Na área onde por mais de 80 anos funcionou a fábrica fundada pelos irmãos Nadir e Morvan Dias de Figueiredo há apenas vestígios do que antes eram os armazéns. A Nadir Figueiredo saiu da Vila Maria, bairro na zona norte de São Paulo, em 2013. Em fevereiro daquele ano, o último forno foi desligado e a produção de peças como o icônico copo americano foi transferida para Suzano, na Grande São Paulo. Por um vão em um dos portões, ainda hoje é possível ler numa placa: "Seja bem-vindo a esta empresa, onde o nosso compromisso com a qualidade inclui você!"
A venda desse terreno, e de outros menores também na região, passará a ser o principal negócio dos herdeiros de Nadir e Morvan agora que o controle da companhia centenária foi assumido pela gestora americana H.I.G. Capital. A conclusão da venda foi anunciada na noite de segunda-feira pela Nadir Figueiredo e na manhã de ontem pela gestora. Os imóveis que pertencem à terceira geração da família somam quase 118 mil metros quadrados, equivalentes a 16 campos de futebol, com valor de mercado de, pelo menos, R$ 188 milhões, segundo fontes ouvidas peloValor.
Às margens da Marginal do rio Tietê, a área principal tem quase 87 mil metros quadrados e é vizinha de um hipermercado e de lojas de material de construção. Cada metro quadrado do terreno vale, ao menos, R$ 1,6 mil, segundo especialistas do setor imobiliário.
Em julho, quando foi anunciado que a H.I.G. Capital pagaria R$ 836,2 milhões pela fabricante de utensílios domésticos, a administração da Nadir Figueiredo informou que, antes da venda ser concluída, faria a cisão parcial dos negócios, com a separação de ativos não relacionados à atividade principal. A proposta foi aprovada por acionistas no dia 31 de julho.
Desde então, os terrenos passaram a ser propriedade de uma nova empresa chamada de Caaci Imobiliária, da família Figueiredo, que se dedicará à compra, venda, permuta, administração e locação de bens imóveis. A gestora H.I.G. ficará com o negócio de utensílios de vidros e não terá relação com os imóveis, segundo Fernando Marques Oliveira, presidente do H.I.G. Capital para o Brasil e a América Latina.
Os herdeiros tentam se desfazer dos ativos há tempos. Em 2012, os acionistas aprovaram a venda dos imóveis ou a realização de uma parceria para a construção de um empreendimento imobiliário. A família, no entanto, nunca chegou a um acordo com compradores. Procurada, a família não comentou.
Segundo uma pessoa que negociou a compra dos terrenos há dois anos, o acordo não foi fechado porque um dos herdeiros queria que o pagamento fosse feito em dinheiro. Em negócios desse tipo, no entanto, é mais comum que seja oferecida algum tipo de compensação financeira, como o recebimento de parte do valor geral de vendas de um empreendimento imobiliário.
Na época, a família começou a oferecer o ativo por R$ 2,5 mil o metro quadrado, mas reduziu o preço a R$ 1,8 mil, disse a mesma pessoa. As propostas de pelo menos quatro empresas já passaram pela mesa de negociação da Nadir nos últimos anos, apurou o Valor. Uma delas foi a da BR Malls que, em 2016, quase fechou um acordo para a construção de um shopping no maior dos terrenos.
Além das exigências dos herdeiros, outro fator que atrapalhou a venda nos últimos anos foi a contaminação do local, segundo pessoas familiarizadas com o assunto. O terreno é classificado atualmente pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) como "contaminado em processo de reutilização". Isso significa que no local "se pretende estabelecer um novo uso do solo, com a eliminação, ou a redução a níveis aceitáveis, dos riscos aos bens a proteger, decorrentes da contaminação", conforme a definição da agência.
No relatório mais recente da Cetesb, de dezembro de 2018, consta que os donos já tomaram algumas medidas para remover materiais como metais e combustíveis automotivos. Na próxima etapa do processo, que não tem prazo para ser finalizado, a área será monitorada para que seja verificado se os níveis dos materiais contaminantes são aceitáveis.
Resolvida a questão da contaminação, há outro fator que pode ser um entrave para a venda. Pelos parâmetros de ocupação da Lei de Zoneamento de São Paulo, a área em que o principal terreno está localizado pode abrigar construções de até 28 metros de altura - o que limitaria os possíveis usos do espaço. A saída, segundo especialistas do mercado imobiliário, é a venda para construtoras que desenvolvam ali projetos de habitação popular ou para logística. (Colaboraram Alexandre Melo, Adriana Mattos e Chiara Quintão)