Por Célia Froufe (Broadcast) e Mariana Carneiro
O novo modelo estudado pelo governo para alavancar o crédito imobiliário no Brasil pode elevar os juros do setor, e este é um dos pontos que emperram o anúncio que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva planeja fazer antes do início da corrida eleitoral de 2026, conforme integrantes do governo.
O que está sobre a mesa, como adiantou o Estadão/Broadcast, é que um montante equivalente a 100% do saldo da caderneta de poupança passe a ser usado pelos bancos para o financiamento habitacional, com taxas de juros no máximo iguais às atuais. Atualmente, 65% dos depósitos têm de ser direcionados à área.
As parcelas da caderneta que hoje não são direcionadas ao crédito imobiliário - 20% de depósitos compulsórios e outros 15% de livre aplicação - seriam gradualmente liberadas para chegar aos 100%, à medida que a transição avançasse.
A intenção é que a medida para avaliar o cumprimento do direcionamento da poupança seja feita por meio de crédito novo. Sempre que um empréstimo é liberado, ele contaria para o atingimento da meta por cinco anos. Passado o prazo, o montante sairia da conta e o banco precisaria fazer novas concessões da mesma magnitude para cumprir a exigência de direcionamento. Até aqui, o que era levado em conta era o saldo, e não as concessões.
O que preocupa parte do governo é que poderia haver aumento das taxas por causa de um descasamento entre o benefício gerado aos bancos que captam recursos da poupança (cinco anos) e o prazo médio das contratações de financiamento habitacional, de oito anos no Brasil. Dessa forma, haveria um período de três anos sem que as instituições contassem com o benefício, e que poderia levar ao encarecimento do financiamento.
Pessoas a par da elaboração da proposta relatam que, no geral, a mudança é vista com bons olhos porque tende a abrir mais recursos para o setor, mas a possibilidade de aumento das taxas levou à avaliação de que é preciso canalizar os recursos para o Sistema Financeiro de Habitação (SFH). O SFH conta com um limite de taxa de juros de 12% ao ano, e os recursos só podem ser concedidos para imóveis de até R$ 1,5 milhão.
De outro lado, há quem defenda que a proposta que foi levada à alta cúpula do governo e que conta com a liberação de compulsórios pelo Banco Central pode, ao contrário, empurrar as taxas para baixo, uma vez que o saldo final é que haveria mais recursos à disposição do crédito imobiliário.
No setor privado, as duas hipóteses são vistas como factíveis. Qualquer que seja o desfecho sobre o tema, é certo que não haverá impacto fiscal para o governo, já que se trata apenas de recursos da caderneta de poupança.
Como o crédito para a habitação aumentaria?
O governo estuda ainda a possibilidade de autorizar a ampliação gradativa de emissões de LCIs (Letras de Crédito Imobiliário) pelos bancos, permitindo que eles usem como lastro desses papéis o mesmo recurso captado da poupança - o que hoje é proibido.
Dessa forma, os bancos poderão usar a LCI para aumentar os recursos direcionados ao setor imobiliário. Atualmente, as fontes de financiamento para habitação são compostas basicamente por cerca de 60% a 70% de recursos da caderneta e de 30% a 40% de LCI.
Pela proposta em estudo, os bancos poderão usar todos os recursos da poupança e ainda poderão emitir as letras com o mesmo lastro, o que poderia adicionar ao mercado cerca de R$ 400 bilhões em novas LCIs.
O modelo prevê converter as LCIs em fonte principal dos empréstimos para a habitação, diminuindo o “mix” que é feito atualmente pelos bancos, mas com a fatia ainda importante da poupança.
Uma ala de técnicos do governo que defende a mudança afirma que, ao contrário de elevar os juros, isso poderá fazer com que eles caiam. Ela sustenta que o banco poderia usar o recurso captado da poupança onde desejar por um período de cinco anos, gerando ganhos que irão subsidiar uma taxa de juros mais baixa para o crédito imobiliário.
Ao final do quinto ano, como o banco já ganhou o suficiente para ter uma boa rentabilidade naquela operação, pode oferecer taxas mais baixas ao mutuário da casa própria.
Não há uma versão que tenha prevalecido até o momento e, por isso, o assunto emperrou.
Os técnicos também se dividem sobre o impacto fiscal da medida.
Para uma ala, o aumento das emissões das LCIs pode gerar uma renúncia fiscal de R$ 9 bilhões ao ano, uma vez que são títulos que contam com isenção de Imposto de Renda (comparando com a tributação de outros produtos de mercado, de 15%).
Outra ala, porém, afirma que não cabe este entendimento, uma vez que a emissão extra de LCIs só existirá se as mudança na cozinha do crédito habitacional foi feita. Além disso, a expectativa é que, com a ampliação do volume de empréstimos, também a arrecadação cresça.
Abrindo ou não mão de arrecadação, um ponto que todos os lados do governo não pretendem ceder é o de que, se for levado adiante, o projeto seja claramente endereçado à população mais pobre, já que se trata de um recurso mais barato e que hoje está praticamente todo sendo direcionado ao SFH.
Dessa forma, o intuito é travar o uso desse dinheiro “novo” em operações do SFH, com teto de juros.