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20/08/2025

Leilão de Cepacs da Faria Lima vende 57,6% da oferta de títulos, sem ágio – Valor Econômico

Expectativa de um leilão altamente disputado não foi cumprida; mercado acusa preço alto e insegurança jurídica

 

Por Ana Luiza Tieghi

O leilão de Certificados de Potencial Adicional de Construção (Cepacs) na Operação Urbana Faria Lima frustrou as expectativas de uma disputa acirrada com ágio sobre o preço mínimo estabelecido, de R$ 17,6 mil. O certame, que ocorreu na sede da B3, nesta terça-feira (19), terminou com 94,8 mil títulos vendidos, ou 57,6% do total disponibilizado, ao preço mínimo.

Para o prefeito Ricardo Nunes (MDB), foi “um grande sucesso”. O leilão gerou R$ 1,67 bilhão em recursos, que serão totalmente destinados para Paraisópolis e comunidades no seu entorno — elas passaram a integrar a Operação Urbana Faria Lima após uma revisão feita no ano passado. Nunes destacou que foi o maior volume gerado em um leilão de Cepacs, um pouco acima dos R$ 1,64 bilhão captados com o leilão de 2019, também para a operação na Faria Lima.

Os Cepacs permitem que se construa além do potencial pré-definido para a região. A operação ainda tinha 250 mil metros quadrados de potencial construtivo para serem vinculados aos 218,5 mil Cepacs disponíveis — agora, pouco menos de 124 mil. A proporção entre certificados e metros quadrados não é de um para um, e varia conforme a região da operação e o tipo de uso.

O preço mínimo foi o mesmo do último leilão, de 2021, que vendeu 10,3 mil dos 12,1 mil certificados disponibilizados. Foi também o valor final do certame realizado em 2019, quando a disputa pelos papéis levou a um ágio de 169% no preço e instituiu o novo patamar.

Sem ágio já é caro

Para advogados imobiliários e profissionais de incorporação consultados pelo Valor, parte da frustração de expectativas veio do preço. A outra parte veio da insegurança jurídica. Já a atratividade para se construir na região da Faria Lima não é questionada.

Como afirma João Azevedo, diretor de operações da Trisul, o mercado de edifícios corporativos está “embaixo d’água há muitos anos” e os fundos imobiliários estão com dificuldade de fazer captação, por causa da taxa de juros. Isso, somado ao preço dos Cepacs, dificulta a viabilização de novos projetos. “Tem que cobrar um aluguel de R$ 400 ou R$ 500 por metro quadrado para viabilizar, mas será que vai ter [ocupante]?”, questiona Marcos Lopes Prado, advogado especializado em direito urbanístico e imobiliário e sócio do escritório Cescon Barrieu.

Não à toa, empresas que já têm projetos residenciais para a região foram às compras, como Even e Trisul. O mercado residencial de alto padrão tem uma elasticidade maior para o preço cobrado. Azevedo, porém, acredita que será mais comum ver prédios de uso misto, com residencial aliado ao corporativo ou comercial. “Para fechar a conta, tem que usar tudo, ou fazer um alto padrão caríssimo”, diz.

A Lucio também comprou Cepacs para um projeto residencial, embora vá utilizá-los também em um corporativo na área, que é seu espaço geográfico preferido. “Gostamos da região, é resiliente”, afirma Renan Lucio, vice-presidente da incorporadora. Segundo fontes, a JHSF também comprou Cepacs para aumentar seu projeto Shops Faria Lima, mas a empresa não confirma.

Na sexta-feira (15), o Tribunal de Contas do Município (TCM) recomendou que o preço dos Cepacs fosse reajustado pelo índice IPC-Fipe, o que elevaria o valor deles para R$ 21,3 mil. “Provavelmente não teríamos entrado a esse valor”, diz Azevedo.

Possível mudança de preço

Em coletiva de imprensa após o leilão, Nunes afirmou que a prefeitura não tem obrigação de repetir o mesmo preço no próximo leilão, nem corrigi-lo pela inflação, abrindo margem para uma revisão. Segundo ele, o pré-requisito é fazer um “estudo financeiro”, que poderia colocar o preço em qualquer patamar. Para Nathalia Lopes, advogada especializada no setor imobiliário e sócia do Bicalho Navarro, fazer isso seria procurar uma “briga grande”.

Sergio Belleza, diretor de transações e negócios imobiliários da Binswanger Brazil, também considera improvável uma revisão. Ele lembra que um corte no preço de Cepacs só ocorreu uma vez, na Operação Urbana Água Espraiada, após um leilão em 2008 no qual o papel subiu 170%.

Segundo ele, uma revisão similar no preço dos certificados na Faria Lima deveria ter sido pedida em 2019. “Depois que já fizeram mais dois leilões a esse preço, dificilmente teria ambiente para baixar”.

Por isso, a falta de ágio foi vista como positiva por Olivar Vitale, sócio do escritório VBD Advogados.

Bônus polêmico

O ingrediente da insegurança jurídica surgiu também na sexta-feira, quando a Procuradoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo abriu uma ação de direta de inconstitucionalidade (ADI) pedindo uma liminar para suspender o bônus de 30% para os Cepacs que forem usados em regiões de Eixo de Estruturação Urbana na operação — no entorno de corredores de ônibus e estações de metrô e trem. Algo similar já consta no Plano Diretor da cidade e, para a prefeitura, o bônus só estava igualando os incentivos.

Para a procuradoria, porém, era uma “renúncia na ordem de R$ 174 milhões” para a operação. A liminar foi acatada no sábado e derrubada apenas na segunda-feira (18). “Pode ter gerado algum desconforto no mercado, ele gosta de segurança jurídica”, disse Nunes.

A liminar foi suspensa, mas a ação ainda será julgada, o que significa que o bônus de 30% ainda pode ser derrubado. “Tudo isso somado, começamos a ouvir na última semana incorporadores dizendo que estava difícil fechar a conta”, afirma Prado. Belleza também diz que parte dos seus clientes preferiu ficar de fora da disputa devido ao barulho.

A data do leilão dos Cepacs remanescentes ainda será definida. Para Lopes, não deve ocorrer antes do julgamento da ADI. Ela afirma, porém, que não é do interesse do poder público demorar demais para realizar a disputa, já que a Operação Urbana só pode terminar quando os papéis se esgotarem.

Compradores representados pelo Itaú deram o maior lance do leilão, de R$ 45 mil por certificado. Já o maior comprador de títulos foi a corretora Ágora, do Bradesco, seguida por BTG, Itaú, Genial, Safra e XP.

 

FONTE: VALOR ECONôMICO