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30/08/2022

Crédito imobiliário resiste à alta da Selic (Valor Econômico)

Competição em linha considerada estratégica explica repasse mais contido nas taxas

O crédito imobiliário tem se mostrado muito mais resiliente à subida da Selic neste ano comparado ao último período no qual os juros de curto prazo estiveram em dois dígitos. Em um ambiente de maior competição, os bancos têm ajustado as taxas, mas a velocidade e o alcance dos repasses vêm se mostrando mais suaves.

 

Em agosto, dados do comparador MelhorTaxa indicam taxa média de 9,33% nas novas concessões dos cinco maiores bancos públicos e privados, ou seja, 4,4 pontos percentuais abaixo da taxa básica de juros. Em novembro de 2016, quando a Selic também estava em 13,75%, a média dos juros cobrados na linha com recursos da poupança atingia 11,24%.

 

“Neste último ano e meio, a Selic subiu algo perto de 600%, elevando-se de 2% ao ano para 13,75%, mas o crédito imobiliário saiu de quase 7% ao ano para perto de 9,5%, um crescimento de apenas 36%”, diz o diretor de empréstimos e financiamentos do Bradesco, Romero Gomes de Albuquerque.

 

Executivos veem mudança de patamar do segmento, com demanda sustentada pela tecnologia

Na visão do executivo, “os bancos veem o crédito imobiliário como um produto estratégico e querem ter essas operações nos balanços”. Segundo Albuquerque, “isso gera uma competição que faz com que, cada vez mais, o repasse da [alta da] Selic ocorra num percentual menor”.

 

O diretor do Bradesco admite haver chance de as taxas de financiamento imobiliário atingirem dois dígitos, mas não enxerga isso como tendência no momento. “Pode até acontecer de virar dois dígitos, mas esperamos que não tenha necessidade de chegar nesse patamar”, avalia.

 

A coordenadora de crédito imobiliário do MelhorTaxa, Priscilla Basso, chama a atenção para o fato de os bancos terem realizado um ajuste de taxas em junho e também vê possibilidade de novo aumento até o fim do ano. Porém, mesmo nessa hipótese, diz acreditar que não chegue aos dois dígitos. O impacto do reajuste realizado em junho na média apurada pelo MelhorTaxa foi de apenas 0,04 ponto percentual.

 

O diretor de crédito imobiliário e consórcio do Itaú Unibanco, Thales Ferreira Silva, diz acreditar que, no curto prazo, o banco não deve fazer nenhuma elevação de taxas. No entanto, admite que “no fim do ano, talvez, a gente faça uma análise”.

 

A resiliência da taxa em um dígito ajuda a explicar, em parte, a manutenção do volume historicamente alto do crédito imobiliário em um ano de eleições e com uma Selic perto de 14% ao ano. O presidente da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), José Ramos Rocha Neto, afirma que 2022 será o segundo melhor ano da história do crédito imobiliário. “No primeiro semestre, o financiamento total do setor atingiu R$ 113 bilhões e podemos chegar a quase R$ 250 bilhões no fim do ano”, diz.

 

Os números da Abecip mostram que apenas o crédito com recursos da poupança (SBPE), na soma dos empréstimos tanto para construção quanto aquisição, atingiu R$ 205,4 bilhões em 2021. Com a adição do volume de operações financiadas pelo FGTS, a cifra sobe para o recorde de R$ 255 bilhões.

 

No período de janeiro a junho do ano passado, o montante de concessões no SBPE alcançou R$ 97 bilhões. Em 2022, em seis meses, as novas operações de crédito imobiliário com recursos de poupança somaram R$ 85,6 bilhões, uma queda de 11,8%.

 

Ainda assim, o ritmo deste ano é historicamente muito forte. Silva, do Itaú, explica que, em sete meses, o banco originou R$ 18,8 bilhões em novos financiamentos habitacionais para pessoa física com recursos da poupança. “Esse valor é 45% acima do que foi 2019 inteiro para o Itaú. E, pelos números preliminares de agosto, nós devemos fechar o acumulado de oito meses com um número muito próximo do que fizemos em 2020 inteiro.”

 

Para o diretor de negócios imobiliários do Santander, Sandro Gamba, “é importante colocar que o ano passado foi um ano de quebra de recorde e 2022, mesmo com redução de volume frente a 2021, está mostrando uma produção relevantemente alta e representativa”. O executivo lembra que o volume atingido há um ano veio a reboque de uma taxa de juros nas mínimas históricas, “que impulsionou a melhor marca de todos os tempos na produção [de financiamentos]”.

