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14/03/2023

Juro do crédito imobiliário chega a quase 11% e preocupa empresas; entenda impacto para o consumidor (Estado de S.Paulo)

O ambiente de juros altos da economia brasileira, com a taxa Selic em 13,75% ao ano, combinado à onda crescente de saques das cadernetas de poupança, levou os bancos privados a subirem a taxa dos financiamentos imobiliários nas últimas semanas.

O ambiente de juros altos da economia brasileira, com a taxa Selic em 13,75% ao ano, combinado à onda crescente de saques das cadernetas de poupança, levou os bancos privados a subirem a taxa dos financiamentos imobiliários nas últimas semanas. O quadro ligou o sinal de alerta para as incorporadoras imobiliárias, que esperam mais dificuldade para as vendas daqui em diante, com os compradores mais assustados com o custo do crédito.

 

A taxa média de juros do crédito imobiliário chegou à faixa dos dois dígitos no segundo semestre do ano passado - algo que não se via desde 2016 -, e segue ganhando corpo neste ano. Dados do Banco Central mostram que essa taxa bateu em janeiro, em média, a marca de 10,74% ao ano. O patamar é consideravelmente maior do que o registrado nos mesmos meses de 2022 e 2021, quando estavam em 9,41% e 6,98%, respectivamente.

 

O crédito mais caro afugenta potenciais compradores de imóveis - até porque esse é em geral um financiamento de prazo muito longo. Com isso, o setor de construção começa a ligar o sinal de alerta. A expectativa é que as vendas de imóveis, principalmente de médio e alto padrão, sejam mais demoradas neste ano, afirmou o presidente da Comissão da Indústria Imobiliária da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), Celso Petrucci. “Teremos um cenário de financiamento mais difícil em 2023″, afirmou.

 

O quadro, no final do ano passado, já indicava que o setor entraria em 2023 em desaceleração. De acordo com pesquisa da CBIC, os lançamentos de imóveis no País no quarto trimestre tiveram queda de 23,1% em relação ao mesmo período de 2021, indo para 80.198 unidades. No acumulado de 2022, os lançamentos recuaram 8,6% frente a 2021, para 295.447 unidades.

 

Por sua vez, as vendas de imóveis baixaram 9,6% no quarto trimestre de 2022 perante o mesmo período de 2021, para 74.119 unidades. No acumulado do ano, as vendas de imóveis no País diminuíram 3,2% em comparação com o ano anterior, para 314.305 unidades.

 

Compra adiada

 

Com os juros dos financiamentos imobiliários beirando 11% ao ano, o consumidor que conseguir adiar a compra da casa própria, aguardando algum recuo na taxa, poderá fazer um bom negócio e deixar de desembolsar cifras expressivas.

 

”Como o financiamento imobiliário é de alto valor, qualquer queda de meio ponto porcentual na taxa de juros tem um impacto muito grande no valor da prestação e no total desembolsado”, diz Miguel Ribeiro de Oliveira, diretor executivo da Associação Nacional de Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac).

 

Em um financiamento imobiliário de R$ 500 mil, por exemplo, contratado por um prazo de 30 anos, a economia pode chegar a 6% (ou cerca de R$ 70 mil) ao final do período, se a taxa de juros do crédito imobiliário cair apenas um ponto porcentual, de 10% ao ano para 9%, calcula o economista. O empréstimo com juros de 10% ao ano ficaria em R$ 1.221.966,17 e com juros de 9% ao ano sairia por R$ 1.150.460,92. ”Diante de juros tão elevados, recomendo que o consumidor aguarde um pouco”, afirma.

 

Além das taxas elevadas, ele aponta outros fatores que devem ser considerados antes de assumir um empréstimo imobiliário. Um deles é que a taxa contratada do financiamento é mantida do início ao fim do contrato, mesmo que ocorram reduções nos juros praticados no mercado ao longo do período. Por isso, o risco é elevado de fechar um financiamento quando as taxas de juros estão no pico. Além disso, neste momento, há um ambiente de muita incerteza pela frente na economia, argumenta.

 

O diretor da Anefac observa que o desemprego diminuiu, mas ainda está em níveis elevados, a inflação desacelerou, porém continua corroendo o poder de compra do brasileiro. Com isso, os juros devem continuar elevados, mas a tendência é que as taxas recuem, provavelmente a partir do segundo semestre.

 

”Os juros tendem a cair mais para frente na medida em que o Banco Central começar a reduzir a Selic e as expectativas da economia se configurarem com crescimento e baixo risco de inflação”, diz. Ele considera, no entanto, pouco provável que os juros dos financiamentos imobiliários voltem para os níveis do passado, quando a taxa anual girava em torno de 7%.

