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19/07/2019

Fim do Minha Casa Minha Vida? Como saques do FGTS ameaçam o financiamento habitacional

Vista com otimismo pelo mercado e pelos trabalhadores com carteira assinada, a liberação do saque de parte dos recursos do FGTS que o governo pretende anunciar na semana que vem preocupa o setor da construção civil

Vista com otimismo pelo mercado e pelos trabalhadores com carteira assinada, a liberação do saque de parte dos recursos do FGTS que o governo pretende anunciar na semana que vem preocupa o setor da construção civil. Entidades da área temem que a liberação dos recursos do FGTS para saques diminua o total disponível para o financiamento de programas de habitação, como o Minha Casa Minha Vida. Por lei, no mínimo 60% dos investimentos do fundo precisam ser em habitação popular.

A Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) divulgou estudo indicando que, para cada R$ 100 mil sacados em FGTS, uma moradia popular pode deixar de ser construída. Se forem sacados R$ 42 bilhões, cálculo inicial do governo, seriam 420 mil casas a menos. Nos últimos três anos, 44% dos lançamentos do programa Minha Casa Minha Vida foram financiados com recursos do FGTS.

O risco de impacto na política habitacional teria sido, inclusive, um dos motivos do adiamento do anúncio da liberação por parte do governo, previsto para esta quinta-feira (18), durante o evento de comemoração dos 200 dias de governo Bolsonaro. A equipe econômica ainda não tem definido se liberará os R$ 42 bilhões ou uma quantia menor para não comprometer os investimentos em habitação, nem a forma ou periodicidade dos saques. Hoje, o saldo do FGTS está em pouco mais de R$ 400 bilhões.

O presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), José Carlos Martins, disse à Gazeta do Povo que, desde que foi noticiada a liberação, não acreditou na informação pelo fato de não haver recursos disponíveis no fundo para o saque. “O orçamento do FGTS para 2021 mostra que o fundo terá disponível apenas o mínimo legal de reserva técnica. Mais de 85% dos recursos do fundo, hoje, estão investidos. Se o governo liberar que as pessoas saquem 35% de suas contas ativas, vai ter trabalhador levando porta, janela, tubo de saneamento, porque não há liquidez”, ironizou.

Martins, que participou da solenidade dos 200 dias de governo Bolsonaro, em Brasília, avalia que o governo se precipitou em anunciar a intenção e classificou o recuo do governo como fundamental. “Hoje o ministro Onyx Lorenzoni foi enfático: este governo cria empregos através de investimento, não de consumo. Como tirar do investimento já previsto para botar para consumo? Não tem espaço para isso”, afirmou. “Eles entenderam que a construção pode ser a locomotiva para o desenvolvimento, no qual o FGTS é ponto base para gerar emprego”, acrescentou

Lembrando que, no último ano, o FGTS arrecadou R$ 120 bilhões e teve saques de R$ 111 bilhões, o presidente da CBIC disse ter ouvido de dois secretários do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida e Carlos da Costa, que a intenção do governo é “fechar algumas torneiras para abrir outra”, alterando a forma como o a autorização para o saque é feita. “Mas é muito difícil de mexer nisso, pois hoje, os saques são autorizados para trabalhadores demitidos, compra de moradia, catástrofes, doença, falência de empresas”, citou. Uma das possibilidades estudadas pela equipe econômica é limitar os valores de saques dos trabalhadores demitidos sem justa causa.

“Dinheiro é do trabalhador e ele não é obrigado a comprar imóvel” - Outro impacto do saque dos recursos do FGTS no setor da construção civil pode ser na utilização dos recursos para a compra da casa própria, uma das formas de saque autorizadas pela legislação e a principal forma de financiamento de imóveis populares no país.

Para o mestre em macroeconomia e finanças Bruno Lavieri, da 4E Consultoria, a retirada de recursos do FGTS do financiamento habitacional pode, até, ser benéfica. “O recurso que está no Fundo de Garantia tem um rendimento abaixo do normal justamente para, do outro lado, financiar um crédito mais barato para a habitação, por exemplo. O mercado de crédito sem esse ‘funding’ subsidiado pelo FGTS seria menos distorcido. Se tirar todos esses penduricalhos do mercado de crédito, o crédito como um todo seria mais barato, inclusive o crédito imobiliários”, avalia. “Então, não existir o FGTS traria mais equilíbrio, inclusive para habitação. Acho que é nessa direção que esse está caminhando quando se libera uma parte dos recursos que está no FGTS”, acrescenta.

Para o economista, o trabalhador que quiser utilizar os recursos do BNDES para a compra de imóvel poderá conseguir condições semelhantes aplicando tais recursos no investimento que achar mais adequado “e não precisa de nenhum esforço para achar uma aplicação mais rentável que o FGTS”, sem intervenção do estado. “Mas a principal questão é que, tirando do FGTS, você não é obrigado a só comprar um imóvel. Você faz o que quiser com o dinheiro e isso tem muito mais otimização para o indivíduo. Ele não é obrigado a ficar com aquela poupança compulsória para eventualmente comprar um imóvel. E isso é, sim, um benefício”, afirma.

Mesmo antes de o governo divulgar detalhes de como será a liberação, Lavieri vê com otimismo a proposta. “Há muito consumo e investimento represado pela incerteza pré-reforma da Previdência. Muita gente está esperando o que vai acontecer para destravar investimentos e, até consumo. A liberação dos recursos do FGTS seria muito positiva para ajudar nessa alavanca de consumo logo em seguida da Previdência”, diz.

“Em 2017 (quando o governo Temer liberou os saques das contas inativas do FGTS) os recursos foram muito utilizados para pagar dívidas. Hoje o nível de endividamento é menor, a expectativa é que fomente mais o consumo e o investimento”, compara.

FONTE: GAZETA DO POVO