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18/07/2025

Selic a 15% derruba da cama quem sonha com a casa própria – Valor Investe

Juros altos têm sido pesadelo também para o setor de construção e incorporação

Por Larissa Maia

Juros altos e entrada maior vêm derrubando da cama brasileiros que sonham com a casa própria. A Selic nos 15% ao ano tem sido um pesadelo para quem busca crédito - seja para potenciais compradores, seja para o setor de construção e incorporação, penalizado na hora de financiar as obras.

Dados da Caixa Econômica Federal, principal banco responsável pelos financiamentos imobiliários no Brasil, mostram recuo dos contratos para aquisição de imóvel em paralelo à alta da Selic, iniciada em setembro do ano passado.

Apesar da queda no número de contratos, entre o segundo trimestre de 2024 e o terceiro trimestre do mesmo ano, o valor total dos contratos cresceu de R$ 61,3 bilhões para R$ 63,4 bilhões. No comparativo trimestre a trimestre, no entanto, os primeiros três meses de 2025 tiveram queda tanto no número de contratos, como no montante total. Veja a tabela:

Selic x Financiamentos

O custo do crédito imobiliário, por ser de longo prazo, é afetado pela taxa de juros futura. Essa taxa é influenciada por todo o contexto nacional, como questão fiscal e pela elevação da taxa de juros corrente pela Selic - explica Ana Maria Castelo, coordenadora de Projetos de Construção do FGV Ibre.

Na prática, bancos que já inseriram o chamado "risco de mercado" e se antecipam à elevação da taxa de juros, encarecendo a tomada do crédito com este objetivo antes da própria reunião do Copom que decide a Selic.

No Brasil, a maior parte dos financiamentos imobiliários tem como fonte de crédito o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), como no caso de quem integra os requisitos do programa Minha Casa Minha Vida (MCMV). Justamente por isso o crédito dentro do programa possui taxa inferior e tende a sofrer menos com variação da Selic.

"A taxa [do MCMV] não varia conforme a elevação da taxa de juros porque ela já está determinada previamente, mas fora do programa, sim, se tem variação conforme todo o cenário", diz Castelo.

O montante disponível pelo FGTS para financiamento (de infraestrutura, habitação social, como no MCMV e no Pró-Cotista) no ano é aprovado pelo conselho curador do Fundo. A maior parte desse orçamento é para o MCMV. No entanto, no ano passado, o orçamento precisou ser suplementado em razão da demanda maior do que a prevista.

Outra importante fonte do crédito para a aquisição de imóveis vem da poupança. Nesse caso, o custo do crédito está relacionado ao custo de captação, que é 6% mais Taxa Referencial (TR). Os bancos, porém, têm utilizado outras fontes do mercado junto à poupança para compor a oferta (e dar conta da demanda. É essa composição mista que pesa e faz com que a taxa praticada pelo Sistema de Financiamento de Habitação (SFH, para imóveis até R$ 1,5 milhão) chegue a mais de 12% ao ano.

Esses recursos da poupança são captados diretamente no mercado e possuem regras para aplicação no financiamento habitacional. Quando os bancos chegam ao percentual máximo que a regra estabelece de uso, as instituições emprestam a uma taxa mais elevada. Porém, apesar das fontes mistas no SFH, ainda há um custo menor do que se o recurso fosse captado integralmente no mercado, explica a especialista.

À médida que os bancos consideramo risco de mercado, o custo do crédito ofertado fica maior tanto no empréstimo para quem compra o imóvel, como para quem está construindo. O que está sendo observado hoje, diz Castelo, é que as instituições estão preferindo financiar o primeiro público. Já as construtoras, estão pagando mais pelo crédito de fora da poupança. Quem acaba sofrendo com isso também é o consumidor, já que a alta tende a ser repassada.

"O que estamos observando hoje é que o financiamento à produção é o que está ficando mais difícil. Os agentes financeiros estão optando por utilizar recursos de mercado, ou seja, com um custo mais elevado, para financiar a produção. É o que os bancos estão oferecendo para elas. Ou seja, se elas querem se financiar, a única alternativa que está tendo é essa. Os bancos estão preferindo financiar quem está comprando imóvel do que financiar a construtora. A construtora está tendo que utilizar esse financiamento com recursos de mercado, que tem um custo mais alto", diz Castelo.

