Às vésperas de assinar uma portaria para ampliar parcerias do Minha Casa, Minha Vida com Estados e municípios, o ministro das Cidades, Jader Filho (MDB), afirmou ao Valor que a medida vai “explodir a demanda nacional” e ajudar na geração de empregos em diversas regiões do país.
O MCMV Cidades, novo eixo do programa, é uma das vitrines eleitorais do governo Lula a um ano da campanha municipal. Ele prevê parcerias do governo federal com Estados e municípios para somar os subsídios dos entes estaduais e/ou municipais com recursos da União. Dessa forma, espera-se, haverá uma ampliação das contratações e entregas de novas unidades habitacionais no âmbito do FGTS.
O ministro enumerou outras novidades do programa, como a intenção de contratar fazendas de energia solar para fornecerem energia limpa para alguns empreendimentos, o acesso às famílias que ganham até dois salários mínimos à linha do FGTS, a proibição de novos condomínios em áreas remotas e novas casas com varanda e biblioteca.
Na área de saneamento, o ministro revogou o limite de 25% imposto às Parcerias Público-Privadas (PPPs), que desestimulava os investidores. Ele ainda revelou que a JICA (Agência de Cooperação Internacional do Japão) tem interesse em investir no Brasil em obras de encostas. A seguir os principais pontos da entrevista ao Valor:
Valor: Qual a perspectiva do Minha Casa, Minha Vida até o fim do ano? Há a retomada das obras, facilitar o acesso para a faixa 1 e a amarração com Estados e municípios. O que se pode esperar?
Jader Filho: O presidente estabeleceu uma meta para os quatro anos de contratação de 2 milhões de unidades habitacionais. Então, temos feito todas as ações no sentido de alcançar esta meta. Mas não só por alcançar: temos que melhorar e democratizar as entregas.
Vamos fechar parcerias com os governos estaduais e prefeituras para que eles entrem para somarmos subsídios”
Valor: Como assim?
Jader: O governo anterior não entregou uma única casa, por exemplo, na faixa 1, que são famílias que ganham até R$ 2.640. Nós ampliamos para esse público para quem precisamos ter um olhar especial. Para isso, fizemos duas alterações [no programa].
Valor: Quais?
Jader: Primeiro, voltando a ter [recursos do] Orçamento da União. E faço um agradecimento ao Congresso, porque, se não fosse a PEC da Transição, não teria recurso para as contratações agora da faixa 1.
Valor: E qual a segunda?
Jader: Fortalecendo as ações do programa no âmbito do FGTS. Nos últimos quatro anos, a linha do FGTS estava muito voltada para as faixas 2 e 3, que são aquelas famílias que ganham de R$ 2.640 até R$ 8 mil. Para que pudéssemos trazer a faixa 1 para dentro do FGTS, fizemos algumas alterações.
Valor: Quais alterações foram feitas?
Jader: Reduzimos as taxas de juros. Nas regiões Norte e Nordeste, saiu de 4,25% para 4%, e nas outras regiões, de 4,5% para 4,25%. Também ampliamos o subsídio, que saiu de R$ 47,5 mil para R$ 55 mil.
Valor: Por que o FGTS não atendia a faixa 1?
Jader: O problema das famílias da faixa 1 era a entrada. Então a gente ampliou o subsídio da entrada.
Valor: As alterações favoreceram somente as classes mais baixas?
Jader: Não, também fizemos uma ampliação do valor [do imóvel] das famílias da faixa 3, que estava limitado a R$ 270 mil, e não havia reajuste há bastante tempo. Aumentamos esse limite para até R$ 350 mil.
Valor: Alguma outra novidade?
Jader: Estamos em diálogo com a Casa Civil para fazer o MCMV Cidades, que a gente também chama de MCMV Parcerias. Vamos fechar parcerias com os governos estaduais e prefeituras para que eles entrem com subsídios para somarmos os subsídios. Então poderemos diluir ou até zerar a entrada, ou diluir as parcelas. Porque a maioria dessas pessoas mora de aluguel, e, quando se faz a conta desse financiamento, a parcela ficará menor do que o aluguel, e estará pagando por uma coisa que no futuro será dela.
Valor: Qual a expectativa do governo com o MCMV Cidades?
Jader: Você soma os esforços e isso se multiplica: é o dinheiro de todo mundo em um sentido único, não é um puxa para um lado, e outro puxa para outro. Isso vai dar uma mobilizada no programa habitacional de forma extraordinária, e vai ajudar demais a questão do emprego.
Valor: Qual o avanço do MCMV Cidades em relação ao programa original?
Jader: [Permite os subsídios das prefeituras e Estados] dentro do segmento do FGTS.
[Lula] não tem preconceito com o investimento público ou privado, o que ele quer é facilitar o investimento”
Valor: Alguma prefeitura já sinalizou interesse no MCMV Cidades?
