Por Ana Luiza Tieghi
O segmento de multifamily, empreendimentos residenciais construídos para serem alugados, tem mantido sua atratividade, apesar do aumento da taxa de juros, que testa os retornos e a paciência dos investidores com o tempo de desenvolvimento desses projetos.
A gestora Brio captou R$ 250 milhões para um fundo de desenvolvimento de imóveis desse segmento. Com esse valor, serão erguidos cinco prédios novos em São Paulo, que terão cerca de 700 unidades e serão administrados pela Greystar, companhia americana especializada na área e que atua no país há dois anos. O grupo Fictor, que tem participação em negócios dos setores de alimentos, infraestrutura e serviços financeiros, entrou com cerca de 30% do valor.
A tese da Brio é atrair o público de média renda, disposto a pagar aluguéis entre R$ 2 mil e R$ 6 mil. Como explica Maurício Muniz, sócio da gestora, é o alvo que está com mais dificuldade para comprar um imóvel agora, já que não se encaixa nos incentivos do Minha Casa, Minha Vida, e ainda enfrenta financiamento mais caro.
Dos cinco projetos, dois serão na região da Vila Buarque (Centro), com entrega prevista já para este ano. Também há prédios no Bela Vista e na Chucri Zaidan, conta. “Pretendemos levar esse fundo para mais de R$ 1 bilhão, já temos isso em novos negócios, entre negociações e diligências”, afirma.
Fictor e Greystar também vão participar dessa expansão. O Fictor está envolvido na construção de quatro prédios no Rio de Janeiro, com investimento de R$ 268 milhões. Os projetos estão em Botafogo, no Centro e na Barra, e deverão ser administrados pela Greystar.
Para Abelardo Sá, diretor de energia e infraestrutura do Fictor, o Rio é visto como “desafiador” pelos investidores, por isso foi preferível não incluir os projetos logo de cara no fundo da Brio. “Sabemos que muitos investidores não olham para o Rio, mas nós o conhecemos muito bem”, afirma. A primeira entrega na capital fluminense está prevista para 2027.
A própria tese de multifamily pode gerar desconfiança no mercado. Muniz afirma que ainda existe uma “barreira de desconhecimento” sobre o segmento, o que exige “esforço coletivo” para chegar no investidor e nos proprietários de terreno, fundamentais para o fundo, que só conta com projetos “greenfield”, feitos do zero.
Para ele, os juros em patamar alto são um problema mais por causa do tempo necessário até que o empreendimento comece a dar receita — “demora uns sete ou oito anos”, diz — e menos pela necessidade de ter retornos maiores. Na incorporação tradicional, os apartamentos são vendidos na planta, antes da construção, o que antecipa o retorno do investidor.
Para investir no setor é preciso pensar na taxa de juros média do país, afirma, e não no valor atual, de 14,25%. Não à toa, o segmento de multifamily recebe atenção de investidores institucionais estrangeiros. A canadense Brookfield é um desses casos e vem fazendo movimentos em multifamily há alguns anos no país, também de olho no público de renda média.
“Acabamos investindo mais nesses momentos de crise do que nos de bonança”, afirma André Lucarelli, vice-presidente sênior de investimentos da empresa no Brasil.
Neste ano, a Brookfield já adquiriu um prédio comercial para passar por reforma (retrofit) e ser convertido em residencial para locação. Em 2024, fez compras do tipo no Rio e outras em São Paulo. Também compra projetos prontos da Luggo, companhia de multifamily da MRV. Dessa parceria, já tem prédios em seis cidades, em cinco Estados. Ainda, adquiriu cinco projetos da Lavvi, na capital paulista, no Centro, na Barra Funda e no Brás, e tem outro prédio com a REM, próximo à avenida Paulista.
Segundo Lucarelli, a Brookfield tem hoje 2,3 mil unidades em operação e vai chegar a 6 mil em até 4 anos, mas novas aquisições seguirão ocorrendo. Os projetos estão de 93% a 95% locados, afirma, o que reforça que a demanda por esse tipo de moradia existe. Com os juros atuais, quem quer comprar um imóvel pode decidir adiar a decisão, diz. “Acaba tendo uma situação favorável para nós.”
O executivo analisa que ainda há pouca concorrência na renda média e em outras cidades, já que o mercado está mais concentrado em São Paulo e na alta renda. É esse o foco da JFL, companhia de Jorge Felipe Lemann, filho do empresário Jorge Paulo Lemann. A empresa dá preferência para imóveis maiores. As mensalidades vão de quase R$ 10 mil a mais de R$ 100 mil.
Diretor de operações da JFL, Lucas Cardozo conta que o negócio tem apostado no público corporativo para sustentar a ocupação, hoje em torno de 90%. “As empresas grandes têm demanda recorrente na cidade”, afirma. Para ele, é possível que esse segmento responda por até metade da receita da empresa, o que ainda não ocorre. “É o principal canal de desenvolvimento da JFL para 2026”, diz.
Outro interesse da empresa é atrair corretores especializados em alto padrão, que possam oferecer os apartamentos para quem precisa de um imóvel de luxo, mas de forma temporária.
A JFL também vai vender apartamentos de dois projetos novos, algo inédito até então. Segundo o diretor, os prédios são pequenos para que a operação de multifamily seja eficiente. Um deles, perto do parque Ibirapuera e que deve ser entregue em maio, tem 3,9 mil metros quadrados de área privativa, com 26 unidades, enquanto a empresa dá preferência para prédios com mais de 7 mil metros quadrados.
A companhia afirma ter elevado seu faturamento em 150% no último ano e almeja crescer mais 70% em 2025.