Chiara Quintão
As incorporadoras de capital aberto tiveram prejuízo líquido de R$ 262,19 milhões no segundo trimestre, ante o lucro líquido de R$ 483,58 milhões obtido um ano atrás. Com menos lançamentos e vendas, a receita líquida caiu 16,9%, para R$ 6,32 bilhões. O setor lançou, em conjunto R$ 3,2 bilhões e vendeu R$ 4 bilhões, com retrações de 38% e 21%, respectivamente, na comparação anual.
A concentração de boa parte da comercialização em unidades prontas fez com que a receita fosse superior à venda do período.
No primeiro semestre, os lançamentos somaram R$ 4,94 bilhões, o correspondente à metade de um ano antes, enquanto as vendas encolheram 27%, para R$ 7,43 bilhões. Das 17 incorporadoras listadas em bolsa, sete não fizeram nenhum lançamento até junho - Tecnisa, Rossi Residencial, Viver, Brookfield Incorporações, CR2, JHSF e João Fortes. Foram considerados somente os dados da divisão de incorporação da JHSF.
O desempenho operacional das incorporadoras listadas em bolsa continuará fraco neste semestre e em 2016, na avaliação do mercado, com recuperação somente no médio prazo. Há quem diga até que o pior momento para o setor ainda não chegou, pois a demanda por imóveis depende dos indicadores de emprego e renda e da taxa de juros. É esperada ainda defasagem entre o momento em que a economia melhorar e a retomada maciça dos lançamentos, pois as incorporadoras precisarão reforçar bancos de terrenos e aprovar projetos.
A Cyrela, maior incorporadora de capital aberto do país, divulgou que seus lançamentos, neste ano, serão menores do que em 2014. Conforme o diretor financeiro, Eric Alencar, o foco estará na venda de estoques em 2015 e no próximo ano. Os estoques prontos da Cyrela tendem a continuar crescendo, segundo Alencar. Independentemente de o cenário melhorar ou piorar, a Cyrela tem de vender estoques, de acordo com o executivo. "Temos que fazer o que é certo em qualquer cenário", disse Alencar.
A Tecnisa pode encerrar 2015 sem apresentar nenhum novo projeto, o que dependerá das condições de mercado, conforme o diretor financeiro e de relações com investidores da companhia, Vasco Barcellos. Conforme o Valor apurou, a PDG não deve lançar mais nada, neste ano, além dos R$ 23 milhões do primeiro trimestre.
A Even reduziu seus lançamentos em 75,6% no primeiro semestre e também foca a venda de estoques. Mas "é provável", conforme o diretor financeiro e de relações com investidores da Even, Dany Muszkat, que a companhia faça algum lançamento no terceiro trimestre. Na divisão Gafisa, "haverá momentos para lançamentos no segundo semestre, mas a postura é de cautela", de acordo com o diretor financeiro e de relações com investidores, André Bergstein.
Já a Tenda, divisão de baixa renda da Gafisa, tem intenção de lançar R$ 1 bilhão no ano. No semestre, a divisão lançou R$ 467,72 milhões, com expansão de 67%. A Tenda atua somente na faixa 2 do programa habitacional Minha Casa, Minha Vida, segmento financiado com recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e não afetado pelas restrições de crédito imobiliário. A MRV, que tem a maior parte de seus projetos nas faixas 2 e 3 do programa, teve receita líquida recorde de R$ 1,3 bilhão no trimestre.
Analistas ressaltam que incorporadoras voltadas aos padrões médio e alto sentirão, na totalidade do segundo semestre, as restrições de crédito imobiliário anunciadas em maio pela Caixa Econômica Federal. Isso tende a gerar novos distratos e a pressionar ainda mais os estoques. Os bancos privados estão abocanhando apenas uma fatia que deixou de ser atendida pela Caixa e também elevaram as taxas de juros e reduziram a parcela financiada.
Para diminuir o impacto das restrições de crédito, incorporadoras têm oferecido financiamento direto aos clientes. Entre as empresas que proporcionam a modalidade estão Cyrela, EZTec, Gafisa, Tecnisa, Even, Helbor e JHSF. A Cyrela, por exemplo, tem linha de financiamento direto de até 80% do valor do imóvel, pelo prazo máximo de 200 meses, além de adotar medidas como apresentar o cliente a outros bancos quando o crédito é negado por uma instituição.
De janeiro a junho, os lançamentos somaram R$ 4,94 bilhões, o correspondente à metade de um ano atrás
As incorporadoras mantêm apostas também em descontos e facilidades de pagamento para incentivar a compra de imóveis. O diretor superintendente da Rossi, Leonardo Diniz, divulgou que as margens continuarão pressionadas, no curto prazo, pelos descontos para acelerar as vendas. Os abatimentos são "mais agressivos", de acordo com Diniz, em unidades prontas ou quase concluídas.
Há quem avalie que, para melhorar o equilíbrio entre oferta e demanda, é preciso um ajuste de preços médios do setor.
Para baixar estoques, as empresas têm lançado mão ainda de medidas criativas. Até abril de 2016, quem comprar uma unidade da Even pode acumular pontos no programa de fidelidade da Multiplus, controlada pela TAM. Neste mês, o comprador ganha 100 mil pontos ao adquirir qualquer imóvel em São Paulo e, se visitar um projeto da empresa, mas comprar unidade de concorrente, tem 20 mil pontos. A parceria oferece pontos aos corretores a cada venda e aos colaboradores que indicam clientes. A campanha é complementar aos descontos oferecidos.
Os abatimentos pressionam as margens das companhias, mas contribuem para geração de caixa e para reduzir a alavancagem do setor medida pela relação entre dívida líquida e patrimônio líquido. Ainda assim, houve quem elevasse sua alavancagem no segundo trimestre na comparação com um ano antes, caso da Rossi, cujo indicador passou de 91,8% para 106,4%. Já PDG e Tecnisa obtiveram melhora do indicador, mas continuam com patamar elevado. Na PDG, o índice caiu de 130,9% para 110,4% e, na Tecnisa, passou de 131,8% para 113%.
A PDG anunciou início do processo de reestruturação de suas dívidas. A empresa contratou o Rothschild para assessorá-la na readequação do perfil da dívida, no reforço do capital de giro e fortalecimento da estrutura de capital.
Ainda não está claro qual será o novo tamanho do setor de incorporação. Empresas continuam a cortar pessoal para adequar as respectivas estruturas às novas necessidades de lançamentos e reduzir despesas gerais e administrativas. A Rossi demitiu 200 funcionários no primeiro semestre, o correspondente a 20% do quadro administrativo e readequou as áreas de escritório ocupadas.
A PDG Realty cortou 23% do quadro de funcionários no segundo trimestre ante o primeiro trimestre e continuará a ajustar sua estrutura conforme a necessidade da operação. Desde 2014, a Tecnisa vem fazendo cortes de pessoal - a maior parte concentrada no fim do ano e início de 2015 - e novas demissões irão ocorrer.
No segundo trimestre, a Gafisa fez cortes de pessoal, mas o patamar não foi informado. A estrutura continuará a ser ajustada. A folha de pagamento da EZTec foi reduzida em 35% desde início do ano passado, período em que o número de canteiros de obras ativos caiu de 33 para 24.