Jader: Já falamos com muitas prefeituras e governos estaduais, a recepção é a melhor possível. A gente acredita que isso vai dar impulso nas contratações, e as metas explodem porque somamos os esforços.
Valor: Governadores e prefeitos da oposição vão resistir a aderir ao MCMV Cidades?
Jader: Todo mundo vem. O primeiro que me pediu [para participar] foi o governador Mauro Mendes [União Brasil], de Mato Grosso.
Valor: A incerteza sobre o Orçamento para 2024 influencia as projeções de entregas do ministério?
Jader: Existem técnicos que estão olhando essa questão orçamentária, a evolução dos números, pra gente passar credibilidade para o mercado. Tudo o que estamos fazendo está bem ancorado nas projeções. Estávamos em R$ 68 bilhões no FGTS, elevamos para R$ 95 bilhões. As contas que estamos fazendo são baseadas no Orçamento do ano passado, que é de R$ 9,5 bilhões, e de R$ 10,4 bilhões para 2024. Estamos seguros das metas.
Valor: A intenção também é atrair emendas parlamentares ao Orçamento para fortalecer o programa, certo?
Jader: Sim. A minha preocupação é que neste momento os governos estaduais estão tratando dos seus orçamentos para o ano que vem, e os parlamentares estão decidindo onde vão alocar suas emendas. Daí minha agonia para ter isso [o MCMV Cidades] disponível e poder dar uma segurança.
Valor: Qual foi a receptividade dos deputados e senadores?
Jader: Todos muito entusiasmados porque vão poder colocar [a emenda] diretamente no município. A Caixa vai fazer a gestão disso tudo.
Valor: Por ser um programa com grande pulverização há uma preocupação em relação à integridade no uso desses recursos?
Jader: Todas as vezes que fazemos essas ações, temos que avisar os órgãos de controle.
Tem que passar pelas assembleias legislativas, câmaras de vereadores, tribunal de contas do município, dos Estado e da União. Isso já está na portaria. Em segundo lugar, são os critérios do MCMV, todas as questões de crédito passam pela Caixa Econômica Federal. Se os governos estaduais e prefeituras quiserem participar, vão ter que se adequar aos critérios da Caixa.
Valor: Quais os números de entregas e contratações neste ano?
Jader: Já entregamos 10.349 unidades, e retomamos as obras de outras 16.813. Ainda neste ano queremos retomar as obras de mais 21.618 unidades.
Valor: Qual a meta do MCMV para este ano?
Jader: A gente está com expectativa de, sem isso [o MCMV Cidades], bater as 450 mil unidades, porque já contratamos mais de 300 mil neste ano pelo FGTS. Somando esses esforços [com governos estaduais e municipais], imagina onde vamos chegar. Também tem a meta com recursos do Orçamento: a previsão é de que sejam contratadas mais de 176 mil unidades.
Valor: Há muitas críticas aos condomínios construídos em lugares sem nenhuma infraestrutura e longe dos centros urbanos.
Jader: As novas regras não permitem mais que [o condomínio] esteja distante do comércio, do emprego, da escola, da creche, do posto de saúde, do transporte público, da comunicação. Porque o presidente Lula criou em 2009 o MCMV, o que permite que agora, em 2023, a gente tenha uma curva de aprendizado importante.
Valor: O que mais não deu certo?
Jader: Estamos incentivando condomínios menores. Os melhores empreendimentos são os menores, porque têm um sentido de pertencimento da comunidade, as pessoas cuidam melhor, se conhecem, e não aqueles bairros novos onde, da noite pro dia, você coloca 3 mil famílias. Agora o limite máximo são de 750 unidades em três empreendimentos. Em média, 250 unidades em cada.
Valor: No contexto da transição energética, tem previsão de energia solar ou eólica nos condomínios?
Jader: Sim, mas vamos mudar o perfil.
Valor: O que vai mudar?
Jader: Estamos em discussão com a Casa Civil e com o Ministério de Minas e Energia. A ideia é contratar a energia de “fazendas de energia solar” para abastecer alguns condomínios. A ideia de instalar placas de energia solar em cada unidade não funcionou: ocorreram problemas de manutenção, e muitas famílias, em momentos de dificuldades financeira, venderam as placas.
Valor: Como isso vai funcionar?
Jader: Você faz a licitação, consegue até reduzir o preço. Como já tinha o valor das placas nas casas quando foi feito o orçamento do programa, utilizamos esses recursos para essa aquisição.
Valor: O programa vai estimular a instalação de novas fazendas de energia solar?
Jader: O que nós queremos é o menor preço, mas a gente acredita que o mercado vai se autorregular.
Valor: Tem previsão de uso de energia eólica?
Jader: Isso não está previsto.
Valor: Tem inovações como casas com varanda e bibliotecas. Isso é pra quando?
