Em apenas um ano, foram mais de 130 mil novos apartamentos, o que representa uma média superior a 350 lançamentos por dia, segundo dados da consultoria Brain Inteligência Estratégica.
No período entre junho de 2024 e junho de 2025, foram vendidas mais de 138 mil unidades verticais. Esse número é 38 mil maior em relação ao intervalo anterior, o que confirma que a demanda permanece aquecida, mesmo com o cenário de juros elevados.
De acordo com Fábio Tadeu Araújo, CEO da Brain, “o Brasil tem a menor taxa de desemprego e de ocupação e a maior de renda da história”. Para ele, “a capacidade de pagamento dos consumidores está boa e as pessoas não vão esperar uma taxa de juros menor para comprar o imóvel, até porque não sabem quando ela vai baixar”.
A taxa Selic, mantida em 15% ao ano pelo Comitê de Política Monetária em julho, encarece o crédito imobiliário e pressiona o setor de médio padrão, que tem sido o mais afetado. As unidades nesse segmento, que custam entre 350 mil e 1,2 milhão de reais, representaram 26,9% das vendas no último ano. Em seguida aparecem os imóveis compactos, com 18,4% do total, e os de luxo, com 2,8%. Ainda assim, nenhum setor se mostra tão relevante quanto o Minha Casa, Minha Vida.
Minha Casa, Minha Vida em destaque
Segundo Araújo, o bom desempenho do mercado imobiliário em São Paulo está diretamente ligado aos incentivos do programa Minha Casa, Minha Vida. O segmento econômico foi responsável por 51,9% das vendas e 57% dos lançamentos no último ano.
A Plano&Plano, incorporadora especializada nesse mercado, lançou mais de 16 mil unidades nos últimos doze meses, sendo 84% delas dentro do programa. Renée Silveira, diretora de incorporação da empresa, afirma que “a absorção das unidades acompanha o volume de lançamentos, especialmente com as mudanças que aconteceram recentemente”, em referência à expansão do Minha Casa, Minha Vida para a Faixa 4. Ela acrescenta que “o programa ajuda a atender um público que não tem renda para aguentar as taxas altas de juros”.
O governo também tem buscado impulsionar o setor. Na última semana, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, anunciou um acréscimo de 150 bilhões de reais no crédito habitacional com recursos da poupança até o final de 2026. A expectativa é que sejam contratadas três milhões de unidades até lá. Até o momento, 1,7 milhão já foram viabilizadas.
O peso do alto padrão
Enquanto a classe média sofre mais intensamente com o efeito dos juros altos, o mercado de luxo permanece em expansão. Embora apenas 3,2% das unidades lançadas em 2025 estejam nesse segmento, ele responde por 29,4% de todo o Valor Geral de Vendas.
O relatório classifica como alto padrão os apartamentos que custam de 1,2 a 2 milhões de reais. Os de luxo variam entre 2 e 4 milhões, e os superluxo superam esse patamar.
Segundo Fábio Tadeu, “é um público composto por empresários e executivos, uma classe que prosperou bastante nos últimos três anos”. Ele destaca que “muitas vezes este comprador consegue pagar a parcela do imóvel com o lucro da aplicação que está no banco. E ele tem o ganho real do aumento do valor do imóvel, que está subindo quase o dobro da inflação”.
Na esteira desse movimento, a Cyrela, incorporadora especializada no alto padrão, lançou 45 empreendimentos entre junho de 2024 e junho de 2025.
Preços em alta e imóveis menores
O aumento nas vendas e lançamentos ocorre em um cenário de valorização e redução no tamanho das unidades. Entre junho de 2024 e junho de 2025, o preço médio do metro quadrado em São Paulo subiu de 14.481 para 15.887 reais, uma alta de quase 10%.
Ao mesmo tempo, os apartamentos ficaram menores. Atualmente, 85,4% do estoque da cidade é composto por unidades de um ou dois dormitórios e 60,3% têm até 39 metros quadrados de área. Para Araújo, “os imóveis estão menores porque é mais fácil caber no bolso do comprador. O preço do metro quadrado aumentou e diminuir o tamanho equilibra o preço do imóvel”.
Na avaliação de Luiz França, presidente da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias, os preços também refletem a concentração geográfica da demanda. “As pessoas querem morar nas regiões mais nobres, perto do trabalho, e nesses lugares existe uma escassez de terrenos. É por isso que o metro quadrado fica mais caro e construir apartamentos menores os torna mais democrático”, afirma.
Segundo o relatório da Brain, o estoque de imóveis novos em São Paulo é de pouco mais de 82 mil unidades. Apenas 6,6 mil, ou 8,1%, foram construídas antes de 2021 e ainda não vendidas. Para França, “o estoque de São Paulo é baixo e duraria cerca de seis meses. A média histórica na cidade é de cerca de 12 meses”.
Ele também ressalta que as alterações no Plano Diretor ajudaram a sustentar esse cenário. “As pessoas precisam entender que morar em uma cidade grande, como São Paulo, Paris ou Nova York, é conviver com o trânsito e usar transporte público. A capital paulista está preparada para o crescimento do mercado imobiliário, e os incentivos para incorporar nos eixos de transporte sintetizam isso”.
Debate sobre a verticalização
Apesar do otimismo no setor, a expansão da verticalização gera controvérsia. De acordo com Renato Cymbalista, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, “historicamente, os lugares onde as cidades se verticalizam não são onde as pessoas mais precisam de moradia”.
Ele lembra que, nos últimos anos, houve estímulo do Plano Diretor para a criação de Habitações de Interesse Social, mas a execução se mostrou problemática. “Foram feitos alguns esforços, mas a execução dessas medidas se tornou muito problemática e investidores burlaram esta medida”, afirma.
O debate ganhou força após denúncia do Ministério Público contra a Prefeitura de São Paulo, que identificou indícios de desvios em apartamentos populares destinados à população de baixa renda, mas que acabaram vendidos a investidores de alta renda. Entre os bairros envolvidos estão o Itaim Bibi e Pinheiros. O caso levou a Câmara Municipal a instaurar uma CPI para investigar o uso dos incentivos públicos nesses empreendimentos.