Notícias

16/10/2023

Governo teme impacto de correção do FGTS e busca diálogo com Supremo (Valor Econômico)

Novo cálculo pode gerar despesa de R$ 8,6 bilhões em quatros anos, além de ter impacto no programa Minha Casa, Minha Vida

A equipe econômica do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) corre para evitar uma despesa primária de até R$ 8,6 bilhões nos próximos quatro anos para remunerar as contas vinculadas ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) caso prevaleça o voto do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), em ação que discute o índice de correção do fundo.

 

A expectativa é que os ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e das Cidades, Jader Filho, se dirijam ao Supremo nesta semana para apresentar os novos cálculos e argumentos do governo. Além do impacto fiscal, o Executivo avalia que a decisão pode inviabilizar o financiamento do programa habitacional Minha Casa, Minha Vida.

 

A corte pautou para esta semana o julgamento que discute a aplicação da Taxa Referencial (TR) como índice de correção dos saldos das contas vinculadas do FGTS. Barroso, relator da ação, votou para afastar a TR e aplicar uma taxa de correção que não seja inferior à da caderneta de poupança. O ministro André Mendonça seguiu seu voto. O julgamento será retomado com o voto do ministro Nunes Marques. Em maio, Haddad chegou a agradecer a suspensão da análise ao dizer que o governo precisaria calcular novamente seus impactos a partir do voto de Barroso.

 

O processo chegou ao Supremo a partir de uma ação proposta pelo partido Solidariedade, que argumentou que o FGTS é uma poupança compulsória em favor do trabalhador e que a correção das contas pela TR dilapida esse patrimônio. A Defensoria Pública e a Confederação Nacional do Trabalhadores em Seguridade Social (Cntts/CUT) tiveram o mesmo entendimento.

 

A Advocacia-Geral da União (AGU), por outro lado, sustenta que foi a adoção de um sistema de remuneração baseado na TR que tornou possível a concessão de crédito pelo FGTS a custos menores.

Além disso, o órgão jurídico do governo avalia que duas leis recentes alteraram a forma de remuneração das contas do FGTS e modificaram o panorama questionado na ação. Com a alteração legislativa, o FGTS passou a distribuir uma parcela de seus lucros aos cotistas do fundo, levando a remunerações superiores às da TR e à inflação.

 

Governo avalia que o julgamento será apertado e mapeia os votos dos ministros

Nos termos do pedido do Solidariedade, o impacto para as contas públicas chegaria a quase R$ 300 bilhões, de acordo com os cálculos da equipe econômica. Assim, avaliam que, caso o pedido não seja negado completamente pelos ministros do Supremo, o voto de Barroso, que é mais benéfico do que o pedido inicial, deve prevalecer para mitigar os impactos fiscais. Ainda assim, o voto do ministro foi uma surpresa para o governo na ocasião, já que não era possível avaliar quais os impactos da correção pela caderneta de poupança.

 

O governo avalia que o julgamento será apertado e mapeia os votos dos ministros. Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, segundo avaliam, são as maiores incógnitas. Por isso, contam com um pedido de vista para que o caso seja retomado no futuro já com o novo ministro do Supremo, ainda a ser indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

 

No primeiro cenário traçado pela União, levado recentemente aos ministros do Supremo, a despesa primária para recompor o fundo somaria R$ 8,6 bilhões até 2026, já que a correção pela poupança seria superior ao resultado projetado. No próximo ano, por exemplo, uma despesa de R$ 2,6 bilhões teria de ser realizada para que o FGTS continuasse a oferecer descontos no custeamento do programa habitacional Minha Casa, Minha Vida. A Fazenda quer evitar esse impacto, já que tem a meta de zerar o déficit das contas públicas em 2024.

 

"Alerta-se para o potencial de redução de despesas discricionárias para o cumprimento do limite de despesas, considerando a aprovação do novo arcabouço fiscal", aponta o governo em documento distribuído aos ministros do STF não disponibilizado no processo e ao qual o Valor teve acesso.

 

No segundo cenário, com uma mudança na remuneração do FGTS pela poupança, a equipe econômica avalia que as taxas de juros praticadas pelo FGTS precisariam ser elevadas para garantir a rentabilidade do fundo. Nesse caso, de acordo com os cálculos do governo, haveria um aumento anual de até 2,75% nas taxas do faixa 1 do programa habitacional, para famílias com renda bruta familiar mensal até R$ 2.640. Como há um limite de comprometimento de renda para obter o financiamento, caso houvesse esse aumento, o governo avalia que 234 mil famílias não teriam acesso ao programa.

 

Em um outro cenário, o governo avalia que o desconto a ser oferecido às famílias beneficiadas seria menor para garantir a rentabilidade do fundo. Nesse caso, de acordo com os cálculos do governo, 129 mil famílias não obteriam descontos no financiamento

 

"Louvamos o voto do ministro Barroso, pois ele não mexe com o passado", avaliou o ministro-substituto da AGU, Flavio José Roman. "Mas não podemos deixar de apontar ao STF que a expectativa futura do fundo é desafiadora em função de seu voto. Por isso, continuamos defendendo a improcedência da ação.”

 

Caso o voto de Barroso prevaleça, o governo sustenta que seria necessária uma modulação para alcançar somente futuros depósitos, e caso essa tese seja acatada pelo Supremo, haveria um impacto de R$ 3,3 bilhões às contas públicas nos próximos quatro anos.

 

O governo quer convencer os ministros do Supremo com uma avaliação de que a mudança na remuneração dos saldos do FGTS não promove justiça social. Isso porque, de acordo com dados da Caixa Econômica Federal, 85% das contas possuem saldo médio de R$ 2,7 mil, e a correção desses saldos pela poupança levaria a um acréscimo anual médio de somente R$ 82 por conta. Por outro lado, 1% das contas do fundo, que tem saldo médio de R$ 63,9 mil, teriam um acréscimo médio de R$ 1,9 mil.

 

A diretora da Instituição Fiscal Independente (IFI), Vilma Pinto, avalia que a despesa de R$ 8,6 bilhões é pequena em relação ao Orçamento da União, mas pondera que o espaço fiscal é apertado em 2024 para a meta de zerar o déficit. “Qualquer desvio de rota que venha gerar aumento de despesa ou reduzir receitas aumenta o risco para a meta de primário. Neste ano a meta não é uma restrição, mas ano que vem será.” 

FONTE: VALOR ECONôMICO