 

Liberação de compulsório

 

De olho nessa questão dos juros altos, a Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) encaminhou ao Banco Central (BC) uma proposta de redução de 5% no compulsório bancário. O objetivo seria direcionar esse dinheiro para abastecer os financiamentos de imóveis e incentivar uma possível redução das taxas de juros.

 

A medida, se confirmada, representaria uma injeção de R$ 38 bilhões em recursos no mercado imobiliário, disse o presidente da Abrainc, Luiz França, ao Estadão/Broadcast. “Com isso, a pressão sobre a taxa não existiria mais, pois haveria funding (recurso) disponível aos bancos para fazerem o mesmo volume de financiamentos do ano passado”, explicou.

 

Os financiamentos foram recordes em 2021 (R$ 205 bilhões) e tiveram a segunda melhor marca da história em 2022 (R$ 179 bilhões). Já para este ano, a projeção é de ficar na faixa de R$ 156 bilhões, de acordo com projeções da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip).

 

Um detalhe da proposta é que essa flexibilização do compulsório seja usado para financiar somente imóveis novos, deixando de fora os usados. “É nos imóveis novos que está a geração de empregos e se movimenta a economia”, argumentou o presidente da Abrainc. Segundo ele, os R$ 38 bilhões poderiam se traduzir em 160 mil apartamentos, 900 mil empregos e R$ 10 bilhões em impostos. A proposta da Abrainc foi entregue semana passada ao BC, que ficou de avaliar.

 

Efeito Selic

 

Em fevereiro, os três maiores bancos privados do País, Itaú Unibanco, Bradesco e Santander, aumentaram as taxas em aproximadamente 0,5 ponto porcentual, enquanto Caixa Econômica Federal (líder de mercado) e Banco do Brasil (com fatia pequena do mercado) mantêm os valores inalterados desde o começo do segundo semestre do ano passado.

 

“Todos os bancos tiveram de acabar alterando taxas ou vão alterar. Fizemos um movimento bem recente para todos os segmentos”, disse o diretor de crédito imobiliário do Itaú Unibanco, Thales Ferreira Silva.

 

A principal razão para esse movimento é a trajetória dos juros da economia brasileira. A Selic ficou em patamares elevados por mais tempo que o esperado devido à inflação relativamente alta e à indefinição da âncora fiscal pelo governo. Trata-se de uma reversão negativa das expectativas, uma vez que o movimento esperado era de queda da Selic neste ano - mas isso não está mais tão claro.

 

Outro ponto importante é o encarecimento das fontes de recursos que os bancos usam para conceder empréstimos. A mais comum é a poupança, que tem vivido uma onda de saques. Desde o ano passado, a caderneta já perdeu R$ 100 bilhões. Paralelamente, o setor vem de dois anos de demanda aquecida. Os financiamentos foram recordes em 2021 (R$ 205 bilhões) e tiveram a segunda melhor marca da história em 2022 (R$ 179 bilhões). Ou seja, consumindo os recursos das cadernetas.

 

Para não deixar de emprestar, os bancos passaram a buscar dinheiro em outras fontes do setor imobiliário, como as letras de crédito (LCI e LIG) e os certificados de recebíveis (CRI). Com isso, a poupança perdeu espaço no bolo. A caderneta respondeu por 40% do crédito imobiliário em 2022 contra 46% em 2021. Já os demais instrumentos chegaram a 34%, ante 27% no ano anterior, de acordo com dados da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip). O restante vem do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) - segmento em que as taxas são reguladas.

 

Com custo de captação maior, esses instrumentos tiveram como efeito colateral a alta nas taxas cobradas dos consumidores. Há, entretanto, expectativa de que não vá faltar dinheiro para empréstimos, embora exista tendência de redução dos volumes. Para este ano, a Abecip projeta queda de 13% na liberação de empréstimos para a compra e a construção de residências, atingindo R$ 156 bilhões.

 

“Espero que 2023 seja o terceiro melhor ano para o crédito imobiliário, mas notadamente já existem sinais de arrefecimento”, afirmou Silva, do Itaú Unibanco.

 

“Tem funding? A resposta é sim”, disse o diretor de crédito imobiliário do Santander, Sandro Gamba. “Continuaremos atendendo o mercado, mas com uma composição menor de poupança e um peso maior de outros instrumentos, que têm um custo maior. Aí, vamos trabalhar de acordo com a demanda.”

FONTE: ESTADO DE S.PAULO