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20/09/2018

'Polarização forçará guinada de 180 graus nas empresas'

Fazia menos de três anos que Rubens Menin havia fundado uma pequena construtora de imóveis residenciais em Minas Gerais, quando a crise de 1982 chacoalhou a economia brasileira.

Fazia menos de três anos que Rubens Menin havia fundado uma pequena construtora de imóveis residenciais em Minas Gerais, quando a crise de 1982 chacoalhou a economia brasileira. No ano anterior, o PIB havia encolhido 4,25%. A restrição ao crédito obrigou o empresário a vender o próprio carro para conseguir continuar com as obras das casas populares que planejara. Para ele, aquela foi a pior crise. "Saímos do milagre econômico para o choque", diz o presidente do conselho da MRV, hoje a maior incorporadora de imóveis do país.

Em sua memória de maus momentos no país não ficam atrás, no entanto, as "maluquices" que vieram depois, com o governo de Fernando Collor de Mello, que o desafiaram a fechar a folha de pagamento dos funcionários em meio a um confisco, pelo governo, de todos os ativos financeiros do país. Hoje, ele lamenta que, apesar de já estarmos na oitava eleição presidencial desde o fim da ditadura, o nível da campanha seja fraco. "Já era para estarmos discutindo propostas melhores". O preocupa, ainda, perceber que eficiência no gasto público "não está na agenda dos presidenciáveis".

Menin é o terceiro maior doador de campanhas, segundo dados informados pelos candidatos ao TSE. Mas o empresário garante que ajuda só quem concorre ao Congresso. Ele costuma também participar de movimentos como o "Você muda o Brasil", por meio do qual empresários e representantes acadêmicos discutem o país. Para ele, "não adianta dizer que dá para resolver o país fora da política".

Principal acionista da MRV, empresa que ano passado alcançou receita operacional líquida de R$ 4,8 bilhões, Menin foi eleito há três meses "Melhor empreendedor do ano no mundo", numa premiação promovida pela EY à qual concorreram representantes de 46 países.

Menin vem de uma família de engenheiros. Pai, mãe e um avô seguiram a profissão. E desde cedo ele foi estimulado a trabalhar duro. Aos 12 anos, já engraxava sapatos na rua e também lavava carros. Na hora de escolher uma carreira a vocação familiar o conduziu ao curso de engenharia civil na Universidade Federal de Minas Gerais. O empreendedor honrou a tradição. Sua mãe foi a terceira mulher do Estado a formar-se engenheira, em 1944.

Hoje, aos 62 anos, o empresário vê riscos na polarização que se formou na reta final da disputa presidencial. "O que aconteceu no Brasil é que a esquerda ficou mais à esquerda e a direita mais à direita". Ele diz nunca ter visto "ambiente tão disperso", o que torna impossível, para os empresários, diz, fazer o planejamento para 2019 mesmo em setores com demanda garantida, como é o de construção de moradias. "Quando você está num transatlântico não pode de repente virar 180 graus". Acompanhe, abaixo, os principais trechos da entrevista:

Valor: Numa entrevista ao Valor, no início do ano, o senhor disse estar otimista em relação à economia. Qual é a sua percepção hoje?

Rubens Menin: Embora o momento hoje seja dificílimo no Brasil eu gosto de ouvir os investidores estrangeiros. Um deles ponderou, recentemente, que além do Brasil só três países têm mais de 8 milhões de quilômetros quadrados e uma população acima de 200 milhões - China, Estados Unidos e Rússia. Isso representa um gerador de PIB porque garante não só mercado interno, mas também formação de ciência e tecnologia. Um país como esse tem que gerar tecnologia. Os investidores estrangeiros valorizam sermos um Estado de direito, com democracia, e com Judiciário e Legislativo independentes, mesmo com toda a confusão que temos.

Valor: Mas os indicadores macroeconômicos não são bons. Quais são o principais problemas econômico do país hoje?

Menin: O principal problema é que o Brasil é um país que arrecada, em impostos, aproximadamente 40% do PIB. Mas o retorno para a sociedade é pequeno. É um paradoxo. Falta eficiência. E, ao contrário do que faz o povo americano, o brasileiro não cobra. O segundo problema são os juros. Mas o que me preocupa é ver o aumento do gasto. Nunca se fala em melhorar a eficiência do gasto. Tudo isso levou a um Estado guloso, arrecadador. Essa pauta não é partidária. É de Estado. Mas me preocupa que a agenda dos presidenciáveis não passa por isso.

Valor: E por que esse tipo de preocupação não estaria nos programas dos candidatos à Presidência?

Menin: Porque isso não dá voto.

Valor: Qual é a sua avaliação sobre campanha política dos presidenciáveis?

Menin: Estou preocupado. O nível da campanha está muito ruim. Não há propostas. Estamos na oitava campanha de eleição presidencial depois do fim da ditadura. Já era para estarmos discutindo propostas melhores.

Valor: O que o senhor acha da polarização indicada nas pesquisas de intenção de voto?

