A crise do coronavírus e a recuperação econômica posterior estão levando os mercados imobiliários a situações desconhecidas desde 2008, à antessala do estouro da bolha imobiliária que deu lugar à Grande Recessão. Uma análise com dados da companhia financeira Bloomberg o demonstra. “O extraordinário estímulo que ajudou a colocar a economia global em pé novamente também está alimentando um novo problema: as bolhas imobiliárias”, escreve a economista Niraj Shah, autora do relatório.
O estudo analisa cinco variáveis de risco —a relação entre os preços dos imóveis e o valor dos aluguéis, a relação entre os preços dos imóveis e a renda, crescimento real dos preços, o crescimento nominal dos preços e crescimento do crédito em termos anuais— para prever a possibilidade do estouro de uma bolha imobiliária. E elabora uma classificação por países em função do risco que enfrentam. Nos três primeiros lugares figuram Nova Zelândia, Canadá e Suécia, que estão na zona vermelha em praticamente todos os indicadores. Noruega, Reino Unido, Dinamarca e Estados Unidos “não estão muito distantes” dos primeiros, enviando igualmente sinais preocupantes.
A classificação dos 10 primeiros é completada por Bélgica, Áustria e França, com a Espanha longe do topo (ocupa a 17ª posição), atrás de países como Alemanha, Holanda, Portugal e Suíça. No caso espanhol, o maior risco foi detectado no crescimento do crédito —”um indicador de problemas futuros”—, que é o quarto mais elevado, atrás apenas de França, Noruega e Colômbia. A Espanha pontua na zona média de risco na relação dos preços tanto com os aluguéis quanto com a renda, dois indicadores que dão pistas sobre a sustentabilidade do crescimento do mercado e que na maioria dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE, que agrupa 38 das economias mais ricas do planeta) está ultrapassando os níveis de 2008. Mas o mercado imobiliário espanhol está claramente no verde, a zona de menor risco, em termos de crescimento nominal (sem descontar a inflação) dos preços, com o valor mais baixo dos 20 primeiros países da tabela: 1,7%.
Um “coquetel de ingredientes”
O relatório descreve bem a situação que fez com que “a avaliação de risco esteja dando sinais de alerta de uma intensidade nunca vista desde os prolegômenos da crise financeira de 2008”. O coronavírus, explica, trouxe um “coquetel de ingredientes” em que não faltam juros baixos, estímulos fiscais “sem precedentes”, poupança forçada pelo confinamento pronta para ser utilizada, limitação da oferta de moradias e “expectativas de uma recuperação robusta da economia global”. Somam-se a isso “dinâmicas específicas de trabalho” que levaram muita gente que trabalha à distância a procurar moradias com mais espaço, bancos que flexibilizaram as condições de crédito para os tomadores mais solventes e governos que incentivaram a compra de imóveis com isenção de impostos.
Apesar de tudo isso, a autora do estudo evita cair no fatalismo e ressalta que “embora a métrica de riscos cresça, há motivos para esperar que o próximo período seja caracterizado mais por um esfriamento do que por um colapso”. A chave será o momento em que as taxas de juros começarem a subir e os empréstimos ficarem mais caros, quando “a resiliência do boom imobiliário será posta à prova”.
A lembrança de 2008
A favor disso estão sendo tomadas medidas em muitos países, como reduzir os riscos hipotecários (emprestando um percentual menor do valor do imóvel que é usado como garantia) ou retirar incentivos fiscais aos investidores em imóveis, algo que a Nova Zelândia já fez. O relatório lembra que muitas isenções fiscais, que durante a crise do coronavírus ajudaram a sustentar o mercado, serão extintas em breve, o que “poderia aumentar gradualmente a oferta de moradias e conter o aumento dos preços”.
Mas o risco de uma explosão abrupta existe e “é maior quando há uma alta sincronizada, como é o caso do ciclo atual”. Em 55 dos 56 mercados analisados os preços dos imóveis estão subindo e o índice de preços da habitação do Fundo Monetário Internacional (que engloba 57 países) está acima do nível de 2008 e com sinais de continuar subindo. Sinais preocupantes porque no fim das contas, como adverte o relatório, “não é preciso muita memória para lembrar um tempo em que o crescimento descontrolado dos preços provocou uma crise”.