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06/04/2020

Crise do coronavírus vai colocar lei dos distratos à prova

A crise gerada pelo novo coronavírus deve ser o gatilho para uma nova leva de pedidos de distrato, isto é, desistência do contrato de compra e venda de um imóvel na planta

A crise gerada pelo novo coronavírus deve ser o gatilho para uma nova leva de pedidos de distrato, isto é, desistência do contrato de compra e venda de um imóvel na planta, vista pela última vez durante a recessão. A diferença é que agora, pela primeira vez, a Lei dos Distratos (nº 13.786), sancionada em dezembro de 2018, será posta em teste. Ela é a régua para que a Justiça decida quem tem razão na hora de desfazer um contrato, mas pode haver algumas resistências nos tribunais para sua aplicação.

A lei foi editada com o intuito de oferecer maior segurança jurídica às incorporações imobiliárias, ao estabelecer porcentuais de retenção e devolução quando o contrato for encerrado, seja por inadimplência do comprador ou por descumprimento de obrigações pelos incorporadores. A questão é que ela é controversa entre juízes e desembargadores. Uma parte deles considera que o texto engessa as discussões, enquanto o melhor seria fazer a análise caso a caso.

 

"Para alguns, ela não protege o consumidor e trata igualmente as partes desiguais", diz o advogado Theo Keiserman de Abreu, sócio do Campos Mello Advogados. O tema foi alvo de preocupação de representantes do setor imobiliário em uma videoconferência promovida nesta semana pela banca.

O sócio do escritório VBD Advogados e conselheiro jurídico do Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscon-SP), Olivar Vitale, conta que as construtoras já estão relatando interrupções no fluxo de pagamentos dos consumidores. "Quando o cliente está disposto a negociar, é a melhor situação. Ninguém quer retomar o imóvel. O problema é quando simplesmente deixam de pagar", afirma.

 

Vitale observa que a existência de um "fato superveniente", como a crise provocada pela pandemia, dá margem para a revisão dos contratos, como alteração no fluxo de pagamentos a pedido de consumidores que comprovarem a perda da renda. Mas a lei não permite o distrato livre e sem multa. "Infelizmente, nós sabemos que haverá adquirentes procurando a justiça para rescindir. E do lado das construtoras, a defesa será difícil, pois o judiciário é paternalista e pode acabar aceitando os argumentos dos consumidores", prevê.

 

A advogada Ana Beatriz Barbosa, sócia do escritório Perez&Barros, explica que a Lei 13.786/18 estabeleceu parâmetros para a resolução dos contratos celebrados a partir de dezembro de 2018. O texto dividiu as incorporações que estavam sujeitas ao patrimônio de afetação - regime em que o dinheiro de uma obra não se mistura ao de outras tocadas pela mesma incorporadora - das demais. No primeiro caso pode ser estabelecida multa de até 50% no distrato, enquanto no restante o teto da multa é de 25% do valor pago pelo imóvel.

 

A resolução de um contrato acontece quando existe um motivo justo, não apenas pela vontade de uma das partes. O contexto da pandemia, no entanto, vai adicionar um elemento novo na equação: a força maior. No caso das incorporadoras, muitas provavelmente vão deixar de entregar obras no prazo pela dificuldade de receber material, porque o Estado decretou que as construções deveriam parar ou proibiu movimentação intermunicipal, impedindo a chegada de operários aos canteiros. Já os compradores podem ficar desempregados ou ter salários reduzidos, também em razão do coronavírus.

 

"Claro que deverá haver uma benevolência dos juízes em interpretar isso. É bem possível que se dê maior prazo pra incorporadores terminarem as obras, desde que se prove que o atraso se deu pela pandemia e não por culpa da incorporadora", exemplifica. A recomendação é que as incorporadoras documentem tudo, numa espécie de diário de obra. O mesmo vale para o comprador que for prejudicado pela pandemia e tiver que provar isso para se livrar das prestações.

Na visão do juiz da 1ª Vara de Recuperações e falências do Tribunal de Justiça de São Paulo, João de Oliveira Rodrigues Filho, não há possibilidade na lei do distrato de o consumidor pedir o desfazimento do contrato e ficar isento da multa. "Quem não consegue adimplir, mesmo na crise, precisa comprovar isso e buscar uma negociação direto com a construtora. Se a empresa permanecer irredutível, aí o consumidor poderia recorrer ao judiciário"

 

O magistrado lembra que os pedidos em massa de distratos no passado provocaram problemas sistêmicos, quebrando empresas e deixando outros consumidores sem receber os imóveis. Portanto, a maior premissa é seguir os contratos e a legislação, recomenda.

FONTE: ESTADO DE S. PAULO