Menin: O preocupante é que essa polarização tem um nível ruim e está dividindo a nação. Nunca vi uma nação de sucesso dividida. Veja a Coreia do Sul, um exemplo que deveríamos olhar de perto. Ou o Japão. Para crescer não podemos ter um país dividido. Estamos vivendo um momento acusatório. A população está muito machucada. E com razão. Teríamos que colocar no lixo os mal feitos do passado e discutir o Brasil.

Valor: Mas dependendo do candidato que vencer a agenda vai mudar, não vai?

Menin: Não gosto de extremos. O que aconteceu aqui é que a esquerda ficou mais à esquerda e a direita mais à direita. Nunca vi um ambiente tão disperso. Como as empresas vão conseguir planejar o ano que vem? Quando você está num transatlântico não pode, de repente, virar 180 graus.

Valor: Que tipo de situações o senhor percebe nesse ambiente disperso?

Menin: Por exemplo, quando Lula assumiu em 2002 ele leu a carta do povo, que foi fundamental. Mas a carta do PT agora não foi tão amigável.

Valor: O senhor comentou que outro problema econômico são os juros. Como isso se reflete no setor da construção?

Menin: Conseguimos chegar numa taxa básica de juros que é palatável, dá para passar. Com 6,5% o setor da construção roda. Mas a situação é diferente para a população. O endividamento das famílias brasileiras não é alto quando comparado a outros países. Mas é muito mais sofrido porque o encargo é elevado. Isso é consequência do tamanho do Estado. Temos que perseguir taxas de juros de 4,5% a 5%. Se a gente perder a via dos juros vamos começar a andar para trás. Mas acho que os próximos dois ou três anos já estão perdidos.

Valor: Por que?

Menin: Há uma pressão que é resultado de um desarranjo que aconteceu dois a três anos atrás. As coisas pararam de funcionar. A reforma da Previdência já tinha que ter acontecido. A pauta travou.

Valor: E como isso pode melhorar?

Menin: Temos que conhecer o jogo de duas formas. O primeiro é pela política. Não adianta dizer que dá para resolver o país fora da política. O segundo é a conscientização do povo. Isso melhorou muito. Há coisas que a população brasileira não aceita mais.

Valor: A recuperação econômica não aconteceu como se esperava?

Menin: Há empresas com fundamentos mais sólidos; outras menos. O agronegócio está bem fundamentado e se favorece se o dólar sobe. Mas não existe ilha da fantasia. O país tem que estar todo unido para crescer. Não adianta a indústria da construção ir bem. A gente quer ver a economia funcionar. Já vivemos bons momentos.

Valor: Quais bons momentos foram mais marcantes?

Menin: A fase pós Plano Real. Aliás, eu acredito que há dois Brasis: um antes e outro depois do Plano Real. Antes disso era uma bagunça.

Valor: E quais foram os piores momentos do país durante sua vida como empreendedor?

Menin: Em 44 anos de vida profissional já passei por tudo. Por todos os choques. A MRV começou no milagre econômico. Saímos do milagre e fomos para o choque. A crise de 1982 talvez foi a pior, depois veio o Plano Cruzado e depois veio a loucura do Collor. Os juros chegaram a ser negativos e as pessoas confundiam. As crises pré real foram muito dramáticas. Lembro como foi fechar a folha de pagamento depois do confisco da ministra Zélia Cardoso de Mello. Aqueles planos eram todos malucos. O país estava mais precário do que hoje.

Valor: O senhor acredita que muitos investidores estariam aguardando definições?

Menin: O investidor quer, mas não está apostando. Um bom indicador é a Bolsa de Valores. Bolsa não é especulação. Quando o mercado de capitais está ruim a capacidade de investir diminui. Não há país no mundo que vá para a frente se não tiver um bom mercado de capitais.

Valor: E como está o planejamento da MRV e do setor da construção para o ano que vem?

Menin: Nossa indústria é menos volátil. Acreditamos na sustentabilidade do nosso negócio porque existe demanda. Em torno de 1,5 milhão de novas famílias se formam por ano no Brasil. Com isso sabemos que nos próximos 20 anos vamos precisar construir moradias. Por isso, vai ter que ter construção civil no Brasil de qualquer maneira. Pode ser mais rápido ou mais devagar. Mas será sustentável nos próximos anos, seja qual for o governo.

Valor: A MRV é a maior operadora do Minha Casa Minha, Vida e o senhor acompanhou de perto a sua criação. Qual é a sua expectativa em relação à preservação desse programa no próximo governo?

Menin: Esse programa foi muito importante para a indústria da construção. Sempre trabalhamos com linhas de financiamento com recursos do FGTS. O que o Minha Casa, Minha vida fez foi desburocratizar o processo. Mas, para isso, o governo chamou a gente para discutir. Essa simplificação reduziu o prazo de contratação de 12 para três meses. É um programa de sucesso que foi sendo melhorado desde o lançamento, em 2009. Para a coisa dar certo tem que ter essa interação entre governo e empresários. Não há muito o que mudar em relação ao que existe.

