Por Daniel Gullino
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu na quinta-feira passada (26) que, quando houver atraso no pagamento de um financiamento imobiliário, os bancos e outras instituições financeiras podem tomar, sem decisão judicial, aquele imóvel que está sendo financiado.
A decisão foi baseada na lei que criou a alienação fiduciária. Mas o que significa esse termo?
A discussão envolve uma lei de 1997 que criou a alienação fiduciária, que é o nome dado a um sistema no qual o próprio imóvel que está sendo comprado pelo mutuário é apresentado como garantia do financiamento. Fica estipulado em contrato que, se o comprador do imóvel não pagar o financiamento, o imóvel fica com o banco.
Inclusive, formalmente, o imóvel pertence ao banco até que seja quitado o financiamento. Só então a escritura definitiva é feita no nome do comprador. A lei prevê que a execução dessa garantia, em caso de inadimplência, é extrajudicial, pode ser feita em um cartório sem a decisão de um juiz.
No entanto, muitos mutuários com débitos abertos recorrem à Justiça para impedir a execução da garantia. Por isso o STF foi provocado a esclarecer a questão.
O relator do caso, ministro Luiz Fux, considerou a lei constitucional e foi seguido pelos ministros Cristiano Zanin, André Mendonça, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Nunes Marques, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso.
Eu entendo que essa previsão legal diminui o custo do crédito, o que considero muito importante, e minimiza a demanda pelo Poder Judiciário, já sobrecarregado — afirmou Barroso.
Edson Fachin apresentou divergência, sendo acompanhado por Cármen Lúcia.
— Continuo a entender que, diante da ponderação entre a proteção do agente financeiro pelos riscos assumidos e a preservação dos direitos fundamentais do devedor, especialmente quando se trata do direito fundamental social à moradia, deve assegurar todos os meios para garantir o melhor cenário protetivo do cidadão e sua dignidade como um mínimo existencial — avaliou.
Caso concreto motivou julgamento
No caso que motivou o julgamento, um homem questionou a alienação de seu imóvel realizada pela Caixa Econômica Federal, alegando que não houve direito à ampla defesa, ao contraditório. A sentença foi mantida pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), e houve recurso para o STF, que foi negado pelos ministros.
A Corte estabeleceu uma tese, que tem repercussão geral, ou seja, terá que ser seguida nos demais casos semelhantes em todo o país. O ministro Nunes Marques disse que a regra dá segurança aos contratos e ressaltou que o devedor pode recorrer à Justiça se considerar que há uma irregularidade.
— Essa solução legislativa impulsionou o mercado imobiliário e deu segurança aos contratos. De resto, se o devedor verificar alguma irregularidade no procedimento, está livre para recorrer ao Poder Judiciário.
'Ônus da judicialização'
Cármen Lúcia, por sua vez, afirmou que o devedor não pode ter o "ônus da judicialização" e também defendeu a proteção do direito à moradia.
Em manifestação apresentada na quarta-feira, no início do julgamento, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) afirmou que a modalidade de alienação fiduciária representa 98,2% do financiamento bancário destinado à aquisição de imóveis, e que em 2020 havia 7 milhões de operações ativas garantidas por esse modelo.
Também na quarta-feira, Fux concordou com os argumentos de que o modelo atual contribuiu para a redução dos custos do setor:
— A exigência de judicialização da execução dos contratos de mútuos com alienação fiduciária de imóveis iria de encontro aos avanços e aprimoramentos no arcabouço legal do mercado de crédito imobiliário, os quais tiveram significativa contribuição para o crescimento do setor e redução dos riscos e custos — avaliou o relator.
(Matéria publicada em 26/10/2023)