Ediane Tiago
O mercado imobiliário aposta em projetos de moradia popular e social para estancar a queda nas atividades do setor. Nas estatísticas do Sindicato da Construção de São Paulo (Sinduscon-SP), a construção imobiliária caiu 9,3% no primeiro trimestre, em comparação a igual período de 2015. As vendas de unidades foram 17% menores. A retração se espalha por todos os segmentos, com maior impacto no de alta renda. "Em consequência, o déficit habitacional para as famílias de baixa e média renda cresce", diz Ana Maria Castelo, coordenadora de projetos da construção da Fundação Getulio Vargas (FGV) e coordenadora de estudo sobre os efeitos do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) na cadeia produtiva da construção civil.
Segundo a pesquisadora, o déficit por moradia alcançou 6,1 milhões de famílias em 2014 - o que significa 1,9% de aumento em relação ao número apurado em 2009. O acréscimo está relacionado à maior pressão sobre a renda das famílias com aluguel. "O valor proporcional à renda cresceu nos últimos anos, ampliando a procura pela casa própria", explica.
Entre 2009 e 2015, o programa contratou 4,157 milhões de unidades habitacionais, envolvendo R$ 287,8 bilhões em recursos. A maior parte das obras está concluída ou em fase final de produção. Apenas 17% das unidades contratadas (com investimentos orçados em R$ 49,2 bilhões) estavam com menos de 50% da obra executada até o final de 2015. "O programa tem impactos importantes na melhoria da qualidade de habitação no país. É natural que mais famílias busquem esta forma de adquirir um imóvel", destaca Ana Castelo.
Dados divulgados pelo estudo mostram que a coabitação - quando mais de uma família divide o mesmo imóvel - caiu 25,6% desde o início das entregas. Observou-se ainda queda (-24,4%) no número de domicílios rústicos ou improvisados. "Os avanços sociais são inquestionáveis", defende.
O PMCMV é uma das esperanças para reanimar a construção imobiliária, por ter impacto comprovado sobre a cadeia produtiva. De acordo com o estudo da FGV, encomendado pela Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), se o programa acabasse hoje o efeito seria devastador na economia. "O corte nos investimentos chegaria a R$ 158,8 bilhões e 2,8 milhões trabalhadores perderiam o emprego. A arrecadação fiscal cairia R$ 37,3 bilhões."
Os empresários estão preocupados com a capacidade do governo federal em manter as metas da terceira fase do programa, anunciadas em março pela presidente, hoje afastada, Dilma Rousseff, e que prevê a construção de dois milhões de unidades habitacionais e investimentos de R$ 210,6 bilhões (R$ 41,2 bilhões em subsídios do Orçamento Geral da União) até 2018.
A mudança da equipe política - e os ajustes necessários - trazem incerteza. "A escassez de recursos representa um risco à sustentabilidade do PMCMV", lembra Ana Castelo. A especialista recomenda ao setor estudar alternativas para financiar os projetos de moradia popular e social, incluindo as Parcerias Público-Privada (PPPs).
Rodrigo Garcia, secretário de Habitação do Estado de São Paulo, admite que a falta de previsão orçamentária e de desembolsos para a construção de casas populares dificultam avanços na área. "É preciso compor uma carteira flexível para manter o ritmo das construções", acredita. No Estado de São Paulo, a solução está centrada em dar continuidade às obras da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) - com orçamento vinculado à arrecadação do ICMS -, subsídios complementares para o PMCMV e o estabelecimento de PPPs. "As PPPs permitem atender à demanda da população com desembolso menor do governo."
O secretário destacou iniciativa em andamento no centro de São Paulo - com grande impacto na reurbanização da região da Cracolândia. "Já liberamos terrenos que são do Estado e a prefeitura prometeu soltar os alvarás em três meses", comenta. A meta de Garcia é ampliar as parceiras para construir 20 mil unidades habitacionais. No total, três projetos estão avançados. "O diferencial é que estamos liberando terrenos dentro da região metropolitana, onde a demanda é grande", diz. A estratégia agrada o setor imobiliário, que tem dificuldade em encontrar e adquirir áreas na região.
Pelo modelo, o governo estadual faz a cessão dos terrenos para a construção. O direito de posse, ou o uso perpétuo da parcela do terreno, é transferido para o mutuário. Como estímulo para investir, o construtor tem direito a explorar o aluguel de áreas comerciais, industriais ou de movimentação logística nas áreas cedidas.