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19/02/2016

Emissão local fica mais cara com corte de nota de crédito soberana

As empresas que se aventurarem a levantar recursos no mercado de capitais local por meio da emissão de dívida corporativa devem pagar mais caro nas novas operações. Na quarta-feira, a Standard & Poor's reduziu a nota da dívida soberana na escala nacional de "AAA" para "AA-".

Daniela Meibak, Chrystiane Silva, Aline Oyamada e Lucinda Pinto 

As empresas que se aventurarem a levantar recursos no mercado de capitais local por meio da emissão de dívida corporativa devem pagar mais caro nas novas operações. Na quarta-feira, a Standard & Poor's reduziu a nota da dívida soberana na escala nacional de "AAA" para "AA-". Essa classificação é usada como referência nas emissões privadas como debêntures, fundos de recebíveis (FIDC) e certificados de recebíveis imobiliários (CRI) e do agronegócio (CRA). A classificação mais baixa indica um maior risco de calote e, consequentemente, um aumento dos custos. Para o financiamento do Tesouro, o corte também pode ter consequências. O custo do CDS (espécie de seguro contra calote) operava ontem em 484 pontos, comparável á Nigéria e El Salvador. 

Mas este não deve ser o único reflexo da mudança de nota da dívida soberana em escala nacional para as companhias. Algumas operações têm cláusulas que preveem a antecipação do pagamento da dívida caso haja uma mudança negativa na nota de crédito. "Uma minoria das operações têm essa cláusula, mas ela existe", diz Daniel Vaz, chefe de mercados de capitais e renda fixa do BTG Pactual. O banco já foi consultado por empresas para renegociar essa cláusula. 

Estimar o provável aumento dos juros para as novas emissões de dívidas não é uma tarefa fácil. Além do rebaixamento da nota de crédito, os investidores exigem juros mais altos por conta da incerteza política e econômica. Além disso, as poucas negociações no mercado secundário fazem com que o investidor queira ser melhor remunerado já que dificilmente conseguirá vender o ativo antes do vencimento. "Os juros já haviam subido por conta do cenário, mas com uma piora no risco das empresas, as taxas vão subir ainda mais", disse Caio Conca, chefe da área de finanças estruturadas da gestora de investimentos Capitânia.

Como referência de um provável aumento dos juros, em setembro, a Fibria emitiu R$ 675 milhões por meio de um CRA e pagou juros equivalentes a 99% do CDI numa operação teve rating "AAA". Já a empresa de logística JSL captou R$ 150 milhões, na mesma época, e pagou juros equivalentes a 108,5% do CDI. A transação da JSL tinha rating "AA-", 

o mesmo nível para o qual as dívidas em moeda local foram rebaixadas. Entre as duas transações há uma diferença de 9,5 pontos percentuais.

Nas emissões de CRA, por exemplo, o rating da operação é definido de acordo com a qualidade da carteira de recebíveis e, muitas vezes, pode até ser superior ao da própria companhia. "O custo pode até não subir muito nas emissões de recebíveis agrícolas porque são títulos com isenção fiscal e elevada demanda por parte das pessoas físicas", afirmou Fernanda Mello, sócia-diretora da securitizadora Octante. 

Como as operações com certificados de recebíveis imobiliários (CRI) são relativamente recentes, os investidores preferem comprar títulos de empresas consideradas boas pagadoras e com rating elevado. "Agora, eu acho que eles vão pressionar por taxas maiores já que o contexto macroeconômico continua se deteriorando, o que traz ainda mais riscos para essas operações", disse Marcelo Michaluá, diretor-executivo da securitizaçõa RB Capital. 

AS&P justificou o corte no rating em moeda local afirmando que a flexibilidade política do governo para administrar as dívidas em reais diminuiu. Em teleconferência com analistas, Lisa Schineller, diretora de ratings soberanos da S&P e analista responsável pela nota do Brasil, explicou que, em geral, a avaliação é que a capacidade dos governos de administrar a dívida denominada em moeda doméstica é maior que a de gerir a dívida em moeda estrangeira. Mas, no caso do Brasil, a forte deterioração fiscal diminui a flexibilidade política do governo de "servir" a dívida denominada em reais no mercado doméstico.

O diretor da S&P, Roberto Sifon-Arevalo, que também participou da teleconferência, afirmou que embora todo governo possa imprimir moeda, a ação tem consequências. "Isso não vem sem custos. Se você olhar ao redor do mundo, há muitos casos em que isso levou a um default. A Argentina é um caso", disse. 

O fato de as taxas de juros de longo prazo já refletirem o cenário econômico incerto, tanto no Brasil quanto no resto do mundo, deve impedir que a decisão da S&P tenha impacto relevante na gestão da dívida pública, segundo o Tesouro Nacional em nota ao Valor. Investidores estrangeiros tendem a operar com títulos de prazo mais longo, cujas taxas já refletem o conjunto de informações e de riscos percebidas pelo mercado e, portanto, podem ser consideradas defensivas. "Por essa razão, a reação apenas comedida dos principais mercados à notícia não é uma surpresa", afirma o Tesouro. 

Segundo o Tesouro, em dezembro, os estrangeiros eram apenas o quarto grupo dentre os principais detentores da dívida pública, sendo superados pelos bancos, fundos e pelo grupo previdência. Ademais, o volume médio de títulos públicos negociados no Brasil é significativo, superando os R$ 10 bilhões por dia. Tanto a diversificação da base de investidores quanto a liquidez do secundário permitem amenizar reduções de posição dos investidores estrangeiros no país, minimizando eventuais impactos para o Tesouro em termos de custos ou riscos. 

"O Tesouro Nacional, como é sabido, já considera em seus planejamentos de curto e médio prazos diversos cenários econômicos, inclusive alguns pessimistas, e que, mesmo nesses cenários pouco prováveis, as projeções internas confirmam a sua capacidade de pagamento", afirma em nota. 

"Além disso, é importante destacar que, o colchão da dívida é hoje suficiente para honrar o vencimento de vários meses sem a necessidade de captação em mercado".

FONTE: VALOR ECONôMICO