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18/11/2019

A reconstrução do mercado imobiliário

Depois de cinco anos de dificuldades, setor da construção civil levanta bilhões na bolsa, desengaveta projetos e começa a transformar o País num canteiro de obras. Saiba como pegar carona nessa retomada, alimentada por financiamento farto e juros baixos

Desde o começo do ano, o executivo Ricardo Paixão, diretor-executivo de finanças e relações com investidores da construtora mineira MRV, tem sido questionado por analistas, acionistas e jornalistas a razão pela qual sua companhia só divulga recordes em seus resultados, em meio às dificuldades do setor da construção civil. A cada divulgação de balanço, a resposta é a mesma: “Não há crise. Nunca vimos uma situação tão favorável para o setor da construção civil.” Os números da MRV endossam essa afirmação. A maior construtora da América Latina registrou o melhor resultado financeiro de sua história no terceiro trimestre de 2019, com aumento de 16,1% nas receitas, atingindo R$ 1,569 bilhão e renovando os recordes do primeiro e do segundo trimestres. “O momento é excelente e o futuro, promissor. Do potencial de 10 milhões de imóveis ao ano entre 2020 e 2030, teremos cerca de 40% das vendas de todo o mercado”, afirmou. 

O bom desempenho da MRV, que espelha a situação de praticamente todo o mercado da construção civil, se explica por uma inédita combinação de fatores: queda drástica no volume de distratos (quando o cliente desiste da compra durante a obra), redução das taxas de juros do financiamento imobiliário e acirramento da concorrência entre os bancos. No caso da MRV, os distratos, por exemplo, despencaram de 66,1% no acumulado de julho a setembro frente ao trimestre anterior, e de 51,3% na comparação com o mesmo período do ano passado. “Embora a economia ainda esteja em ritmo lento, crescendo na ordem de 1% ao ano, vários fatores estão contribuindo para impulsionar o mercado da construção”, garantiu Paixão. 

Entre estes fatores se destaca a queda histórica nas taxas de juros. Com a Selic no menor patamar da história, o custo dos financiamentos está descendo a ladeira. Na Caixa, banco que lidera o crédito voltado à compra da casa própria, a redução dos juros caiu 22,9% em 2019. As novas taxas partem de 6,75% ao ano, o que representa uma economia de um carro zero quilômetro, de R$ 35 mil, para financiamento de R$ 250 mil em 30 anos. Além disso, a estatal lançou uma nova linha de crédito imobiliário indexado ao IPCA (o índice de inflação oficial), com taxas a partir de 2,95% ao ano, mais IPCA. Na prática, representa uma parcela 40% menor em relação ao financiamento indexado à TR. “Os financiamentos imobiliários voltaram a ser ‘sexy’ para os bancos. Afinal, além de ser uma modalidade de baixíssimo risco, já que o banco tem como garantia 100% do bem que ele só financia 70%, os investidores estão tirando recursos da poupança e renda fixa para buscar investimentos em imóveis”, afirmou Valter Patriani, dono da incorporadora e construtora Patriani. 

A empresa, aliás, está crescendo a um ritmo exponencial. Com 12 prédios entregues e 882 apartamentos, o faturamento vai fechar o ano com crescimento de 86% na comparação com 2018. Para 2020, Patriani estima crescimento de 75%, com a entrega de 12 prédios, além da execução de outros 10 empreendimentos em obras, concentradas entre as cidades de Campinas, no interior de São Paulo, além de Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul, no ABC Paulista. O faturamento deve chegar a meio bilhão no ano que vem.

CRESCIMENTO - Pelos cálculos da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), o setor da construção está em ritmo acelerado. Em agosto (o último dado disponível), os lançamentos somaram 7.683 unidades em todo o País, resultado que colaborou para um total de 56.069 unidades lançadas no acumulado do ano – volume 9,9% superior ao registrado no mesmo período de 2018. Considerando os últimos 12 meses, os lançamentos totalizaram 105.470, resultado que revela um aumento de 15,4%. Outro levantamento, feito pelo Sindicato da Construção de São Paulo (Secovi-SP), mostra que a porcentagem de contratos de compra de imóveis cancelados em agosto de 2016 foi de 23,5% só na capital paulista. Em setembro de 2019, último resultado anunciado, estava em 4,7%. “A melhor hora para quem quer investir é agora. A exemplo da bolsa de valores, que já foi às alturas, o mesmo deverá ocorrer com os imóveis em um futuro bastante próximo”, afirma Isaac Elehep, presidente da construtora Mozak. “Um retrato disso percebemos com as vendas dos empreendimentos lançados, que têm superado nossas expectativas. Cerca de 85% do Índigo, no Rio de Janeiro, foi comercializado antes mesmo do seu lançamento”, comemora. O valor geral de vendas da empresa, segundo Elehep, vai subir de R$ 500 milhões, neste ano, para R$ 600 milhões, em 2020. 

