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21/07/2018

CVM diz que 23% dos rendimentos de fundo imobiliário Mérito vinham de novas cotas

A CVM afirmou ter detectado indícios de pirâmide financeira na forma como o fundo, gerido pela Mérito Investimentos e administrado pela Planner Corretora, funcionava

Relatório da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) sobre irregularidades no fundo imobiliário Mérito Desenvolvimento Imobiliário I, que teve sua negociação em bolsa suspensa esta semana, revela que o fundo obtinha grande parte dos recursos para distribuir para os investidores da cobrança de taxa nas novas emissões de cotas e na reavaliação de ativos de sua carteira. A CVM afirmou ter detectado indícios de pirâmide financeira na forma como o fundo, gerido pela Mérito Investimentos e administrado pela Planner Corretora, funcionava.

Segundo a CVM, a investigação começou a partir de uma denúncia de um investidor, que estranhou que o fundo, apesar de ainda estar em fase de investimento e ter vários projetos em maturação, distribuía religiosamente o mesmo percentual de rendimentos aos cotistas, como um título de renda fixa. Além disso, o fundo promovia constantes aumentos de capital, apesar de ter uma grande parcela de recursos em caixa, que poderiam ser usados para os investimentos.

Rendimento constante de 1% ao mês - Entre junho de 2013 e maio de 2018 o fundo distribuiu em torno de R$ 30.290 mil de rendimentos sobre um capital integralizado médio mensal de R$ 51.397 mil, e um valor de mercado médio mensal de R$ 55.065 mil. Os rendimentos distribuídos, desta forma, representaram uma rentabilidade líquida de 93,47%, no período, e de 1,11% ao mês, estima a autarquia. Isso apesar de seus projetos terem uma maturação estimada em 48 meses, ou seja, quatro anos. Isso explica também a popularidade do fundo, que tem cerca de 8 mil cotistas.

Taxa de ingresso respondia por 23% das receitas - O que a CVM constatou é que, desde sua criação em 2013 até este ano, 23% da receita do fundo, ou R$ 15,3 milhões, vieram da chamada taxa de ingresso, cobrada na emissão de novas cotas. Essa taxa foi subindo com o tempo, de 6% para os que já eram cotistas e 10% para os novos na primeira emissão, para 20% e 30% respectivamente na última. Consultado pela B3 sobre por que cobrar uma taxa de ingresso tão alta em vez de reduzir o valor da cota, o gestor do Mérito respondeu que a taxa de ingresso entrava como receita para o fundo, e portanto poderia ser distribuída como rendimento.

A conclusão da CVM é que o fundo usava as novas ofertas, atraindo novos investidores, para aumentar o rendimento a ser distribuído aos investidores, o que se assemelhava a um esquema de pirâmide financeira. Sem as emissões, o Mérito I teria acumulado um prejuízo de R$ 19,9 milhões em sua existência, desde 2013, estima a CVM. “O fundo nunca gerou caixa proveniente de suas atividades operacionais como demonstrado nas suas demonstrações financeiras auditadas correspondentes aos exercícios de 2013 a 2017”, diz a CVM.

Reavaliação de ativos respondia por 62% das receitas - Outra constatação da CVM foi que a maior parte da receita do Mérito I, R$ 41,7 milhões, ou 62%  do total, veio de ajustes do valor justo de seus investimentos, baseados em laudos de avaliação tanto dos empreendimentos imobiliários quanto da carteira de títulos e valores mobiliários lastreados em ativos imobiliários. Segundo a CVM, a distribuição de lucros com base nessa receita de avaliação dos ativos representa na verdade uma antecipação de resultado, que poderá ou não se realizar no futuro. “Assim, juntamente com a distribuição de R$ 15 milhões de taxa de ingresso, também representa uma devolução do capital investido”, diz o relatório da CVM. Ou seja, o dinheiro dos próprios cotistas sendo distribuído para eles de volta.

A investigação constatou também que o fundo investia em Sociedades em Conta de Participação (SCP), o que não se enquadraria como opção para os fundos imobiliários. Isso porque, na prática, essas operações funcionavam como empréstimos aos parceiros, incorporadores e construtores para desenvolver empreendimentos específicos, o que é proibido para esse tipo de fundo. Em caso de quebra de uma dessas sociedades, o fundo se tornaria credor quirografário e entraria na liquidação, o que confirmaria o caráter de empréstimo da operação.

Taxa de performance - A CVM destacou ainda a cobrança pelo gestor do fundo de taxa de performance, que era justificada pelo rendimento constante do fundo, mas que na verdade vinha das taxas de ingresso das emissões e da reavaliação dos ativos. “Além disso, a distribuição fixa desses rendimentos períodicos, pagos ora com as mencionadas taxas de ingresso, ora com reavaliações de investimentos em carteira, acabam por simular uma operação de renda fixa, de forma a alavancar o apelo comercial do fundo e, dessa forma, atrair volumes crescentes de novos cotistas, o que de fato tem ocorrido”, diz a CVM. “Ocorre que tal engenharia financeira pode engendrar um círculo vicioso de liquidez, em que o fundo necessita, precipuamente, de novas emissões e das respectivas taxas de ingresso delas decorrentes para viabilizar o pagamento dos rendimentos, que se impõe em volume cada vez maior, face o crescimento do patrimônio líquido do fundo, em dinâmica equivalente a de uma pirâmide financeira”, diz a CVM.

A CVM constatou também uma operação com suspeita de irregularidade feita pelo fundo, com  a compra de cotas de outro fundo imobiliário gerido pela própria Planner e de um derivativo para obter um retorno como uma aplicação de renda fixa. Nas contas da B3, a operação teria dado um prejuízo de R$ 6 mil, mas o fundo reportou um ganho de R$ 327 mil.

A autarquia chamou a atenção também que a gestão do fundo imobiliário deve ser feita por uma instituição financeira, corretora ou banco, e não por uma gestora, como ocorria com o Mérito I. O gestor poderia cuidar apenas dos ativos mobiliários, ou seja, não dos imóveis. Mas, no caso do Mérito, Alexandre Despotin, sócio responsável da Mérito Investimentos, fazia a gestão dos empreendimentos imobiliários do fundo e assinou a maior parte dos contratos, parcerias escrituras de compra e venda dos imóveis, como procurador da Planner. A CVM considera que a Planner não poderia delegar a um terceiro as atividades de gestão dos ativos imobiliários do fundo.

FONTE: ARENA DO PAVINI