Por Marcelo Trindade
Na semana passada foi lançado “Freios e Contrapesos - Independência, controles recíprocos e equilíbrio entre Poderes”, novo livro de Gustavo Binenbojn, editado pela JusPodium. Além da habitual qualidade do conteúdo, Binenbojn conseguiu tratar com profundidade de muitos assuntos relevantes para o país, separando os temas por poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e dividindo-os em artigos curtos.
Dentre os tópicos está o das agências reguladoras, que aparece muitas vezes no capítulo sobre o Poder Executivo, algumas na parte dedicada ao Poder Legislativo, e é ainda tratado pelo estudo de importantes decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) quanto aos poderes do Executivo e do Legislativo em relação às agências.
Também na semana passada realizou-se, em São Paulo, a 13ª edição do Congresso Brasileiro de Direito Comercial, mantendo-se a tradição de um painel inicial ao qual comparecem o presidente da CVM e outros estudiosos do tema do direito do mercado de capitais, como o professor Modesto Carvalhosa.
Para completar, ficou há pouco disponível a conversa de Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central, com o atual presidente, Gabriel Galípolo, que entrevistou seus antecessores no projeto “Conversas Presidenciais”, em celebração aos 60 anos da entidade.
Ao ler o livro de Binenbojn, participar do painel no Congresso de Direito Comercial e assistir à entrevista de Fraga, lembrei muitas vezes do absurdo que o Brasil tem cometido em relação ao financiamento das atividades da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
A CVM é fartamente superavitária, porque a taxa que o Tesouro Nacional arrecada para financiar suas atividades - a chamada taxa de fiscalização - supera em muitas vezes o custeio e os investimentos da autarquia. Mas esses recursos não são repassados à CVM, cujo orçamento corresponde a uma fração deles.
Um olhar retrospectivo revela que o repasse foi a exceção na história da CVM, ao menos desde que a taxa de fiscalização passou a incidir também sobre os fundos de investimento - isto é, sobre nosso dinheiro -, a partir de 2005. Naquele primeiro governo Lula, o repasse para a CVM foi assegurado, mas pouco depois começou a minguar. E, desde então, um volume maior de recursos é retido a cada ano.
No painel do Congresso de Direito Comercial, Marina Copola, diretora da CVM, registrou que as referências à atuação dos servidores da autarquia vêm sempre acompanhadas de adjetivos, como “heroica” ou “hercúlea”, dada a falta de recursos humanos e financeiros. Mas lembrou, com razão, que isso é um mau sinal, pois os servidores deveriam ter os meios adequados para trabalhar sem heroísmo, como qualquer pessoa.
Na entrevista a Galípolo, Fraga associou parte do sucesso do Banco Central à profundidade dos trabalhos de pesquisa e de desenvolvimento de projetos realizados por seus funcionários - a chamada área técnica, isto é, os servidores de carreira, cujo número é adequado, e a remuneração, adequada.
Binenbojn, em seu livro, vai na mesma linha, lembrando que a “valorização dos servidores de carreira, com remuneração e treinamento adequados, também contribuirá para reduzir a instrumentalização dos entes reguladores por interesses políticos subalternos” - e ainda o risco de captura pelos interesses de mercado.
É lamentável, diante disso, o Senado, a quem cabe sabatinar os dirigentes da CVM, e portanto conferir, nas palavras de Binenbojn, “maior lastro de legitimidade democrática na escolha do indicado” pelo governo, não se dedique a acompanhar, por sua Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), a crise que abate a CVM e interceder por sua solução.
Também entristece a omissão das entidades de classe, que reúnem os agentes econômicos do mercado de capitais, em postular com firmeza ao governo - ou, se for o caso, ao STF - que os recursos pagos pelos contribuintes da taxa de fiscalização - tributo vinculado pago pelos investidores - cheguem ao seu destino.
É verdade que o Partido Novo ajuizou uma ação no STF sobre o tema. Mas o pedido, surpreendentemente, não foi de repasse dos recursos pagos pelos contribuintes à CVM, para viabilizar os serviços de supervisão do mercado, e sim que o pagamento da taxa de fiscalização fosse suspenso.
É claro que estruturas robustas de funcionalismo público correm o risco de desviar suas demandas do interesse público para o corporativismo. Mas esse certamente não é o caso da CVM: trata-se de falta de pessoal e de financiamento, mesmo com recursos arrecadados para tal finalidade.
A CVM é financiada pelo nosso dinheiro, para supervisionar os agentes a quem entregamos o nosso dinheiro - isto é, a poupança popular. Por isso mesmo, tratando-se de fazer o nosso dinheiro chegar ao destino, o enfrentamento da questão depende da mobilização da sociedade, e eventualmente da judicialização, para que uma solução seja alcançada e finalmente preservada.