Todos esses números explicam a empolgação do CEO da construtora Trisul, Jorge Cury, com os resultados de sua empresa nos últimos meses e também por integrar o grupo de construtoras que recentemente captaram R$ 4,4 bilhões na bolsa – ao lado de Tecnisa, Eztec, Helbor, Gafisa, LPC (ex-Lopes), Cyrela e Log Commercial. O montante foi festejado porque deixa a percepção do mercado de que o Brasil está perto de um novo boom imobiliário. “O segmento da construção é um termômetro da economia. Tradicionalmente, antecipa o cenário de crescimento econômico”, afirma Alessandro Farkuh, economista do Bradesco BBI. “Há uma expectativa de recuperação sustentável no PIB.”

HORIZONTE - Se o futuro promete, o presente é formado por números reais. O balanço da Trisul mostra receita operacional líquida de R$ 583,7 milhões nos nove primeiros meses de 2019, aumento de 47% na comparação com igual período de 2018. O lucro líquido de janeiro a setembro foi de R$ 96,4 milhões (+88%), vendas líquidas de R$ 785,5 milhões (+86%) e os lançamentos totalizaram R$ 864,7 milhões (106%). Com esses resultados, a companhia captou na bolsa, sozinha, R$ 405 milhões, o equivalente a 14% do valor total da empresa. Os recursos serão usados para alavancar a construção de empreendimentos residenciais no município de São Paulo, principalmente nas badaladas zonas Sul e Oeste para famílias de classe média alta. “Foi um sucesso. Mais de 85% da nossa oferta foi adquirida por fundos brasileiros. Com os recursos estamos lançando potencial de 14 ou 15 empreendimentos em 2020, algo em torno de R$ 1 bilhão, talvez um pouco mais”, conta Cury. “Estamos confiantes na retomada. A queda da inflação e a redução dos juros trouxeram desconforto para pessoas que tinham capital aplicado em renda fixa, e agora estão comprando ações de empresas, indo para fundos imobiliários ou multimercados e colocando o dinheiro em empreendimentos”, disse. 

Um exemplo dessa fartura de recursos e de novos projetos é a construção de um edifício de alto padrão no bairro do Tatuapé, zona Leste da capital paulista, que será o residencial mais alto da cidade. O edifício Figueira Altos, da Construtora Porte, quando estiver pronto, em 2021, terá 52 andares e cerca de 160 metros de altura. Os apartamentos (um por andar) terão quatro suítes, área privativa entre 337 m² e 350 m², cinco a oito vagas de garagem e depósito privativo. O presidente do Secovi, Basílio Jafet, diz que a situação mudou bastante. O setor passou muitas dificuldades entre 2014 e 2018, mas parece ter reencontrado o caminho do crescimento. “Cada ponto percentual de redução dos juros pode diminuir o valor das prestações em até 15%. É um argumento ótimo para quem está em dúvida se compra ou não um imóvel.”

Emissão de cotas de fundos imobiliários atinge R$ 26,3 bilhões

As emissões de novas cotas de fundos de investimentos imobiliários (FIIs) alcançaram a marca de R$ 26,3 bilhões no período entre janeiro e outubro de 2019, praticamente o dobro dos R$ 13,2 bilhões registrados em igual período de 2018, segundo dados do último boletim da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). Dos 468 fundos registrados na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), 195 são listados na B3, sendo esses últimos negociados por 470 mil investidores, com valor de mercado de R$ 78,4 bilhões, para um patrimônio líquido de R$ 67 bilhões, conforme dados do último mês de setembro. 

Para Fernando Fridman, responsável pela área de produtos do banco Ourinvest – instituição que atua nesse segmento – o impulso dos fundos imobiliários nesse ano está relacionado ao momento de juros baixos na economia brasileira. “Ninguém está esperando que esse ambiente de menores taxas se altere. Com isso, o custo para se arriscar diminui. Muito investidor que busca por renda prefere aplicar em fundo imobiliário por causa da vantagem de um gestor que cuida da carteira de imóveis”, diz. Fridman apontou a procura crescente por FIIs com renda de aluguéis de: lajes corporativas (escritórios), educação (universidades), logística (galpões), comércio e serviços (shoppings). 

“A cota é negociada na bolsa de valores (B3), a maioria com aportes em torno de R$ 100, o que permite uma liquidez bem mais rápida do que a venda de um imóvel”, afirma. Ele ainda lembrou que outro benefício que atrai a atenção dos investidores é a isenção do imposto de renda (IR) nos dividendos (aluguéis) pagos periodicamente aos cotistas nesse segmento, mas vale citar a que a venda da cota tem cobrança de 15% de IR sobre o ganho de capital em relação ao preço de compra. “Em média, os FIIs de renda pagam retornos de 7% ao ano, com isenção do IR, bem acima da poupança (70% da taxa Selic) e do DI (4,9% ao ano)”, diz.

FONTE: ISTOÉ DINHEIRO