fundamental para o Orçamento de 2026: a medida provisória (MP) que trata de alternativas ao aumento da alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). “Vamos ter de ceder”, disse ao Valor o secretário de Reformas Econômicas, Marcos Pinto.
Por outro lado, ao abrir mão de pontos na MP, a equipe econômica espera que o projeto que prevê corte de benefícios tributários seja apreciado pelo Congresso. Entre os itens que estão em negociação sobre a MP, estão a tributação ou não das Letras de Crédito Imobiliário e Agrícola (LCI e LCA, respectivamente) e o aumento de 15% para 20% da taxação dos Juros sobre Capital Próprio (JCP). Já o limite às compensações tributárias, que deve garantir R$ 10 bilhões em receita extra ao governo no próximo ano, será mantido no texto.
Pinto disse estar confiante na aprovação da proposta na próxima semana, antes que a MP perca a validade, embora parlamentares do centro e da oposição avaliem que a matéria pode não ser votada a tempo.
O secretário afirmou que não está totalmente descartada a possibilidade de tributar as LCAs e LCIs, embora o relator da MP, deputado Carlos Zarattini (PT-SP), tenha dito ao Valor que pretende restabelecer a isenção desses títulos. A medida é uma das principais demandas da bancada do agronegócio e do setor imobiliário. “Não está totalmente descartado, mas como o Zarattini adiantou, existe uma resistência muito grande do Congresso nesse ponto”, afirmou. “Mas a gente ainda tem esperança de atingir um bom termo”, completou.
Nas discussões com líderes partidários, o governo tem frisado que os títulos isentos encarecem a captação do Tesouro Nacional. Além disso, representam uma renúncia fiscal da ordem de R$ 40 bilhões. “Imagina um benefício tributário dessa magnitude, extremamente regressivo, que vai para investidores de altíssima renda”, comentou.
Ele admitiu que as mudanças no texto da MP devem reduzir a arrecadação prevista e que a Fazenda busca minimizar esse impacto. No entanto, reforçou que o principal objetivo de tributar esses investimentos é corrigir distorções, tanto nas letras de crédito quanto nos demais títulos isentos. A estimativa da Fazenda é arrecadar R$ 2,6 bilhões com o fim da isenção de todos os títulos, sendo R$ 1,2 bilhão apenas com LCIs e LCAs. “A maior prova de que o objetivo não é arrecadar é que a gente está isentando todo o estoque. A arrecadação prevista na própria MP não é muito alta”, disse.
JCP e tributação sobre fintechs e apostas
O secretário admitiu também que está em negociação a alíquota dos Juros sobre Capital Próprio (JCP). A proposta original da Fazenda eleva o percentual de 15% para 20%, mas no Congresso há articulações para fixá-lo em 17,5%. “Há uma negociação sobre todos esses pontos e a gente vai fechar um pacote. Não vou adiantar, mas a JCP está em discussão também”, reiterou.
Nos bastidores do Legislativo, também há pressão para mudar a tributação sobre as fintechs e as apostas, mas ainda sem definição. Já o trecho da MP que fixa a alíquota de 17,5% para todas as aplicações financeiras deve ser mantido, de acordo com ele.
Segundo o secretário, mesmo com todas as negociações em curso, a Fazenda não espera uma perda significativa de arrecadação. Além disso, um “pacote” está sendo negociado nos bastidores, para que haja a compensação das perdas com a MP nas discussões do Orçamento e com o destravamento do projeto que corta benefícios tributários, que até o momento não tem relator definido.
“A partir daí, teremos a discussão do projeto de gastos tributários e a discussão do Orçamento em si, porque ele vai ter de caber na arrecadação que tem para cumprir a meta fiscal.” O Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) de 2026 conta com os R$ 20,9 bilhões da MP e com os R$ 19,8 bilhões do corte de benefícios tributários para atingir a meta fiscal.” O Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) de 2026 conta com os R$ 20,9 bilhões da MP e com os R$ 19,8 bilhões do corte de benefícios tributários para atingir a meta fiscal do próximo ano, que é de superávit de 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB).
Isenção do IR
A aprovação do projeto do IR foi comemorada no Ministério da Fazenda, contou o secretário. “Eu vejo nesse projeto um exercício de política com ‘P’ maiúsculo”, avaliou. A proposta, que nasceu desacreditada pelo mercado, aos poucos foi ganhando aceitação. “Fizemos toda uma discussão com a opinião pública e o Congresso ao mesmo tempo”, disse. Ele destacou a importância da sociedade, que aderiu mais à ideia de taxar as altas rendas do que à isenção. “O Parlamento refletiu isso.”
Uma das principais novidades do texto aprovado foi a obrigação de o governo enviar, no prazo de um ano, um projeto de lei prevendo uma política de valorização da tabela do Imposto de Renda. Foi uma articulação feita para evitar que a indexação da tabela pela inflação fosse aprovada. Pinto disse que o governo ainda vai se debruçar sobre como será feita essa proposta, mas viu a medida com bons olhos, desde que haja compensação. “Eu acho que é justo o anseio da sociedade por uma mudança na tabela. Mas essa mudança tem que ser feita de uma maneira fiscalmente responsável”, avalia.
Sobre a tramitação da reforma do IR no Senado, ele acredita que a votação acontecerá sem contratempos e não vê riscos de a MP contaminar o debate. “Os assuntos vão continuar sendo tratados de formas distintas. A gente não antecipa nenhum problema de tramitação no Senado. Pelo contrário, espero uma tramitação rápida.”
Ele disse que, uma vez sancionado o projeto, a Receita deve implementar rapidamente os sistemas para reter a taxação dos dividendos e depois fazer a cobrança do imposto mínimo efetivo. “A Receita está preparada para isso.”
O secretário avaliou que Câmara e Senado têm sido sensíveis aos argumentos da equipe econômica, que busca colocar as contas públicas em ordem para que haja melhor cenário macroeconômico. “A gente não tem do que reclamar”, avaliou. “Tivemos alguns casos de atrito, de discordância, mas temos conseguido aprovar nossa pauta. Às vezes é preciso fazer concessões, como no caso da MP, mas no geral a pauta tem avançado.”
Um movimento muito importante que pôde ser visto na votação do projeto do IR, disse Pinto, foi o fato de a Mesa Diretora da Câmara ter barrado os destaques apresentados ao texto que elevavam a perda de receita sem apresentar compensações. Com base nesse critério, o relator, Arthur Lira (PP-AL), rejeitou as emendas, no que foi apoiado pelo presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB). “Esse é o comportamento de um Legislativo responsável.’
Cerca de 87% da população brasileira ficará livre de pagar o Imposto de Renda quando o limite de R$ 5 mil estiver em vigor, informou. Isso é justo, disse o secretário, porque as pessoas de menor renda são mais tributadas do que as de maior renda, porque são impactadas também pelas tributações sobre o consumo e a folha de pagamentos, ambas elevadas.