Com o custo mais elevado do financiamento repercutindo também no preço do imóvel, os brasileiros já sentem as dificuldades.

O pesadelo das sonhadoras

Júlia Geraldes, gerente de projetos e moradora da capital paulista, está buscando um apartamento na cidade de São Paulo, mas se deparou com a inviabilidade de pagar o atual percentual de entrada e o preço praticado dentro da necessidade que tem atualmente: uma casa ou apartamento com dois quartos (já que trabalha homeoffice e precisa de espaço para escritório), pelo menos 50m² e com um petplace.

Para ela, entre as principais dificuldades para tirar o sonho do papel estão a entrada "bastante acima do orçamento para dar à vista", o valor das unidades no perfil que busca e a preparação financeira para o pós, quando há despesas extras ainda com documentação do imóvel, por exemplo. Como solução, ela já tentou buscar apartamentos na planta, mas não encontra dentro do perfil que deseja. Por outro lado, já encontrou o apartamento pronto ideal, mas neste perfil a entrada teria de ser à vista e ela não conseguiria arcar com o valor de uma só vez.

"Muita gente me fala 'ah, pega um apê pequeno mesmo, um studio', mas poxa, vou me matar pra pagar um apê para, em algum momento, ter que comprar outro por que não dá para morar em 25m² pro resto da vida? Não faz sentido para mim", desabafa.

"Gera bastante frustração porque parece que o sonho é sempre inalcançável. E eu percebo que quanto mais tempo leva pra eu juntar o valor da entrada, mais caros os apartamentos ficam. Sinto que quando eu tiver o valor da entrada de um apartamento, ele já vai estar bem mais caro, e eu terei que juntar ainda mais dinheiro para isso", diz a gerente de projetos.

O mesmo acontece com Priscila Lima, professora que vive em João Pessoa, se enquadra nas regras do MCMV, mas com a exigência de uma entrada mais alta, está adiando o sonho e segue no aluguel. "No bairro que procuro, um imóvel pede, em média, de R$ 50 mil a R$ 60 mil de entrada", comenta ela.

No fim das contas, tudo fica mais caro e há um duplo efeito para quem deseja tirar o sonho do papel: com o setor de construção civil pagando mais caro para construir (impactado pelo aumento dos insumos em razão da inflação ou da própria Selic que encarece o crédito para o segmento), esse aumento é repassado para o consumidor e o imóvel sobe de valor; na outra ponta, os bancos exigem entradas cada vez mais salgadas, em um cenário que o brasileiro precisa apertar o orçamento para conseguir se adequar à realidade de uma inflação alta e Selic em 15%.

Desde outubro do ano passado, a Caixa Econômica, principal protagonista do setor de financiamento imobiliário no Brasil, elevou de 20% para 30% o valor necessário para entrada para quem financiar imóvel pelo sistema de amortização constante (SAC), em que a prestação cai ao longo do tempo. Já os que optarem pelo sistema Price, que possui parcelas fixas, a entrada saiu 30% para 50%.

Com esse aperto nas condições de financiamento, é preciso mais tempo até que o interessado consiga atingir a entrada necessária, diz Guilherme Baía, planejador financeiro.

Segundo ele, o mercado já esperava esse aumento da Selic. O que ninguém esperava, na verdade, é que a inflação fosse demorar tanto tempo para começar a estagnar e atingisse um patamar tão alto, para além do teto da meta.

"E é preciso pensar que os índices de preços estagnados no patamar de 5% não são necessariamente saudáveis, uma vez que significa que os preços continuarão subindo 5% ao ano em se mantendo nesses patamares", explica.

Na avaliação dele, é mais importante é priorizar ter uma moradia mais adequada a ser proprietária de algo. Além disso, pensar não na vida que se tem hoje, mas na vida que se pretende ter em alguns anos e, para isso, é necessário considerar carreira, estudos, estilo de vida, vida familiar e saúde.

"Então, o imóvel que é ideal para você hoje, solteiro/a e sem filhos, por exemplo, pode não ser o imóvel ideal se, em alguns anos for mais importante estar perto dos pais e ter um quarto a mais", comenta.

FONTE: VALOR INVESTE