Valor: A MRV tem uma operação nos Estados Unidos em parceria com uma empresa americana para construção de casas populares. O que o levou a investir naquele país?

Menin: Acredito que a construção civil tem que ser uma plataforma global. A tecnologia se desenvolve numa velocidade maluca. Hoje, no Brasil, nosso apartamento mais eficiente pesa 2.400 quilos por metro quadrado. É muita coisa. Esse peso terá que baixar. Não sei onde essa evolução vai acontecer primeiro. Mas os Estados Unidos representam o melhor lugar para isso. A necessidade de habitação não vai acabar. Mas vai precisar melhorar em processos e ter materiais mais leves. Vamos virar uma montadora. Ou mudamos ou alguém vai engolir a gente.

Valor: O que o senhor acha da atual equipe econômica?

Menin: A atual equipe é uma das melhores que já vi. São profissionais sérios. O Guardia (Eduardo Guardia, atual ministro da Fazenda) é sério, assim como o Esteves (Colgano, do Planejamento) e Ana Paula Vescovi (secretária-executiva da Fazenda). O Banco do Brasil e a Caixa Econômica também têm gente boa.

Valor: E sobre os prováveis ministros da Fazenda apresentados pelos candidatos à Presidência?

Menin: O mercado dá tanta paulada que nenhum candidato teria coragem de colocar um presidente de Banco Central ruim. Mas tenho mais medo do Ministério da Fazenda, que é mais sensível. Eu acho que poderiam unificar Fazenda e Planejamento. Mas o ministro da Fazenda tem que entender o que é o mercado.

Valor: Qual é a sua expectativa para 2019, o primeiro ano do novo governo?

Menin: Vai ter uma grande mudança porque haverá um processo de descontinuidade. Só não quero ter um soluço. Por isso temos conversado com todos os candidatos.

Valor: Que tipo de soluço?

Menin: Pode entrar um governo que mude as regras do jogo. Mas não acredito que isso acontecerá.

Valor: E o que vocês, da construção, têm pedido aos candidatos? Dar continuidade?

Menin: Não queremos favor. Nosso setor já é regulamentado. Só queremos melhorar.

Valor: E senhor revela sua posição política?

Menin: Não podemos falar de política partidária. Mas eu apoio e ajudo candidatos do Congresso. Meu sonho é melhorar o Congresso. Se eu puder colocar dez deputados de bom nível já é muito. A melhoria da política passa pela melhoria do Congresso. A renovação do Congresso nessas eleições será baixa. Os mais pessimistas dizem que será muito baixa. Mas os novos deputados que entrarem serão de boa qualidade.

Valor: Como seria um deputado de bom nível?

Menin: O político não pode olhar para o umbigo dele. O umbigo dele tem que ser o último da fila. Mas hoje é o primeiro. É só mudar isso.

Valor: E quanto ao presidente? O senhor também apoia algum candidato a presidente?

Menin: Não posso. É um cargo majoritário.

Valor: O senhor acredita que as investigações em torno de desvio do dinheiro público, como a Operação Lava-Jato terão efeito na mudança de governo?

Menin: Não sei se isso vai se refletir nas urnas.

Valor: E quanto à classe empresarial? O que já mudou ou pode mudar?

Menin: Não gosto da palavra empresário. Vamos falar de empreendedor, dirigente de empresa. Antigamente o empreendedor achava que bastava dar emprego e dar lucro. Hoje o jogo é diferente. Acredito que metade das empresas no país já pensa diferente. Recentemente submetemos, em assembleia da MRV, a aprovação da proposta de investir 1% do nosso lucro no Instituto MRV (programa educacional da empresa para jovens de baixa renda). A aprovação foi unânime. Antes não existia isso. Não há empresa hoje que queira durar que não pense dessa forma.

Valor: O senhor defende a preservação do programa Minha Casa, Minha Vida. E quanto ao Bolsa Família? Qual é a sua avaliação?

Menin: Esse programa tem que continuar, mas com mais efetividade. Eu viajo muito e vejo muita gente que não precisa recebendo; mas outros precisando muito. O Brasil não pode deixar de ter projeto assistencial. Mas eu acho que seria mais efetivo se estimulássemos a cultura da doação. Nos Estados Unidos, as doações filantrópicas equivalem a 1,5% do PIB. No Brasil representam 0,2% do PIB. Se nos igualássemos ao percentual dos EUA chegaríamos a um valor muito superior ao orçamento do Bolsa Família.

Valor: Qual é, na sua opinião, o melhor caminho para o desenvolvimento do Brasil?

Menin: Temos que mudar o país pela política. Não tem como ser diferente. Eu até me arrepio quando alguém fala em golpe militar. Essa pessoa não imagina o preço maluco que pagaríamos por isso. Mas tem gente falando isso.

FONTE: VALOR ECONôMICO