Por Ana Luiza Tieghi
Apartamentos de dois quartos, comercializados para famílias e principal produto do Minha Casa, Minha Vida (MCMV), perderam 22 metros quadrados em duas décadas em São Paulo, segundo dados do Secovi-SP, sindicato do setor imobiliário. No ano passado, a área média dos imóveis desse tipo lançados na cidade foi de 38,6 m2.
A arquiteta e engenheira Beatriz Mélo, do Studio Arthur Casas, percebeu que, além de menores, os apartamentos estão parecidos. Em seu trabalho de conclusão dos cursos de Arquitetura e Engenharia Civil, na Universidade de São Paulo (USP), ela buscou a causa da semelhança. A “otimização” dos apartamentos levou à alteração da configuração e do tamanho dos cômodos, e à extinção do corredor, com prevalência das plantas “borboleta”, na qual os quartos são separados pela sala.
Em sua pesquisa, Mélo levantou as plantas mais comuns em imóveis de dois quartos lançados na cidade desde os anos 1980, e constatou uma perda ainda maior de espaço: os imóveis passaram de 75 m2 para 49 m2 nos anos 2000 e a apenas 34 m2 na década atual, uma perda de 55%.
O setor produtivo reconhece que os imóveis estão menores, mas afirma que as famílias também estão. “Pesquisas internas da empresa indicam que a família média brasileira é composta por até três pessoas”, afirma Amanda Bezerra, diretora de produto e inovação da incorporadora Tenda. Muitos decidem ter só um filho, nenhum ou mesmo apenas um pet, lembra Renée Silveira, diretora de incorporação da Plano&Plano.
As duas empresas produzem unidades que se enquadram no MCMV. Segundo Luiz França, diretor da Associação Brasileira das Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), os imóveis do programa têm hoje, em média, de 32 a 37 m2. Ao mesmo tempo, as vendas de unidades estão em ascensão, o que indicaria que têm encontrado receptividade entre os consumidores.
É muito ideológico falar que a pessoa precisa morar em 50 m2, se isso não se viabiliza no bolso”
— Renée Silveira
Mélo visitou apartamentos decorados em estandes e viu técnicas usadas para dar sensação de amplitude, como paredes de vidro ou com elementos vazados no lugar de barreiras que serão reais. Também chamou sua atenção a falta de ergonomia. Em algumas plantas, “quando você senta na cadeira e tenta abrir a geladeira, não funciona, um móvel bate no outro”, diz.
Incorporadoras do MCMV defendem que seus imóveis seguem o código de obras da cidade e que as plantas são testadas com móveis de lojas comuns, sem necessidade de adaptações.
Há mudanças de estilo de vida e dos equipamentos das casas, afirmam, como o uso de lavanderia coletiva e espaço para “coworking”. “Cooktops” e “air fryers” substituem o forno, e a máquina lava e seca dispensa o varal. O espaço para armazenar roupas e itens domésticos, porém, é comprometido.
A diminuição da área é uma forma de manter o preço acessível aos consumidores, afirmam as empresas, conforme o custo dos terrenos e da obra sobe. “É muito ideológico falar que a pessoa precisa morar em uma casa com 50 m2, com varanda e janelas amplas, se isso não se viabiliza no bolso”, diz Silveira.
Para conseguir produzir habitação em áreas com infraestrutura, onde os terrenos são mais caros, a pressão sobre o preço é ainda maior, afirma Leonardo Mesquita, vice-presidente comercial da Cury. Segundo ele, no começo do MCMV houve um equívoco de focar mais em exigências de tipologia, que só eram viáveis onde a terra fosse mais barata. “Isso acabou gerando um MCMV extremamente periférico”, diz.
Philip Yang, fundador do Instituto Urbem, pondera que os programas de habitação deveriam buscar um equilíbrio entre os interesses do mercado, que exige que a atividade seja comercialmente atrativa, e uma regulação que busque imóveis de qualidade.
Na maior parte da produção do MCMV, financiada com recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), não há requisitos mínimos para o tamanho da unidade. “O programa não determina qual é o imóvel, ele tem que dar o financiamento, você que vai escolher”, afirma o Ministro das Cidades, Jader Barbalho Filho (MDB). O atual governo tinha a meta de atingir 1,5 milhão de contratações nessa parcela do MCMV, mas, com o sucesso do programa, agora busca 2,5 milhões.