 

Conforme Gamba, cada ponto percentual de queda na taxa básica aumenta em 10% a base de potenciais tomadores de crédito para compra de casa própria. “Na parte da demanda, cada 1% de redução da taxa tem incremento de 10% na base de pessoas aptas a tomar crédito”, avalia. Do mesmo modo, o movimento de alta dos juros tem esse efeito no sentido inverso, de maneira restritiva.

 

Rocha Neto, da Abecip, explica que o cenário de crescimento econômico e melhora de outros indicadores macroeconômicos, como o de desemprego, ajuda a manter a perspectiva positiva para o restante do ano. “Hoje o setor está muito menos estocado em comparação com o período da recessão entre 2015 e 2017. Isso por conta do aquecimento de vendas do ano passado, com volumes muito altos. Com um cenário de fundo de crescimento econômico, a entrega de lançamentos [de empreendimentos apresentados entre 2020 e 2021] em um cenário de baixos estoques faz com que o motor do financiamento continue girando, sem perder sustentação.”

 

O impulso para o crédito das entregas de novos imóveis ocorre porque, quando o comprador recebe as chaves, a dívida com a incorporadora é assumida pelos bancos por meio de financiamento. “Ainda que a venda de usados predomine, o mercado primário [de imóveis novos] é muito importante, porque tem muitas incorporadoras com entregas a serem feitas”, aponta Silva, do Itaú.

 

Os executivos enxergam uma mudança de tamanho do mercado imobiliário no país, o que explica também a manutenção de um alto volume de novas operações neste ano. “Acredito que o mercado mudou de patamar em termos nominais”, afirma o diretor do Itaú. A percepção é partilhada por Albuquerque, do Bradesco. “Acho que é o novo normal do setor”, afirma. “Enxergamos o mercado em ritmo constante de crescimento.”

 

Gamba, do Santander, explica ainda que a transformação tecnológica vivida pelo setor tem ajudado os bancos a manter o apetite mais elevado pela linha. “Hoje temos muito mais capacidade para processar as concessões”, diz. “Atualmente, conseguimos fechar uma operação em apenas 12 dias”, acrescenta. Além disso, pondera o executivo, hoje é possível contratar a linha 100% pelo celular, algo impensável poucos anos atrás.

 

Apesar das perspectivas positivas, os profissionais esperam alguma desaceleração no segundo semestre devido às incertezas relacionadas às eleições e aos fatores como uma inflação ainda elevada e juros em dois dígitos. “Enxergamos um segundo semestre um pouco mais fraco que o primeiro semestre”, avalia o diretor do Bradesco. “Quando chega mais perto de eleições, pode ter postergação de lançamentos e, nesse aspecto, o segundo semestre pode ser mais fraco”, analisa.

 

O diretor de negócios imobiliários do Santander chama a atenção também para dados que indicam redução da velocidade de comercialização de imóveis na planta, um indicador de desaceleração futura do mercado de crédito. “Conforme temos observado nos balanços de incorporadoras listadas na bolsa, as informações mostram redução de vendas [de lançamentos] e, se cai a venda [de imóveis na planta], o crédito imobiliário tende a diminuir em algum momento”, diz. “Ainda não estamos vendo este efeito, mas isso pode indicar um segundo semestre um pouco mais fraco que o primeiro, mas não podemos afirmar isso no momento”, acrescenta.

 

Uma das apostas do setor é que, potencialmente, o cenário macroeconômico no fim do ano pode sustentar uma estabilidade para as taxas cobradas nas linhas de financiamento habitacional. “O direcionamento obrigatório de 65% do ‘funding’ de poupança para o crédito imobiliário ajuda a manter as taxas abaixo da Selic”, explica Albuquerque, do Bradesco. “A grande maioria dos bancos já não faz crédito só para cumprir a regulação e tem carteiras superiores à captação do funding de poupança”, diz.

 

Mas como na maior parte das instituições esse “funding” é híbrido, com uma parte sendo captada pela tesouraria, os bancos costumam reagir também às oscilações das curvas futuras de juros de longo prazo. Para o diretor do Bradesco, a expectativa é de um cenário melhor entre o fim de 2022 e início de 2023. “Já vemos tendência de perda de força da inflação e possivelmente, no primeiro semestre de 2023, um arrefecimento da taxa de juros.” 

 

Matéria publicads em 30/08/2022 

FONTE: VALOR ECONôMICO