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02/04/2020

Incorporadora tem caixa para enfrentar crise

Maior parte das empresas listadas em bolsa tem fôlego para cumprir suas obrigações nos próximos meses

Depois de apresentar desempenhos no quarto trimestre e no consolidado de 2019 que, em sua maioria, agradaram ao mercado, as incorporadoras de capital aberto devem reportar, nas duas próximas divulgações de balanços, resultados afetados pelos impactos da pandemia do coronavírus. A expectativa é que os números do segundo trimestre sejam os mais atingidos, considerando-se a queda de vendas decorrente da suspensão de lançamentos imobiliários, a qual se reflete na composição da receita, das margens e, consequentemente, dos resultados líquidos. Por outro lado, analistas ouvidos pelo Valor consideram que a situação de caixa e alavancagem da maior parte das incorporadoras listadas possibilita fôlego para fazer frente às necessidades dos próximos meses.

 

Nos últimos anos, o setor reduziu sua alavancagem medida por dívida líquida sobre patrimônio líquido. Levantamento realizado pelo Valor Data aponta que o indicador consolidado das incorporadoras de capital aberto foi de 42,4%, em 2019, abaixo dos 59,9% de 2018. No ano passado, incorporadoras como EZTec, Helbor, Tecnisa e Trisul reforçaram caixa por meio das respectivas ofertas adicionais de ações (follow-on). Em 2020, duas ofertas iniciais de ações (IPOs na sigla em inglês) foram realizadas, a da Mitre Realty e da Moura Dubeaux. Desde novembro de 2009, quando a Direcional Engenharia abriu capital, não havia uma movimento semelhante de incorporadora no país.

 

“Vejo as incorporadoras queimando caixa no segundo trimestre”, diz o analista de mercado imobiliário do Itaú BBA, Enrico Trotta, citando que o consumo de caixa ocorrerá, principalmente, pelas empresas com foco nas rendas média e alta. Ele ressalta que não se sabe qual será o tempo de confinamento, os lançamentos de projetos foram interrompidos e as vendas caíram, mas as companhias continuarão a ter desembolsos com despesas gerais e administrativas, despesas financeiras e amortização de dívidas.

Nas estimativas de Trotta, a alavancagem das incorporadoras listadas deve crescer de dois a seis pontos percentuais no segundo trimestre. “Mas o setor ainda tem caixa para, pelo menos, mais seis meses sem dificuldades”, afirma o analista do Itaú BBA. O especialista destaca que, na última crise, as companhias aprenderam a evitar dívidas corporativas, que precisam ser pagas independentemente de haver ou não vendas, elevando a parcela dos financiamentos à produção no total dos vencimentos.

 

“Das empresas da minha cobertura, Helbor é a que tem a maior alavancagem, mas a companhia tem um controlador forte, que é acionista relevante do Bradesco. Não vejo o setor em situação delicada de liquidez”, diz Trotta. O mercado mantém o monitoramento da alavancagem de algumas companhias, como a Gafisa, que passou por reestruturação recente. Vale lembrar que Rossi Residencial, PDG Realty e Viver Incorporadora estão com patrimônio líquido negativo.

 

No novo ambiente de negócios do país, um dos principais desafios é a saúde financeira das empreiteiras que são contratadas pelas incorporadoras para a prestação de serviços nas obras dos empreendimentos. Há preocupação se as prestadoras de serviços irão sobreviver, considerando-se a possibilidade de suspensão de pagamentos por parte de construtoras de menor porte e a interrupção de obras em alguns mercados. Em São Paulo, as obras prosseguem, mas há suspensão por decretos públicos no Ceará, em Goiás, Pernambuco e no Rio Grande do Sul. Pesquisa realizada pela Associação Brasileira das Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) com seus 40 associados aponta que 700 obras estão em andamento e 116 foram interrompidas em decorrência de restrições municipais ou estaduais.

 

Outro ponto de atenção do setor é o ritmo dos repasses dos recebíveis dos clientes para os bancos, pois os cartórios estão em regime de plantão, com possibilidade de atendimento presencial ou virtual. No Estado de São Paulo, o prazo máximo para os registros imobiliários foi suspensos e, nos demais, dobrado.

Desde 20 de março, incorporadoras deixaram de fazer lançamentos, na capital paulista, maior mercado imobiliário do país, devido à interrupção do acesso ao público nos estabelecimentos comerciais, por decreto do prefeito Bruno Covas (PSDB). A apresentação de novos projetos se tornou mais desafiadora também porque a Prefeitura de São Paulo suspendeu concessão de licenças.

 

Incorporadoras têm reforçado suas equipes de venda online, mas a comercialização de imóveis sem visitação, principalmente daqueles dos padrões médio e alto, é considerada bastante desafiadora. Como a compra de imóveis pelo segmento depende, diretamente, da confiança do consumidor, espera-se que essa faixa seja a mais afetada pelas consequências da disseminação do coronavírus.

“Na baixa renda, a aquisição significa trocar o aluguel pela prestação de um apartamento”, diz um analista que pediu para não ser identificado. Ele cita que, em janeiro e fevereiro, havia expectativa de manutenção do cenário do ano passado. “Agora, ninguém sabe, exatamente, o que vai acontecer em termos de vendas. O problema não é as incorporadoras ficarem de um a três meses sem lançar produtos, mas o que acontece depois”, acrescenta o especialista.

 

Para Trotta, do Itaú BBA, há também o risco de distratos de apartamentos compactos dos padrões médio e alto, que responderam por parcela relevante dos lançamentos dos dois últimos anos na capital paulista. Boa parte desses imóveis vinha sendo comprada por investidores. “As incorporadoras ainda iriam fazer lançamentos desse tipo de produto. Em um cenário em que a confiança caiu, será preciso mudar os projetos”, diz Trotta.

FONTE: VALOR ECONôMICO