A construtora gaúcha Melnick, que toca empreendimentos imobiliários de médio e alto padrão nos três estados do Sul e em São Paulo, vive uma virada aos 55 anos. A partir de 2026, deixará de operar como uma empresa única para se tornar um grupo com quatro unidades especializadas, nas áreas de incorporação, urbanização, consultoria e projetos e a recém-lançada Open Construtora, para o segmento econômico.
Em entrevista ao GLOBO, o CEO Leandro Melnick (que dirigiu a Even por seis anos) vê a combinação de juros altos, classe média “absolutamente achatada” e forte demanda por produtos subsidiados em meio a uma transformação que diagnostica no segmento de projetos mais baratos: sai o foco apenas nos custos mais baixos e entram mais conforto e qualidade. Já no topo da pirâmide, a alta renda vive um ciclo tão favorável que ele não descarta, no médio prazo, um risco de “superoferta” no luxo.
Com mais incentivos à casa própria das classes média e baixa, qual é a importância do segmento para a Melnick?
O segmento econômico no Brasil vai muito bem há bastante tempo e, nos últimos anos, especialmente bem. Houve a ampliação do Minha Casa, Minha Vida e o amadurecimento dos sistemas construtivos. Soma-se a isso o achatamento da classe média, fazendo com que muitas dessas famílias passem a consumir no topo do segmento econômico. Além disso, em Porto Alegre, não há empresas focadas nessas faixas.
Há quatro anos, lançamos uns quatro projetos econômicos. Aprendemos, erramos, entregamos mil apartamentos e nos posicionamos como o premium do econômico. É um projeto um pouquinho melhor, com uma área de lazer melhor. Vimos que agora era o momento de fazer o lançamento de mais projetos. Então, estruturamos uma empresa exclusiva (para o econômico). Após a pandemia explodiu o loteamento de alto padrão. Agora, com juros elevados e uma classe média fortemente comprimida, o segmento econômico, por ser subsidiado, tem ótimo desempenho.
Quando uma empresa atua apenas em um nicho, só consegue alocar capital naquele nicho. Como a Melnick não cresceu geograficamente, conseguimos fazer empresas independentes. Conseguimos alocar capital no segmento que estiver mais favorável.
Onde há maior potencial?
Neste momento, estou vendo o econômico com maior potencial, sem dúvida. O alto padrão continua muito bem. É interessante porque já imaginávamos que seria mais resiliente, mas não a expansão. Só exige atenção porque é a estrela da festa e pode haver oferta exagerada. Hoje está compatível, o mercado está absorvendo bem. A alta renda está comprando mais e pagando mais caro. Acho que uma das razões para isso foi o acúmulo de capital líquido no banco. E essa turma, de alguma forma, está tendo um incremento de receita, pelas aplicações que são feitas.
Quais mudanças nota nos projetos de alto padrão?
O produto imobiliário está mudando e agregando uma série de soluções para atender às demandas cotidianas de um cidadão de alto padrão. Se o empreendimento tem estrutura para pets, por exemplo, já tem uma demanda atendida. Se há um espaço onde a criança possa descer e brincar, sem precisar caminhar até áreas externas, isso também atende. Com supermercado, você atende outra. Estou vendo produto imobiliário se transformar em uma plataforma de soluções, que atende outras demandas do comprador.
O bem-estar é o novo luxo?
Ter tempo é o novo luxo. Qualidade de vida, longevidade. O produto imobiliário não é mais somente o lar, mas uma plataforma de demandas. Estão crescendo muito as demandas ligadas ao bem-estar. É uma tendência incremental. A Ferrari vermelha não é mais a ostentação. Já foi.
Teve um momento em que a ostentação era mostrar que se tinha mais que o outro. Aquela arquitetura dos edifícios espelhados, envidraçados, conversava com a lógica da ostentação. Hoje, a tendência é a arquitetura verde, com uso de aço e concreto, linhas minimalistas e elementos naturais, que seguem uma proposta teórica de proporcionar mais tranquilidade ao ambiente.
E como evoluiu o segmento econômico?
Antes, todo o foco era diminuir o custo. Torres baixas, sem elevador, o menor número de tomadas. Só que o Minha Casa, Minha Vida foi mudando e subindo a renda. O governo está ampliando a agenda de benefícios para uma classe média baixa. Antes se colocava no estande (em fonte) gigante: Minha Casa, Minha Vida. Hoje nem se coloca mais.
Com o aumento das faixas de renda (elegíveis ao programa), mudaram as características dos imóveis, que já têm área de lazer, maior qualidade. A Melnick está lançando um novo projeto com closet. Fazemos dois dormitórios com dois banheiros. Antes eram dois dormitórios com um banheiro.
Como novos modelos de família mudam as plantas?
Fomos uma das primeiras empresas a enxergar que o pet se tornou algo inexorável da sociedade. Outra mudança aconteceu entre os jovens. Hoje, eles não pensam em (primeiro)comprar e mobiliar um apartamento (para só então sair de casa). Agora a ideia é ser independente e sair de casa mais rápido. Ir para um apartamento pequeno, num prédio com serviço. O jovem quer independência, então não vai ter tanto tempo para buscar acúmulo de capital.
Por conta disso, os apartamentos ficaram menores, com áreas comuns maiores. O prédio substitui o clube e virou comunidade. Na pandemia, o trabalho de casa cresceu. Lançamos, por exemplo, um prédio em São Paulo com coworking na base. Em cima, construímos pequenas salas comerciais conectadas com o prédio. O cara pode levar o filho para uma aula, e o professor entra pela rua. Foi um sucesso. É uma novidade.
Quais são hoje as principais transformações nos layout?
Tradicionalmente, todo imóvel de alto padrão tinha cozinha fechada e ampla, além de um quarto de empregada. Isso fazia parte do pacote. Nos EUA, esse modelo praticamente não existe. A própria família cozinha, e a cozinha é integrada à sala. São Paulo já caminha nessa direção. Temos desenvolvido vários projetos assim. Há uma integração maior entre áreas de serviço e social, acompanhando famílias que têm menos empregados domésticos. Ninguém tem dúvida de que a próxima geração não terá mais um empregado que durma em casa.