Notícias

30/07/2015

O poder do voto nos fundos imobiliários

Para melhor ilustrar como essa valorização ocorreu, dos 68 fundos que compõem o Ifix, 43 deles (63%) tiveram retorno superior ao CDI e somente seis tiveram variação negativa.

Augusto Martins*

O primeiro semestre do ano foi muito positivo para a indústria dos fundos imobiliários (FIIs). O Ifix, índice da bolsa composto por uma cesta de fundos imobiliários, acumulou um retorno de 9,3%, enquanto o CDI do mesmo período ficou em 6,0%, o Ibovespa, em 6,1% e o IMA-B (cesta de títulos públicos indexados à inflação), em 8,4%.

Alguns fatores ajudaram os FIIs, como a maior estabilidade das taxas de juros longas e a menor incerteza quanto à performance das carteiras de imóveis para renda. Com isso, o mercado percebeu que as cotas dos fundos estavam baratas e a correção aconteceu de forma consistente durante o semestre. Para melhor ilustrar como essa valorização ocorreu, dos 68 fundos que compõem o Ifix, 43 deles (63%) tiveram retorno superior ao CDI e somente seis tiveram variação negativa.

Entretanto, os fundos imobiliários vêm mostrando um outro lado que não é mensurável em números: o poder do voto. De forma geral, os fundos têm políticas de investimento e regras bastante objetivas, sendo usualmente necessária uma assembleia com os investidores para discutir e deliberar algumas matérias, assim como acontece num condomínio residencial, por exemplo. 

A bem da verdade, existe um fator em que os FIIs parecem estar atrás dos condomínios, o quórum de participação, mas nem por isso com menor efetividade. Vendas de ativos, novas captações, ofertas públicas, exercício de direito de preferência, enfim, já são diversos os casos em que uma assembleia de um fundo imobiliário ditou os rumos do negócio.

Um bom exemplo de como o voto pode se relacionar diretamente com o retorno dos fundos pode ser visto quando existe um desconto entre o valor do fundo no mercado secundário (Bolsa) e seu valor patrimonial. Este indicador, quando calculado para uma cesta com diversos fundos de escritórios, era de 0,74 em 30 de junho, o que significa que esta cesta tinha valor de mercado 26% inferior ao valor dos ativos imobiliários estabelecidos por laudos de avaliação. Em números, essa carteira negociava em bolsa com preço equivalente a R$ 9.556/m², enquanto o laudo de avaliação apontava para 12.907/m².

Esse desconto é tema recorrente entre os participantes de mercado, que discutem se ele deveria ser visto como um incentivo para os fundos venderem seus imóveis, entregarem os recursos aos cotistas e liquidarem os fundos.

É fato que diversas ofertas já ocorreram para comprar carteiras inteiras de imóveis, no entanto, na maior parte das vezes, a operação não foi concluída. Talvez este seja o caso mais relevante em que o voto tem relação direta com o retorno do fundo e demonstra como os investidores enxergam suas alocações nos fundos. Usualmente, a lógica deste tipo de decisão está relacionada a três itens: o horizonte de longo prazo do investimento, o objetivo de obter retorno com a renda e a dificuldade em encontrar bons ativos imobiliários para realocar os recursos.

Outros casos emblemáticos foram decididos pelo poder do voto. Emissões de cotas já tiveram condições e volumes alterados, aquisição de participações adicionais em empreendimentos foram negadas e até uma oferta pública de aquisição (OPA) foi inviabilizada.

É importante lembrar que voto não é veto, tanto é que existiram casos em que as ofertas foram aceitas, os fundos venderam seus ativos e acabaram liquidados. Em outros casos os fundos fizeram suas emissões e aumentaram seu patrimônio. Já houve até um caso em que o fundo alterou totalmente sua política de investimentos, a remuneração do gestor e - pasmem - a política foi flexibilizada de forma relevante e a taxa de gestão, majorada.

Dois bons exemplos demonstram como esse voto tem ocorrido e como a tomada de decisão, por vezes, tem sido colocada nas mãos dos investidores. Em junho deste ano, o fundo Cyrela Thera Corporate realizou uma assembleia para aprovar uma nova emissão de cotas no valor total de R$ 10,4 milhões. Nessa assembleia, os cotistas aprovaram o formato e as condições da emissão, mas solicitaram a redução do volume pela metade, R$ 5,2 milhões, o que foi finalmente aprovado em julho.

Em uma outra assembleia emblemática, o MSL 13 FII discutiu em julho de 2014 a venda do único ativo do fundo. Essa venda foi aprovada e, posteriormente, o fundo foi liquidado.

De toda forma, um levantamento com alguns fundos captados entre os anos de 2011 e 2012 explica a lógica das decisões: mais de 70% dos investidores permanecem com as suas posições depois de três anos da captação. Esse dado é revelador e demonstra que o investidor entende o racional dos fundos imobiliários no qual investe seus recursos e, assim como no investimento direto em imóveis, as decisões devem ser pautadas pela visão de longo prazo.

A dinâmica do investimento direto em imóveis, na qual o investidor acaba por decidir cada detalhe do negócio, tem encontrado um caminho próprio no primo do mercado financeiro, o fundo imobiliário. Gestores e investidores aprenderam que o melhor caminho é sempre a conversa, mas obviamente, nos casos mais relevantes, o voto estará sempre presente e a vontade dos investidores prevalecerá.

Claro que ainda existem itens para serem disciplinados, até para evitar a percepção de que o investidor pode interferir em tudo e participar da gestão. Afinal, é importante lembrar que os FIIs contam com diversas vantagens e, definitivamente, uma delas é contar com uma gestão profissional.

Enfim, voto não é veto e, nesse diálogo entre gestores e investidores, é a indústria de fundos imobiliários que se fortalece.

*Augusto Martins é sócio da área de investimentos imobiliários da Rio Bravo Investimentos. 

 

FONTE: VALOR ECONôMICO – PáG. D2