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27/01/2025

Prefeitura de SP suspende processos ligados à Lei do Zoneamento após decisão judicial; entenda (Estado S.Paulo)

Gestão Nunes diz tomar medidas para reverter liminar que suspendeu mapas com regras sobre edificações; especialistas divergem sobre qual é o documento que define regras de construção hoje na cidade

A Prefeitura de São Paulo determinou a suspensão de todos os processos administrativos baseados na Lei de Zoneamento, o que pode impactar no planejamento de novos empreendimentos e na emissão de alguns tipos de licenças e alvarás na capital paulista. A medida foi tomada após a gestão Ricardo Nunes (MDB) ser informada na quinta-feira, 23, da liminar que suspendeu os mapas que delimitam regras para construção, barulho e atividades em cada endereço da cidade.

Em nota, a Prefeitura disse que os processos “ficarão guardados nas unidades até novas instruções”. Não foi informado se há impactados. “A administração municipal, por meio da Procuradoria Geral do Município (PGM), já está tomando as medidas legais e administrativas necessárias para tentar reverter a decisão e guiar as ações sobre a aplicação da lei até que a questão seja decidida”, completou.

Como o Estadão mostrou, a liminar tem gerado incerteza e discussão sobre os efeitos. Especialistas se dividem quanto à interpretação dos efeitos legais, pois a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) movida pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP) originalmente defendia a suspensão de alterações específicas em quadras de Alto de Pinheiros, na zona oeste.

Essa alteração permitia prédios de até 48 metros, o que facilitava a construção de um megatemplo onde antes era restrito a imóveis baixos, como revelou o Estadão. “Favoreceria interesses específicos de instituição religiosa, em detrimento do interesse público, da comunidade local, e das boas práticas em planejamento urbano”, apontou a Promotoria. À reportagem, a Prefeitura, a Câmara e a Igreja Presbiteriana de Pinheiros negaram irregularidades.

O pedido foi acatado em setembro, com a suspensão de trecho específico da revisão do zoneamento, lei que é de janeiro de 2024. Em julho, contudo, a lei da “revisão da revisão” foi aprovada, com um novo mapa de toda a cidade, substituindo o anterior.

Dessa forma, o MP-SP solicitou a “extensão dos efeitos da liminar anterior” para a lei mais recente. Nesse caso, contudo, a mudança não é tratada de forma específica, mas indicada no novo mapa geral de zoneamento. Isto é, o artigo suspenso se refere ao zoneamento de toda a cidade, não só de quadras específicas.

Isso gerou interpretações distintas entre especialistas. Como o artigo é relativo a todo o mapa de São Paulo, muitos avaliam que a liminar tem efeitos generalizados. Dessa forma, o mapa vigente voltaria a ser o de 2016.

Avaliação diferente tem sido feita por outra parte dos especialistas. Escritórios de advocacia ligados ao mercado imobiliário têm, por exemplo, defendido que a suspensão é exclusiva para Alto de Pinheiros.

 

O que dizem mercado imobiliário e especialistas?

“Apesar de o questionamento estar localizado em uma emenda específica, o pedido é para declarar a inconstitucionalidade do artigo que determina o mapa-matriz do zoneamento”, diz Bianca Tavolari. Professora de Direito na FGV, ela menciona que os argumentos apresentados pelo na ação (como ausência de estudo técnico) são válidos para todo o processo de revisão da lei. “Não faria sentido se fosse só para a emenda (que facilita a construção) do templo”, explica.

Também pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), ela salienta que a decisão destaca uma série de problemas técnicos e de transparência apontados ao longo do processo de revisão. O exemplo que cita é a própria alteração em Alto de Pinheiros, incluída quando a revisão estava prestes a ser votada na Câmara Municipal, “sem que qualquer pessoa pudesse conhecer o texto antecipadamente”.

 

Entendimento distinto tem o mercado imobiliário. As duas principais organizações do setor em São Paulo, o Secovi-SP e a Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) defendem que a liminar suspende apenas as alterações nas quadras de Alto de Pinheiros. Portanto, esperam que a suspensão dos processos seja temporária e curta.

Para o vice-presidente do Secovi-SP, Claudio Bernardes, era esperado que a Prefeitura tomasse a decisão de suspender os processos por enquanto até um posicionamento definitivo da Procuradoria Geral do Município. “Creio que essa consulta e a respectiva resposta devem ser rápidas. Caso contrário, se houver demora significativa nessa decisão, por certo o impacto na cidade será enorme”, avalia.

 

“Me parece muito clara a interpretação: simplesmente estendeu os efeitos da liminar anterior e não deve causar grandes impactos na cidade, como a anterior (de setembro, específica de Alto de Pinheiros) não vinha”, diz Bernardes. Também avalia que os processos de revisão e “revisão da revisão” seguiram todos os ritos necessários.

Entendimento semelhante tem Luiz França, presidente da Abrainc, o qual afirma que a decisão teria sido “clara e objetiva” sobre envolver exclusivamente Alto de Pinheiros. “Uma discussão de um Zona Corredor (tipo de zoneamento das quadras questionadas inicialmente na ação) não pode afetar o todo planejamento da cidade”, defende.

Ele evita estimar eventuais impactos caso o entendimento seja de que todo o mapa está suspenso. Admite, contudo, que cada empresa tem um tipo de planejamento e que podem ter feito investimentos desde a vigência da revisão do zoneamento, há um ano.