Jader: Nas novas contratações do MCMV pelo orçamento, todo projeto já tem que contemplar isso.
Valor: Já tem alguma parceria firmada em relação aos livros?
Jader: Estamos fazendo diálogo com editoras, com a Academia Brasileira de Letras, para que possam doar livros para incentivar crianças, jovens, adultos e idosos a voltar a ler.
Valor: Na área de saneamento, teve um ruído com mudanças no Congresso no começo do ano. Já passou esse mal entendido?
Jader: O presidente foi muito claro conosco, ele não tem preconceito com o investimento público ou privado, o que ele quer é facilitar o investimento. O governo anterior limitou as PPPs [Parcerias Público-Privadas] em 25%. Se estamos falando que precisamos incentivar o investimento, porque limitar [as PPPs]? O Brasil é um continente, o que cabe pra uma região não cabe pra outra. Não pode ficar criando amarras.
Valor: E qual a solução?
Jader: Antes de mais nada, queremos incentivar o investimento, por isso que a gente tirou o limite para as PPPs. É na hora de modelar que o BNDES ou qualquer outro banco, o Estado ou município verá como é que dá para [o projeto] ficar de pé. Na outra ponta, precisamos dar segurança jurídica aos Estados e municípios que quiserem fazer os investimentos. Ninguém sozinho vai dar conta de fazer um investimento para que em 2033 a gente alcance a universalização de água e esgoto.
Valor: O receio da iniciativa privada era de que, na modelagem, acabasse se dando competitividade maior para o setor público nas concorrências. Esse risco já passou
Jader: Acho que foi sanado. Conversamos exaustivamente com todos os setores [público e privado], e continuamos dialogando sobre maneiras de incentivar os investimentos.
Valor: O setor de saneamento acha que o texto atual da reforma tributária pode impactar as empresas e obrigar revisão de contratos. Como vê isso?
Jader: Primeiro a sociedade precisa entender que a reforma tributária é importantíssima para o país, e todo mundo vai ter que dar sua contribuição nesse processo. O senador Eduardo Braga [relator da reforma] tem muita experiência, tem dialogado com muitos setores. Obviamente não pode haver excessos em nenhum ambiente. Mas manter do jeito que está é ruim. Tenho certeza que a proposta que vai sair do Senado terá equilíbrio para que ninguém saia prejudicado.
Valor: Na área de mobilidade, como estão os projetos?
Jader: A Secretaria de Mobilidade Urbana está discutindo com a sociedade o novo plano nacional de mobilidade urbana, quais avanços para que a gente possa ter um transporte público melhor. O serviço público no Brasil de maneira geral não vai bem, precisa melhorar o trânsito nas cidades. Isso é premente.
Valor: Isso passa pelo quê, renovação da frota ou ampliação dos modais?
Jader: Há todos esses aspectos. A gente precisa mudar a matriz de combustíveis fósseis e passar para os ônibus elétricos, que ainda estão muito caros. Salvador e São Paulo já têm ônibus elétricos, Belém [no Pará] também está fazendo esse trabalho para a COP [cúpula do meio ambiente em 2025]. Mas uma solução única não cabe no país: como levar a infraestrutura do ônibus elétrico para o interior?
Valor: Como o ministério está envolvido nos esforços para mitigar os efeitos dos fenômenos climáticos? Tem enchente em algumas regiões, e seca em outras.
Jader: Primeiro vou trazer uma coisa que tenho sentido: ausência nas discussões nos fóruns de que tenho participado. Agora recentemente estive na ONU Habitat. Se a gente quer falar de meio ambiente, temos que inserir as cidades nessa discussão. As pessoas vivem nas cidades, e querem ter um bom transporte público, saúde, educação. Agora na COP28 [em Dubai], as cidades precisam estar inseridas na discussão se de fato a gente quer uma solução para o problema, e não fazer marketing político.
Valor: Qual a solução?
Jader: O presidente Lula tem falado para trazermos os prefeitos para tratar do combate ao desmatamento porque eles estão lá na ponta. Precisamos discutir as soluções de maneira direta. Quando você está falando das encostas, que são os efeitos climáticos principais, onde é onde é que essas encostas ficam? Nas cidades.
Valor: Conta com parcerias internacionais?
Jader: Estive discutindo recentemente com a Embaixada do Japão. A JICA [Agência de Cooperação Internacional do Japão] quer voltar a investir no Brasil, e o principal ponto de que falaram foi sobre soluções e financiamento para obras nas encostas.
Valor: O problema do clima nas cidades também tem a ver com abastecimento de água?
Jader: Apresentamos um projeto para a Casa Civil, pedimos celeridade para fazer canais ainda neste ano. Fizemos um cruzamento entre as áreas com mais alagamentos, onde tem maior número de deslizamentos de encostas, com aquelas onde tem o maior número de famílias e de mortes para fazermos um atendimento mais urgente a essas cidades.