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24/01/2020

Transferência de conta bancária pode levar à redução do spread?

Será que a pressão exercida pela troca de bancos por milhares de correntistas ajudaria a diminuir a concentração no setor?

Um efeito colateral importante, embora ainda incipiente, da forte redução dos juros no Brasil - a taxa básica caiu de 14,25% em 2016 para os atuais 4,5% ao ano - está sendo o aumento das transferências de operações de crédito de um banco para outro. A chamada portabilidade de empréstimos é um movimento importante para a população com acesso a conta e crédito bancários pois dá aos correntistas um instrumento com algum poder de fogo na negociação com o sistema bancário.

Para os bancos, a maior concorrência entre eles também é salutar ao estimular ganhos de produtividade e busca de maior eficiência no tratamento dos clientes. Estes objetivos têm, aliás, marcado a política da atual gestão do Banco Central em várias frentes.

Dados acumulados em 12 meses da Câmara Interbancária de Pagamentos indicam que a transferência de crédito de um banco para o outro passou de R$ 8,2 bilhões em novembro de 2016 para R$ 42,3 bilhões no mesmo mês de 2019, conforme relato dos repórteres Estevão Taiar e Edna Simão, publicado pelo Valor na sua edição de 21 deste mês. A Câmara Interbancária de Pagamentos registra as operações de portabilidade e suas estatísticas estão disponíveis no site do Banco Central.

 

A portabilidade se expandiu de forma disseminada entre várias modalidades de crédito ao longo dos últimos meses. Um dos destaques foi no do crédito imobiliário. O volume de financiamentos habitacionais transferidos passou de R$ 8,8 milhões para R$ 1,5 bilhão entre novembro de 2016 e novembro de 2019 - alta de mais de 170 vezes em relação ao montante original.

A explicação para esse movimento é simples: o cliente espera que o banco com que ele tem contrato ofereça a menor taxa de juros do mercado. Quando pesquisa opções de crédito em outras instituições financeiras mais vantajosas para ele, pode agora transferir seu financiamento para o banco vizinho. No caso do crédito imobiliário, o interesse em buscar alternativas com custo menor é ainda maior do que em outras modalidades por se tratar de operações de longo prazo.

Mesmo com o aumento na troca de bancos, a portabilidade dos empréstimos no setor imobiliário representou apenas 0,24% do estoque em novembro (R$ 668 bilhões). A presidente da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), Cristiane Portella, ressaltou, no entanto, que o instrumento foi criado para que o cliente possa, de forma simples e fácil, trocar de banco seja porque busca taxa de juros mais competitiva em outra instituição ou porque está insatisfeito com o serviço prestado. Especialistas consideram que essa tendência deve se manter e mesmo se aprofundar neste e nos próximos anos, em especial se as taxas de juros bancárias forem mantidas nos menores níveis registrados no país como ocorre atualmente.

Uma grande questão a ser debatida, nesse contexto, é o impacto dessa tendência nos spreads cobrados pelo setor bancário, tradicionalmente muito elevados no país, mesmo no cenário de taxa básica (a Selic) bem reduzida. Será que a pressão exercida pela troca de bancos por milhares de correntistas ajudaria a diminuir a concentração no setor ao impulsionar o crescimento de instituições financeiras menores, cooperativas de crédito e fintechs? A dúvida é pertinente na medida em que o setor bancário em geral contesta a avaliação de que a concentração eleva spreads.

Em artigo publicado pelo Valor no dia 4 de dezembro, Tiago Cavalcanti, professor de economia da Universidade de Cambridge e da Fundação Getulio Vargas em São Paulo, chega à conclusão que a concentração bancária é efetivamente relevante para explicar os spreads observados no Brasil.

Cavalcanti concorda que são diversas as razões para o elevado spread bancário brasileiro e cita livro publicado pela Febraban em que se defende a tese de que o alto spread bancário brasileiro se deve aos custos de intermediação financeira, principalmente relacionados com inadimplência e impostos.

Como contraponto, Cavalcanti informa que em artigo recente, Gustavo Joaquim (doutorando em economia pelo MIT) e Berardus van Doornik (Banco Central) vão além da comparação da situação entre países e produzem evidências claras e robustas dos efeitos de como a maior concentração bancária afeta sim o spread e a oferta de crédito no Brasil.

FONTE: VALOR ECONôMICO