 

Na decisão, o desembargador Nuevo Campos destaca que a Prefeitura e a Câmara tinham solicitado a extinção do processo, sem julgamento de mérito, além de defendido a constitucionalidade da mudança. Já o MP-SP argumentou que a “revisão da revisão” havia incorrido “nos mesmos vícios de inconstitucionalidade”, tais como ausência de planejamento técnico e participação popular suficientes e, ainda, “violação aos princípios da impessoalidade, da moralidade, da segurança jurídica e da motivação”.

Nuevo Campos assinala, então, entendimento de que a nova lei teria os “mesmos vícios de inconstitucionalidade deduzidos na inicial, sendo idênticos os fundamentos”. “As matérias prejudiciais e as questões de mérito deduzidas pelos requeridos serão apreciadas oportunamente, ao fim da instrução da presente ação direta”, completa.

 

A liminar data de 14 de janeiro, mas não era de conhecimento público até esta quarta-feira, 22. A decisão não diz respeito a outra mudança no zoneamento aprovada pelos vereadores no fim de dezembro, também com alterações em lotes e quadras pontuais, a qual foi integralmente vetada por Nunes nesta semana.

O mapa do zoneamento delimita regras construtivas, de barulho e de uso (residencial, não residencial e suas variações) em toda a cidade. É uma das mais importantes leis municipais, decisiva para a abertura de pedidos de licenciamentos, seja para novos empreendimentos ou para o aval para determinados tipos de estabelecimentos não residenciais, dentre outros.

No ano passado, ao Estadão, a Câmara apontou que a revisão “decorreu de processo legislativo absolutamente correto, no qual foram observadas todas as normas regimentais”. Disse, à época, estar segura de que a ação seria julgada improcedente.

A ação foi aberta após o MP-SP ser procurado pela Associação de Amigos de Alto dos Pinheiros (SAAP), contrária às alterações. Após a mudança no zoneamento, algumas casas vizinhas ao templo foram demolidas pela Igreja em junho.

 

Qual foi a mudança no zoneamento de Alto de Pinheiros?

A mudança está no texto substitutivo da revisão da Lei de Zoneamento, apresentado pouco antes da votação, no fim de dezembro de 2023. Com o novo trecho, cerca de 10 quadras de Alto de Pinheiros perderam a restrição de construção exclusivamente de imóveis baixos, classificadas até então como Zona Corredor (ZCOR) — espécie de “cinturão comercial” de baixa estatura no entorno de Zonas Exclusivamente Residenciais (ZER), como é o caso de grande parte do distrito.

No geral, as alterações de zoneamento abrangem especialmente trechos da Avenida Doutora Ruth Cardoso e do entorno da Praça Arcipreste Anselmo de Oli, nas imediações da Ponte Cidade Universitária e da Marginal Pinheiros. Onde antes poderiam ser construídos imóveis de até cerca de 10 metros, a mudança passou a liberar até 48 metros de altura.

 

A alteração também permite novos tipos de atividades não residenciais. Além disso, facilita a junção de lotes para a formação de um maior terreno, possibilitando empreendimentos de porte superior.

Em 28 de janeiro de 2024, nove dias após a sanção, o prefeito, três então secretários municipais (Marcos Gadelho, de Urbanismo e Licenciamento; Edson Aparecido, de Governo; e Carlos Bezerra Júnior, de Assistência Social) e mais autoridades participaram de um culto na sede da Igreja, quando se agradeceu pela mudança no zoneamento. Nunes também discursou. 

A visita estava na agenda oficial do prefeito, divulgada diariamente. Procurada à época, a Prefeitura não comentou a presença de Nunes e dos secretários no culto. Já a Igreja havia argumentado que “o projeto teve a aprovação de vereadores das alas governistas e de oposição e foi aprovado com ampla maioria no plenário, motivo pelo qual agradeceu os membros do Executivo e do Legislativo”.

A Igreja pleiteava mudanças na vizinhança há anos. Em nota ao Estadão à época da reportagem, apontou que discutia a ampliação do templo desde 2018 e que, depois, “passou a trabalhar mediante interação junto ao processamento dos projetos de revisão do Plano Diretor e, posteriormente, da Lei de Zoneamento”.

 

O Zoneamento e o Plano Diretor são as mais importantes leis urbanísticas da cidade, responsáveis por classificar todas as vizinhanças, fixando o limite de altura de novas construções, o máximo de barulho permitido, locais que receberão incentivos para a verticalização, áreas de proteção ambiental etc.

Com a revisão do zoneamento na Câmara, em 2023, o vereador Isac Félix apresentou a emenda que alterava o entorno do templo. Ele havia justificado, na emenda, que a área teria características de uso, ocupação, sistema viário e relevo que possibilitaram a nova classificação, de Zona de Centralidade (ZC), um “centrinho de bairro”.

 

Na plataforma de tramitação da Câmara, o documento da emenda traz dois arquivos anexos, ambos com “Igreja Presbiteriana” no título, nos quais são mostradas as alterações de zoneamento sugeridas. A mudança foi incorporada ao projeto de lei da revisão, aprovado por 46 dos 55 vereadores. Procurado à época, Félix não respondeu ao Estadão.

Também procurado pelo Estadão, à época, o relator da revisão do zoneamento, o então vereador e hoje secretário municipal Rodrigo Goulart (PSD), respondeu que a proposta foi incorporada após ser apresentada por Félix e passar por avaliação técnica. Destacou não ter relação com a Igreja Presbiteriana e argumentou que a apresentação de emendas e mudanças no dia da votação são prerrogativa de todos os vereadores. 

FONTE: ESTADO DE S.PAULO