Há outra parte do MCMV na qual as unidades são bancadas com recursos da União. A meta ali é bem menor, de 500 mil unidades. Essa parcela tem exigências: a unidade precisa ter no mínimo dois quartos e 41,5 m2, com varanda, entre outras medidas. Os requisitos têm afastado as grandes incorporadoras, que veem mais viabilidade no MCMV de livre mercado.
“O planejador pensa no que é melhor para quem vai morar, mas quando você vai no ótimo, esquece o bom, e aí o ótimo fica caro e a pessoa não consegue comprar”, afirma Ely Werthein, presidente-executivo do Secovi-SP. O teto de preço para essas unidades, ampliado recentemente, é de R$ 180 mil. Na faixa inicial do MCMV com recursos do FGTS, o teto começa em R$ 190 mil, na faixa 1, mas chega a R$ 500 mil.
Não há intenção do governo em alterar essas exigências, afirma o ministro. “O programa avançou muito para a gente poder entregar uma coisa de qualidade, não tem como retroceder em relação a isso”, diz. Mas também não há intenção de ampliar os requisitos para a outra parte do MCMV.
Mélo se preocupa com o futuro das unidades construídas hoje, diante das mudanças climáticas. O método construtivo impede a modificação da planta e boa parte dos imóveis não tem rede elétrica para receber ar-condicionado - nem os compradores dariam conta de arcar com a conta mais cara, lembram as incorporadoras.
Ela simulou o conforto térmico de um apartamento de planta borboleta, com 32 m2, sem varanda. Atualmente, a sala fica “confortável” em cerca de 60% do tempo e quente nos demais momentos. O percentual de conforto, no entanto, cai para perto dos 25% em 2050 e para metade disso em 2090, com o aumento projetado para a temperatura.
O tipo de prédio mais construído hoje, e replicado nos grandes projetos do MCMV em áreas urbanas, enfileira os apartamentos, que possuem janelas em apenas uma das faces, o que contribui para deixá-los mais quentes. “Ao mesmo tempo em que as temperaturas estão ficando mais altas, estamos perdendo a ventilação cruzada, exatamente o recurso que conseguiria deixar o ambiente mais confortável sem a climatização mecânica”, diz Mélo - esse tipo de ventilação é uma das exigências do MCMV com recursos da União.
Os entrevistados defendem que, por serem imóveis voltados a uma política habitacional, eles atendem famílias que estão morando em situação muito pior, como em imóveis irregulares, em áreas perigosas, em “puxadinhos” ou dividindo espaço com outras famílias. Dessa forma, mesmo que a unidade seja compacta e tenha seus problemas, é inegável que há melhora na vida familiar. “No fundo, se fosse ruim, eles não iriam para lá”, afirma Yang, embora ressalte que, no modelo capitalista de produção imobiliária, se busque forçar ao limite a capacidade desses produtos de serem vendidos.
De fato, com suas unidades compactas, o programa tem alcançado a baixa renda. A faixa 1, que atende famílias que ganham até R$ 2.850, foi responsável por 36% das contratações do MCMV com recursos do FGTS desde 2023.
No entanto, o MCMV também atendia famílias que ganham até R$ 8 mil ao mês, classificadas como classe média, e foi expandido, em maio, para até R$ 12 mil Segundo empresas consultadas, será possível construir em lugares melhores e aumentar as áreas, mas em poucos metros.
“Mesmo que tenha uma localização melhor, estamos falando de famílias que ganham R$ 8 mil e vão morar em 32 m2 ”, afirma a arquiteta e engenheira.
Com os juros altos para financiar e construir imóveis fora do MCMV, as incorporadoras estão concentrando suas obras no programa e no alto padrão, reduzindo a produção para a classe média tradicional, o que, por sua vez, encarece esses imóveis. O jeito, então, é comprar um apartamento menor.
A compactação das plantas não é tendência geral: a área média dos imóveis de quatro dormitórios cresceu 8% em São Paulo entre 2004 e 2024, para 212 m2.